Vamos imaginar o seguinte: uma área, um território geográfico, um país, um lugar qualquer; comecemos assim. Tal lugar é marcadamente caracterizado pela pobreza, pela fealdade de sua arquitetura depreciada, pelas precárias condições de transporte e de iluminação pública, pela ausência ou/e abandono de áreas de lazer, pelas dificuldades inexoráveis vividas por sua população sofrida, extenuada de tanto trabalho para aquisição de bens primários de sobrevivência e, principalmente, pela inexistência de liberdades plenas, impeditivas mesmo do exercício de opinião, em submissão a um regime ditatorial, opressor, tirânico, não sufragado. Há nesse território idéias divergentes sobre suas situações: uns celebram o status de ordem e controle despótico reinante; asseguram que a contrapartida é compensatória, pois contempla a distribuição equânime de segurança (educação e saúde) para a coletividade, embora implique aceitar a preterição de outras necessidades individuais ou comunitárias. A opinião divergente acredita (mas não pode falar!) que o regime sob o qual vivem é, na realidade, um sistema opressor. A estrutura de poder que se instalou pela força, derrotando os dominadores que lhes submetiam até então, são verdadeiramente oportunistas, hipnotizadoras das consciências que manipulam com uso de recursos ideológicos, escravizando suas vontades e suas forças. Cubabatan vive sob olhares perscrutadores: primeiramente dos seus dominadores atuais, que se entranharam em cada célula do seu corpo social, controlando tudo; depois, das forças que lhes dominavam anteriormente, por meio de espias (aliás, ansiosos por retomarem o poder e se vingarem dos colaboradores do regime) e, de resto, de “todo do mundo”, que das suas dores possam faturar algum benefício, principalmente por simulacros de intenções dignas que lhes camuflem aquelas menos dignas, guardadas nos cofres seguros da respeitabilidade que costumam exibir, farisaicamente, nas praças públicas da veiculação midiática moderna.
Mas, feliz és tu, Cubabatan, porque tua existência é irreal.
Feliz és tu porque os homens que transitam nas terras de sua virtualidade, povoam terras e lugares reais, sim, miseravelmente tão semelhantes a ti em pobreza e despotismo mascarado de benefício, de benemerência, de benfeitoria, de bem-comum.
Feliz és tu, porque é Cubabatan e não Cuba e nem Batan, onde violações atingem tanto a carne sensível como o espírito invisível de seus filhos indignados.
Pobre ilha de Cuba. Pobre favela do Batan. Pobres lugares que só recebem atenção dos “homens de bem” quando a desgraça que lhes afeta todos os dias pode ser utilizada em proveito de ideologias subreptícias, faturada substancial e providencialmente na dor alheia, mazelas transformadas em capital fomentador de intolerância como bandeira política, e ferramenta de pressão e poder.
Pobre és tu, Cuba, exilada e escravizada pela demência fratricida, implorando dos céus um milagre libertador que retire seus filhos dos cárceres onde foram entulhados há décadas por não calarem-se ante a tirania e o autoritarismo.
Pobre és tu, favela do Batan, dominada pelo tráfico, dominada pelas milícias, dominada pela descrença, sobrepujada pela esperteza dissimulada como “interesses legítimos” numa mimese tão bem urdida que oblitera nossa capacidade de enxergar violações outras, tão bárbaras quanto as que lhe sobrevém, mas protegidas pela seletividade ideológica que lhes encobre a face terrorista.
Feliz és tu, Cubabatan, posto que, não existindo, se livra do constrangimento de ver correndo em seu socorro as mesmas personagens que toleram a violência real dos EMEESSETÊS da vida, seus correligionários, investindo contra a ordem social, pregando revoluções sangrentas, atuando contra os poderes legitimamente constituídos, tudo sem o mínimo pudor que deveria revestir suas ações considerando os postos que ocupam na mais alta hierarquia da nação.
Feliz és tu, Cubabatan, e também sua parônima Kubanacan nas suas inexistências reais. Estão, ambas, livres dos serviços de segurança pública para-estatal com qualidade de produto de camelô, vendidos pelas milícias nas portas de suas casas; estão livres do terror inexprimível promovido pelas hordas de narcotraficantes arrastando seus filhos para um pertencimento sem retorno, e, por fim, estão livres de serem trapaceadas pelos mercadores da ilusão do falso bem; esses, piores do que todos os outros porque teorizam por “justiça social” para justificar selvageria de aliados e atiçam ódio contra “as elites”, como nomeiam qualquer individuo ou coletividade que não se lhes assemelhe em desígnios.
Felizes sois vós, Cubabatan e Kubanacan, pois não serão relegadas ao esquecimento quando se apagarem as luzes da ribalta.