Nos últimos anos, um fenômeno social novo para o Carioca, mas não desconhecido em sociedades marcadas pela violência e bandidismo desenfreado, apresentou-se e teve crescimento em várias favelas da cidade do Rio de Janeiro. Embora não listadas neste texto, é fato sabido que várias comunidades pobres, alvos prediletos das quadrilhas de narcotraficantes, passaram a sofrer uma espécie de controle com características de “serviço policial”, exercido a partir de uma estrutura ilegal de poder, que reúne, em regra, policiais e outros integrantes de órgãos e segurança, como forças armadas, empresas particulares de segurança armada, corpo de bombeiros, guardas penitenciários e empresas de vigilância.
Com objetivo primeiro de manter tais comunidades livres do comércio ilegal de drogas, e dos seus nefastos desdobramentos, como, muito especialmente, a estrutura para-militarizada que escraviza as populações e desenvolve sangrentas disputas de “controle de terreno” com facções rivais, além, por certo, do enfrentamento das forças policiais, esses grupos, igualmente ilegais, mas em sua maioria bem aceitos nas comunidades, espraiam-se a cada dia, sinalizando se transformar em breve numa forma complementar de “polícia de controle social”.
Digo assim, porque mais do que manter tão somente a vigilância espacial , com atenção as cenas que se desdobram, os grupos realizam efetivo controle dos fatos, eventos e rotinas, e possuem considerável conhecimento da vida particular dos moradores, o que lhes faculta interceptar qualquer anormalidade naquelas favelas, controlando até a “população de passagem”, ou seja, vendedores, visitas, trabalhadores assistenciais extemporâneos etc.
Analisando os benefícios e prejuízos desse tipo de “polícia local”, criado a partir das lacunas do Estado no serviço que lhe compete por definição constitucional, temos:
Benefícios:
As comunidades ficam livres dos traficantes, cada dia mais violentos, e que adotaram estratégias monstruosas de intimidação e terror. Para exemplificar, a prática mais recente é a imolação viva dos desafetos, ou de quaisquer que se lhes oponha, cortando as pessoas aos poucos, num sofrimento atroz, enquanto alimentam animais famintos (em geral porcos) com seus pedaços.
Sem tráfico, sem oferta local, as crianças e os adolescentes dessas comunidades não tem que conviver com a exposição do varejo das drogas, o que, em tese, serve de profilaxia ao seu uso, facilitando a vida de pais e educadores.
As comunidades ficam livres das incursões policiais que não podem garantir, por razões óbvias, as trocas de tiros com armas de guerra que tantas pessoas inocentes (crianças inclusive), tem vitimado fatalmente. As armas do tráfico são alvos muito mais interessantes para as polícias do que as drogas em si, e, não havendo tráfico, as polícias dirigem seus esforços para outras áreas.
As comunidades também ficam livres das “guerras de facção”, que vitimam envolvidos e inocentes, com perseguições cruéis aos familiares dos “soldados inimigos”, quando descobertos.
Sem os traficantes, a apologia a esses bandos, até porque proibida pelos grupos de controle, não existe, ficando as comunidades livres de uma “cultura do ódio de facções”, um crescente não apenas no nosso Estado, mas em outros da federação.
Também, nessas áreas, os outros crimes quase inexistem, como ou roubo e o furto locais, ou seja, entre os moradores da mesma região. Isso faculta uma sensação de maior segurança entre aqueles, pois são tipicidades criminosas que se enumeram entre as que maior temor causam às pessoas, e, não havendo, os moradores se sentem mais tranqüilos.
Prejuízos:
A comunidade fica sob o jugo da força de pessoas não instituídas legalmente, ou seja, sob administração de um grupo não escolhido ou eleito periodicamente, com substituições temporárias, por sufrágios regulares.
Vários serviços locais, como a distribuição de gás, serviços regulares (táxi) e/ou irregulares de transporte (Vans, Topics etc) e exploração da venda de bens móveis e imóveis, passam ao forçado monopólio dos grupos.
Algumas modalidades criminosas, como o furto de imagens de TV a Cabo são inauguradas, ou simplesmente passam ao poder dos grupos.
Pendengas, litígios e uma série de conflitos que devem ser objeto de apreciação judicial regular, consoante os estatutos jurídicos do país, acabam sendo resolvidos nas favelas, muitas vezes contra a vontade dos litigantes, à força, pelos grupos.
Eventos, festas e quaisquer manifestações púbicas, nesses locais estão sujeitas às deliberações dos grupos.
Por último - embora não esgotadas as possibilidades de outras questões a serem aventadas - a democracia das representações, em especial as associações de moradores, ficam sujeitas às pressões do grupo nos seus interesses, igualmente como ocorre nas comunidades onde existe o tráfico armado.
Estas são algumas das questões que podemos dizer que derivam, ou envolvem, o fenômeno “Milícias Locais nas Favelas do Rio”.No próximo texto, irei explorar as facilidades e dificuldades de ação policial, administrativa e repressiva, às milícias, numa comparação com o narcotráfico.