Sou um fã de “João Buracão”.
Ele é meu maior ídolo desde “Plano Cruzado” e sua aparição nos meados da década de oitenta, quando a inflação assaltava nossos bolsos e o indomável “PC” foi implantado pelo presidente Sarney, nos colocando felizes como fiscais da política econômica que vinha garantir manteiga no café da manhã, não tão barata, mas tabelada, numa época que só dava para comer pão com margarina empacotada em tablete.
“Plano Cruzado” não teve vida longa. Por ter nascido com uma saúde debilitada e sofrido alguns acidentes, viveu seus últimos dias com auxílio ortopédico, que garantiu alguma sobrevida com dignidade.
Deixou descendentes um tanto excêntricos, como um que certa feita se apoderou do cofrinho, onde seu dono, Povo, guardava as economias que PC houvera permitido acumular.
Fiquei sem ídolos por muitos anos.
Nem “Capitão Nascimento” ocupou aquele lugar de inspiração, de domínio simbólico de forra, de gozo de justiça e inclusão que Plano Cruzado me proporcionou à época.
Eis que surge João Buracão.
Confesso que não acreditei muito nele no início.
Pelas fotos, a impressão é que está mesmo admirando os buracos, as crateras, os fossos das vias públicas e não querendo fazer um protesto.
Sei lá, protestos são feitos com bandeiras, caminhão de som, faixas, cartazes e muita falação.
Buracão não diz nada!
Ele fica rindo o tempo todo!
Buracão, que me perdoe os mais ortodoxos, às vezes me lembra Jesus, o modelo Dele, Seu estilo.
Está sempre rodeado de crianças que parecem atrapalhá-lo, incomodá-lo, mas que verdadeiramente o deixam feliz.
Ao seu redor se juntam os simples, moradores das periferias, pobres de espírito que trazem as marcas das necessidades na face, escondidas pelos largos sorrisos de esperança e felicidade que a simples presença de João Buracão lhes proporciona.
João Buracão se reúne com os políticos gestores, atesta-lhes das necessidades com as quais se depara, lembra-lhes dos seus compromissos assumidos publicamente e assegura-lhes que não deixará de agradecer quando providenciarem reparos e construções. Mas, quando faz isso, entrega em mãos suas petições, pois crê que é melhor assim do que atirar imprecações na cara, o que o tornaria menor que aqueles que busca interpelar.
Quando os gestores fecham os buracos, Buracão cumpre o que prometeu, agradecendo feliz com o mesmo sorriso jovial.
João Buracão é sereno sem ser frouxo; não se furta à companhia de “tipo” algum, mas não se faz militante de causa que não seja a que elegeu, não por si, mas pelos seus, o que significa que ele não expulsa de sua presença os “desviantes” das estradas sem buracos que terão que ser ajustar, caso queiram segui-lo.
Talvez nem tenhamos prestado atenção em algo mais sutil, e nosso andarilho esteja promovendo mais do que colaborar no fechamento dos buracos da cidade.
Alguns pensadores e estudiosos, como James Q. Wilson e George Kelling, há tempos nos informaram que há uma relação de causalidade entre desordem e criminalidade.
João Buracão talvez seja mais simbólico do que possamos pensar.
Ele pode estar querendo despertar nossa consciência para o entendimento de que a violência, os delitos, as incivilidades que acontecem todos os dias se dão porque não fechamos as crateras materiais e espirituais, individuais e coletivas com as quais convivemos, desbordando-as com indiferença, e que poderíamos sanear e selar, evitando acidentes e suas dores desnecessárias.
João Buracão não faz milagres e talvez nem seja santo, mas estou rezando para que não nos deixe, ainda.
Estou rezando para que ele não seja um extraterrestre disfarçado, como o professor Massau (http://www.youtube.com/watch?v=xJbxG-ddJvE&feature=related), e não retorne à Andrômeda.
Ainda há muito buraco por aqui.