sábado, 26 de setembro de 2009

Sobre lobos e ovelhas

O tiro do Busnello acertou em cheio.

No Brasil não temos muitos registros de ações com reféns em que o agressor tenha sido atingido por atirador de precisão, com conseqüente libertação da vítima.

Verdadeiramente não me lembro de nenhum caso que encerre sucesso.

Em São Paulo, em 1990 o cabo da PM paulista e atirador de elite Marco Antonio Furlan, disparou contra um assaltante, mas acabou também matando a refém, a professora Adriana Caringi, quando o projétil acertou com precisão a cabeça do criminoso, atravessou-a e veio atingir também a vítima. Os efeitos transfixantes do calibre 7,62 ainda eram pouco conhecidos entre policiais paulistas e isso foi decisivo para a tragédia.

Em 2000, aqui no Rio, outra tragédia: Um assaltante descontrolado que mantinha reféns foi inutilmente preservado em detrimento das vítimas que ameaçava. Durante longos minutos esteve sob mira de atiradores de precisão do BOPE, que aguardavam uma ordem para agir. O desfecho foi trágico. A ordem não foi dada, o alvo não foi posto fora de ação e mais uma dor encheu as páginas dos jornais por semanas.

Ocorrências com reféns encerram uma questão transcendente às interpretações meramente jurídicas.

Ela se afasta, por exemplo, e totalmente, dessas em que criminosos armados se vêem cercados, confinados em algum lugar onde armam posições barricadas e sinalizam disposição para reação.

Mesmo em situações assim, com risco potencial à vida dos policiais agentes do Estado e detentores do monopólio do uso de armas, compreende-se que a busca na preservação da vida agressora está em consideração inequívoca a partir da relação Estado versus transgressor, e o Estado, como sabemos, deve a qualquer custo preservar vidas.

Ora, se aqui mesmo já nos soa um tanto estranho essa consideração, posto que o Estado, nesse caso, não é um ser abstrato, mas um conjunto de seres humanos de uma categoria chamada polícia que não merece perecer em mãos bandidas, no caso de ocorrências com reféns a questão se simplifica pelo agravamento, porque, a participação da vítima-refém exige uma escolha e, aí, devemos enfrentar uma questão filosófica do campo da axiologia. Explico:

Numa ocorrência com refém, o Estado, que deve preservar vidas, corre o risco de sacrificar a vida inocente ameaçada se agir com vacilações a pretexto de preservá-las, todas, a qualquer custo.

É verdade que o direito prevê a excludente de criminalidade pela legítima defesa própria ou de terceiro para casos assim, mas a prevalência das considerações políticas e ideológicas na consideração de interpretar o marginal violento como vítima da sociedade, como fizeram de Sandro Barbosa do Nascimento, o seqüestrador do caso 174, têm sobressaído nos julgamentos intelectualizadose outras opiniões "abalizadas".

E, então, nos situamos na axiologia, ou teoria de valores, e vou defender até a morte a necessidade de proteção do inocente ante o agressor.

O célebre Victor Hugo disse certa vez que Quem poupa o lobo sacrifica a ovelha.

Não pretender a morte do criminoso sim, daí a extensa e intensa negociação do coronel Príncipe com o marginal, cara a cara, mesmo expondo sua própria vida quando o bandido manuseava uma granada sem trava de segurança.

Mas isso pára aí.

Deus nos livre daquela granada explodir.

Deus nos livre de lamentar sangue inocente por pusilanimidade, inabilidade ou miopia para o mal; cegueira para a verdade.

Há nove anos Príncipe também estava lá diante de Sandro, armado e ameaçador.

Senti um arrepio quando vi a cena na televisão da ocorrência dessa sexta-feira de sucesso na Tijuca.

Dessa vez foi diferente, pois ele era o comandante.

O coronel Príncipe tinha a situação em suas mãos e coube-lhe ponderar a preservação da vida inocente a qualquer custo.

Busnello acertou em cheio, acertou seu alvo, salvou algumas vidas, principalmente a da comerciante Ana Cristina Garrido, refém no episódio.

Busnello acertou em cheio, promovendo uma explosão de emoções e sensação de alívio em quem acompanhou todo o drama no local.

Busnello é um integrante do 6º BPM, o Batalhão da Tijuca comandado pelo Tenente Coronel Príncipe. Ontem ele cumpriu sua missão de servir e proteger, mas não teve alternativa: para preservar a ovelha, teve que sacrificar o lobo.

Agora sim, o Zé Padilha pode fazer um filme com final feliz.

Força e Honra aos valentes do Batalhão da Tijuca!