sexta-feira, 28 de julho de 2006

Incursionando No Inferno - A Verdade da Tropa


Eu era capitão, quando escrevi o livro Incursionando no Inferno – A verdade da Tropa, há onze anos atrás. Vivíamos uma situação não muito diferente dessa, dos nossos dias, mas ainda não havíamos naturalizado o caos. Talvez seja este o ponto crucial: hoje, tanto a população quanto às forças policiais acostumaram-se à previsibilidade do imprevisível. Tudo pode acontecer, seja topar com um “bonde”, ou “blitze falsa”, de marginais, as duas da tarde, numa segunda feira, ou ferir-se com um tiro de fuzil a dois quilômetros de uma favela, sem sair de seu apartamento. A diferença é que não há surpresa no fato, só no azar de ter acontecido consigo. Muitas coisas contribuíram para essa situação de descontrole e, certamente, isso começou nos anos oitenta, logo após a redemocratização do país.

Como sabemos, às polícias sempre são imputadas toda sorte de violações e arbítrio quando ocorrem mudanças nos cenários políticos, Em geral, as personagens alijadas à força pelas estruturas que estiveram no poder quando assumem funções executivas que lhes permitam manipular as forças de garantia da lei e da ordem, como os governadores com as instituições policiais, logo tratam de talhar-lhes novo perfil, deixando explícito seu repúdio pelo organismo que serviu ao sistema anterior. Então, uma nova postura na política de segurança é alardeada e, por sedutora, logo recebe os aplausos da opinião pública: as violentas e impiedosas forças da repressão” devem ficar longe de suas vítimas, o que deve ser entendido pelas forças policiais na forma: quero vocês longe das favelas.

Como a estrutura de poder anterior era marcadamente organizada privilegiando a manutenção da ordem, os governantes que assumiram, (e assim foi com o Brizola no Rio), trataram de afrouxar as rédeas, argumentando em favor da cidadania e dos direitos humanos para frear as forças policiais, essas sim, segundo eles, promotoras exclusivas da violência nas comunidades pobres, ou contra as camadas sociais marginalizadas devido a sua condição de pobreza.

Ora, somente a ingenuidade pode argumentar que a ausência dos serviços de polícia em locais onde invariavelmente se homiziam criminosos, como nos espaços de desorganização social, é preferível para promoção de justiça.

E foi justamente o afastamento intencional e dirigido das polícias das favelas que provocou tal situação. Ao invés de se priorizar a inclusão daquelas áreas, criando estruturas regulares de serviços públicos de polícia, de forma potencialmente forte, com a implantação de batalhões, companhias ou pelotões da PM nas áreas mais carentes, o Estado preferiu retirá-las das favelas, abrindo mão, tacitamente, do monopólio da força, abandonando as comunidades ao seu próprio destino. O resultado hoje é este que vemos: áreas, bairros, empórios, em todo lugar há espaços onde a polícia é entendida como força invasiva, e o tráfico poder reconhecido.

