Imperdível! Confiram!
A gente dificilmente percebe a História – este é um defeito, inclusive, de nós, jornalistas. Acostumados ao dia-a-dia maçante, às milhares de promessas não cumpridas, ao discurso sempre repetitivo das autoridades, estamos acostumados a escrever para o peixe da feira: aquele papel vai virar embrulho e tudo vai voltar à normalidade.Normalidade, no Rio, quer dizer o seguinte: gente pobre sem direito a segurança porque a polícia não entra nas favelas. Porque os DPOs ou são arregados ou estão em constante ameaça. Resultado? O poder paralelo, o traficante, armado de fuzil, G-3, antiaérea, granada, impõe sua vontade, invade a casa, destrói a família, corrompe a criança, estupra a mulher e mata o pai. Ou expulsa todo mundo, como na primeira história que postei aqui no Santa Bárbara e Rebouças, há um ano, no dia 13 de junho.Recordando; um ex-técnico da Telerj tem a casa, que é perto da favela, invadida por traficantes, é ameaçado e vira funcionário do tráfico, é obrigado a grampear telefones para evitar que os moradores façam denúncias. Eu disse que é obrigado? Não, porque ele pôde fugir, e fugiu.Mas com milhares de cariocas não é assim: o traficante armado manda, coloca a arma na cara e o jeito é obedecer. Entretanto, o maior prejuízo mesmo não é nem com essa coação armada, e sim com a expansão de uma “cultura do tráfico”, do pobre que leva vantagem, da sensação de grupo social que as facções criam. Em suma: “Eu sou do Comando Vermelho, eu tenho amigos que matam, portanto sou visível e existo”. Ergo sum.Uma cultura daninha que vai se espalhando, por meio de gírias e linguajares, criando no carioca uma tolerância abjeta ao narcotráfico e seus subprodutos. Esta, atualmente, é a nossa História. O Rio virando uma outra coisa – não às casas simples com cadeiras nas calçadas, com flores tristes e baldias, não à orla de Tom & Vinícius, mas sim uma propagação virótica de um comportamento e linguajar da violência, um “já é” para lá e um “é nós’ para cá, como se nossos objetivos existenciais mais profundos fossem ter armas, seqüestrar pessoas, impor a força, impor a violência.Enfim, chego ao ponto: o dia 27 de junho de 2007 será tão guardado na história como o 13 de junho de 1994 para a História do Rio. Se no dia de 1994 acabou simbolicamente o poder paralelo paternalista com a morte de Orlando da Conceição, o Orlando Jogador, pode-se dizer que, com o enfrentamento do tráfico no Alemão, em 2007, no mesmo mês de junho, o delegado PF José Mariano Beltrame começou a acabar com o próprio poder paralelo.É claro que este não acabou, e nem vai acabar neste governo. De jeito nenhum. Mas foi dada a largada oficial, a ruptura ousada. A Secretaria de Segurança arcou com os prejuízos políticos e com todos os desgastes possíveis de uma ação violenta com o intuito único de dizer: o Estado é maior que vocês. O povo organizado, formal e que trabalha é maior do que vocês. Vocês vão se enquadrar – parar de seqüestrar, de ameaçar os outros pelo telefone, parar de assaltar, de atirar, de matar. O Estado é maior do que vocês.Beltrame, gaúcho de Santa Maria – me corrijam se não for esta a cidade – é como um legítimo estrangeiro, um ser não crente naquele estado de coisas. Quando digo não crente estou me referindo a alguém incapaz de aceitar passivamente a frase “Ah, é assim mesmo”. O olhar estrangeiro do delegado PF José Mariano Beltrame foi fundamental para a insistência praticamente louca (em termos políticos) em se manter no coração do Comando Vermelho. Para Beltrame, não há como uma favela ter quatro armas anti-aéreas de guerra, armas militares. Não há como uma favela ter 15 mil cápsulas de fuzil 762 (como foi apreendido mês passado). Não há como uma favela ter snipers.A realidade dele, de gaúcho de Santa Maria, não assimila uma loucura destas. Daí a insistência no Complexo do Alemão, mesmo debaixo do já previsível e normal fogo da OAB, da Alerj, das comissões todas – pessoas que trabalham honestamente, honradamente, mas que nada fazem para impedir que outros sejam vítimas de seqüestro-relâmpago ou extorsão telefônica, por exemplo.O delegado PF José Mariano Beltrame provavelmente deve ser esquecido, na correria do dia-a-dia, assim como este dia 27 de junho. Ambos, injustamente. Afinal, foi inaugurada uma era, a do Estado Maior.
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