Malgrado a gravidade do problema, obviamente que a situação tem saída, e não está apenas na esfera policial. Mas não há mais tempo para se perder com ilações e onanismo intelectual. É preciso deixar bem claro qual quadro enfrentamos na Segurança Pública, e o que deve ser feito no nível estadual pelos governos para enfrentar, com essa estrutura legal, a criminalidade e o banditismo.
Vejamos:
1. Primeiro aceitar e enfrentar com coragem, mesmo com todos os desgastes que isso possa acarretar, o fato que a situação transcendeu os níveis normais, assim entendidos, para a Segurança Pública.
2. A partir daí, encará-lo como o que de fato é: um conflito armado de baixa densidade, com características embrionárias de uma guerra interna, como nas palavras do ex-carbonário Alfredo Sirks, com condutas para-militares características de ações de guerrilha por parte dos seus elementos integrantes que buscam não apenas comercializar drogas, mas causar baixas nas forças policiais com objetivo de desmoralização e promoção de descrédito nos governos e autoridades responsáveis, mas tudo sem ideologia política.
3. Estabelecer prioridades nas ações de enfrentamento com o reequipamento dos organismos policiais, e adoção de novos conceitos em substituição a alguns totalmente ultrapassados, como, por exemplo, o conceito de destacamento de policiamento ostensivo (DPO) que já de muito não funciona como braço da lei vigilante. Os DPOs, em especial aqueles instalados nas favelas, perderam completamente a capacidade preventiva e repressiva de polícia, sendo meros prédios guardados por policiais militares amedrontados, quando não corrompidos pelos esquemas das drogas.
4. Em atendimento ao que se propõe acima, dotar as PMs de carros blindados leves para patrulhamento em ruas e logradouros onde carros comuns de polícia não podem fazê-lo sem grandes riscos para os PMs, a exemplo da rua Leopoldo Bulhões, Avenida dos Democráticos e rua Itararé, na zona norte do Rio, locais onde vários milicianos foram abatidos ou gravemente feridos, durante patrulhamento, por atiradores postados nas lajes das construções das favelas.
5. Construção nos acessos das favelas de destacamentos panorâmicos de policiamento ostensivo, um novo conceito de base fixa policial que conjuga prevenção e repressão pela vigilância ininterrupta de áreas-problema.
6. Criação de unidades especiais de áreas-problema, semelhante aos GPAEs, mas com efetivos realistas para superar as forças do narcotráfico, e não para funcionar como veículo de propaganda política. Aliás, o conceito de GPAE é suficiente, caso seja aplicado nas condições de superação do tráfico estabelecido, ou seja: em número de elementos, superioridade de armamento e munição, capacitação técnica para atuar tanto preventiva como repressivamente. Deverá possuir uma estrutura de inteligência que dê suporte ao planejamento das ações e operações, que promova o conhecimento sobre as quadrilhas, seus integrantes, modus operandi e os desvios de conduta da tropa.
7. Adoção de medidas para reavivar a auto-estima profissional, como, por exemplo, modificações nos uniformes das praças, que, em épocas passadas, possuíam os mesmos uniformes dos graduados e dos oficiais, diferindo apenas nas insígnias e divisas. Nos nossos dias, os cabos e soldados possuem apenas um tipo de farda para toda e qualquer atividade. Nas apresentações festivas, solenidades, reuniões de círculo, representações oficiais e tudo mais, os cabos e soldados utilizam os mesmos uniformes que usam para os rústicos serviços operacionais e instrucionais. Dessa forma, compreendem-se desvalorizados e desqualificados e, o que deveria ser tão somente uma questão de círculos hierárquicos para definição de responsabilidades, culmina por revelar uma estratificação social indesejada.

A verdade é que para adoção dessas providências, o maior esforço deverá ser de natureza política, ou seja, somente com a compreensão da gravidade do problema que já se arrasta há décadas, iniciando-se pelos nossos governantes do nível federal, é que uma mudança significativa poderá ser intentada.

Também é verdade que essas são apenas algumas ações de um conjunto que deve ser incrementado, mas são essenciais estratégica e taticamente.

Não posso me furtar de dizer da minha convicção, de que as lideranças das nossas forças policiais conhecem e reconhecem a dimensão do problema, e vêm se esforçando na orientação das instituições no sentido de reduzir os índices de criminalidade, além de buscar enfraquecer o poder de combate dos “exércitos do tráfico”, seja pela apreensão de seus arsenais, seja pela prisão de seus líderes, todavia, administrando escassos recursos e lutando contra muitas interferências.

Sair dessa é possível. É preciso coragem, é preciso ter força, é preciso acreditar.

Mário Sérgio de Brito Duarte
Tenente Coronel da PMERJ
Comandante do BOPE

17 comentários:

Anônimo disse...

Olá Sr Coronel, sou Al Of PM De Sousa, do terceiro ano do CFO. Esse livro que o sr cita no texto, escrito a 11 anos atrás, já foi lançado por alguma editora? Gostaria de lê-lo. Ou o sr pensa em lançá-lo?
Quinta-feira foi criado um tópico na comunidade da APM no Orkut dando conta de que o livro seria lançado hj (01ago06) em todo o Brasil. Ainda segundo o texto do tópico, foi publicado uma nota no Jornal do Brasil sobre o livro.
Cheguei a citar esse fato no meu blog.
Um abraço CMT!

Mário Sérgio de Brito Duarte disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

Bom dia Sr Coronel gostaria muito de entrar para a APM, visto q servi o EB e dei baixa da incorporacao este ano como cb mais estou com uma certa duvida
quem tem escoliose é reprovado no exame medico ?

Grato

Mário Sérgio de Brito Duarte disse...

Mário Sérgio de Brito Duarte disse...
Prezado Cadete de Souza
O livro está sendo lançado pela editora Ciência Moderna.
Estará nas livrarias à partir do próximo sábado, e está sendo anunciado no www.americanas.com.br e no www.lcm.com.br
O lançamento é nacional.
Espero que você goste. Veja, é uma supra-realidade, ou seja, a historia é real, mas nomes e lugares são fictícios. O cerne do livro não é oferecer nenhuma denúncia, mas prestar justa homenagem aos aguerridos Caveiras do BOPE.
Em breve estarei lançando o Maré 22. Será uma homenagem aos corajosos milicianos do 22º BPM, Batalhão da Maré, Unidade que tive a honra de comandar durante um ano e trê meses, quando contabilizamos a triste estatística de 36 PMs baleados no período, com 5 PMs mortos na ponta-da-patrulha.
Lealdade, destemor, integridade
Mário Sérgio de Brito Duarte

3:49 PM

Anônimo disse...

Suas propostas assumem uma realidade estratégica bastante perturbadora, quando assume o conflito como uma guerra de baixa intensidade, mais conhecida como guerra de guerrilha. Estaremos então no vácuo Weberiano, de um estado incapaz a se fazer valer. É óbvio que aí no RJ, com esta política suicida e criminosa de ausência do estado em suas áreas periféricas, contribuiu para o agravamento ao desafio ao estado, mas optar por soluções militares a soluções policiais é assumir um estado de guerra civil. Será então que a militarização do conflito, como proposto, não levará apenas a uma espiral de violência, sabendo que adotado uam postura, em muitas vezes já instalada, de utlizar-se de expedientes que deveriam ser prerrogativa das forças armadas, não seria a porta de um conflito de quarta geração, legitimando os marginais como reais opositores do estado formal. Sei que sua experiência conduz a esta lógica, mas como diz o ditado, todos sabem como começar uma guerra, poucos sabem terminá-las.

Anônimo disse...

Coronel ou
Caveira 37/89/BOPE-RJ.

Parabéns pelo livro. Mostra a realidade vivida pelos Caveiras que dão o sangue pela Preservação da Ordem Pública, bem como interferências políticas e econômicas que dificultaram e ainda dificultam o trabalho policial que levaram e ainda levam o Estado cada vez mais ser dominado pela criminalidade. As histórias são antigas, mas muito atuais.

Suas considerações sobre o que deve ser feito para tentar resolver os problemas são excelentes e deveriam ser aplicadas não só no âmbito Estadual, mas sim no Federal pois a criminalidade esta se espalhando como um vírus por todo o país e os policiais sabem o que deve ser feito pois eles são a linha de frente no combate, eles sabem como são tratados, o que enfrentam e tem a experiência prática, sabendo a solução do problema dentro da legalidade.

Teorias anti criminais, monografias complexas e conceitos de quem vive atrás de mesa e nunca enfrentou um marginal alterado ou uma de fogo apontada para si é muito fácil. Falsos Moralistas e pseudo-intelectuais especialistas em segurança pública ta cheio.

Estou esperando o maré 22.

Dion Souza.
2° Sgt PMSC.

Anônimo disse...

Pois é Comandante....
Cá estou novamente, após ter lido/ devorado o seu livro em poucas horas, para lhe dar parabéns pela obra. Tendo vivenciado tal período, estive na ativa de 1985 a 1997, durante a leitura do seu livro, não pude deixar de dar risadas com os nomes fictícios, mas não pude deixar de lembrar dos sofrimentos pelos quais passei como um Oficial da PMERJ no exercício das suas funções, tendo procurado exercê-las da melhor forma possível. As mazelas policiais e da sociedade são enormes e talvez esses tenham sido os maiores incentivos para a minha inatividade, mas os laços de verdadeira amizade que unem os grupos que se identificam no interior da caserna, mesmo com a distância imposta pela vida, permanecem fortes. É assim quando ficamos tristes e preocupados quando um amigo é baleado (como foi o caso do nosso amigo Fernando Garção) ou quando ficamos felizes (como quando fiquei sabendo que o Sr. assumiu o comando primeiro do 22º e agora do BOPE). Resumindo, são sentimentos inerentes da vida na caserna e que percebo serem de difícil entendimento pelos "paisanos". Sentimentos estes muito bem e fielmente abordados no seu livro e que posso imaginar serem potencializados entre os Caveiras uma vez que as dificuldades vivenciadas unem ainda mais as pessoas. Lembro-me bem de uma aula inaugural que assisti no forte Imbui de uma turma de caveiras, provavelmente em 1989, quando concluo que somente com muita união, capacidade, espírito de corpo, força física e psicológica pode uma pessoa passar por um curso tão puxado com é o COESP.
Poderia ficar aqui a escrever muitas linhas, mas não quero ocupar seu blog com sentimentos e lembranças que me dizem respeito mas que precisava dividir um pouco com todos os internautas que por aqui passam.
Mais uma vez, siga em frente!!!
Forte abraço,
CAP PM RR Sampaio

Anônimo disse...

SGT ROCCA
Ola coronel sinto orgulho em dizer que fui seu comandado, sempre procurei estar a altura de seus ensinamentos, fica aqui nào um comandado mas sim um amigo

Anônimo disse...

Prezado Mario eu quero produzir uma entrevista com vc. É possível? Como podemos contar com sua ajuda para ampliarmos o debate e conhecer melhor a situação da segurança pública no RJ? Clayton Vidal - professor

Mário Sérgio de Brito Duarte disse...

Prezado Professor Clayton

Estarei palestrando e autografando meu livro no Hotel Glória, no dia 19 de setembro (veja no site http://www.abese.org.br/convite_sudeste.asp ).
De qualquer forma escreva para meu e-mail marius_sergius@zipmail.com.br
Será um prazer atendê-lo.

Anônimo disse...

Olá MArio Sergio!
Acabei de ler o teu livro, Incursionando no Inferno, os capítulos finais chamam atenção! O relato do Alexandre Cezario chegando ao BOPE numa cdeira de rodas me fez refletir sobre a situação dos policiais no Brasil. O contraponto com as aparições de Pintinho são reveladoras. De um lado você expõe um combatente, que esteve o campo de batalha e sua condição apenas alcança os amigos da tropa... Do outro um sociólogo pronto para os refletores assumindo uma condição acima do bem e do mal para criticar a ação dos policiais nas favelas, especialmente o incidente enolvendo Vigário Geral. Há poucos indícios de uma comparação, mas ela explode com força na presença do Cezário no batalhão. Em seguida o discurso inócuo, mas estratégico de quem não sofre com a dura realidade do Rio de Janeiro.
Tentei enviar um e-mail pra ti (marius_sergius@zipmail.com.br) mas retornou. Você tem informações sobre tuas palestras? Divulga no teu blog. De qq maneira ainda aguardo um contato teu para agendarmos uma palestra na faculdade onde leciono.
Abraços
Clayton Vidal
(vidalfialho@ig.com.br)

Anônimo disse...

Caveira Coronel...
Gostaria de relatar que após ler o livro fiquei emocionado, as lágrimas que rolaram em meu rosto foram repletas de orgulho de ser um caveira!!! Pithon Caveira 167 COE/BME 2003

Anônimo disse...

Policial Militar do Estado de São Paulo, nos grandes centros deste estado também estamos vivendo esse caos de segurança pública, os comandantes não deixam as viaturas entrarém em favelas para não haver conflito e não atrapalhar suas promoções ( o negocio aqui em SP é a maldita promoção ) o Policial de depois de 1º Tenente já era fira oficial de papel e computador e passa a pensar somente nas ´promoções, quando major então ainda é pior, pois poe cabresto na tropa, pois se tiver confronto não é promivido

Anônimo disse...

Todavia, despedir-se do BOPE é amputar-se. É arrancar-se de um corpo no qual se articula, vive-se, e se reconhece como ele mesmo; é saber-se mutilado para sempre; ferida incurável que sangra sem esvair, por sinalizadora do bem que vivemos em guerrilhas legítimas, e outros labores de nossa missão constitucional.

Despedir-se do BOPE é afastar-se dos melhores, mais companheiros e mais corajosos subordinados que encontramos ao longo de toda nossa vida; do seguro fogo de proteção do fuzil amigo na escadaria da morte, no beco do sufoco, no “cem metrinho” de difícil transposição, sem coberta e sem abrigo.

Despedir-se do BOPE é perder o convívio dos mais destemidos gladiadores da modernidade, desses soldados que enfrentam diuturnamente a morte, lutando pelo que juraram proteger: a liberdade, a pátria e a vida do inocente.

Despedir-se do BOPE é não mais ouvir a oração das Forças Especiais, antes e depois dos combates.

Não mais escutar o brado exaltador dos valores norteadores da conduta ética e moral dos Caveiras, impressa em suas almas com palavras sínteses, ditas em uníssono antes de partirem para qualquer missão: Força e honra. Vitória sobre a morte!

Anônimo disse...

onde estão as criticas ,este blog so aceita afagos e elogios.

Anônimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado

Anônimo disse...

Caríssimo Coronel Mário Sérgio, ainda me lembro com orgulho o dia em que fui entrevistado pelo senhor, para ser recrutado para trabalhar no BOPE, na época em que o senhor era capitão, fui treinado pelo senhor e guardo com orgulho os ensinamentos que me foram ministrados e quando leio este livro que retrata a nossa vida, vejo que apesar da dureza que vivíamos, pois nossa equipe era de oito homens para todo o Rio de Janeiro tenho a certeza que valeu apena e que a nossa contribuição ajudou o Rio de janeiro e salvou a população de ser tomada como refém por bandidos, pois mesmo diante das adversidades nós não desistimos.

CB PM RR Oliveira R 09/96