sexta-feira, 20 de março de 2009

Sobre abortos e autos de resistência.

Há pouco mais de duas semanas a imprensa nacional deu grande destaque a uma questão de forte apelo emocional, que mobilizou a opinião pública e proporcionou ásperas discussões entre defensores de pontos de vistas antagônicos.

A questão a que me refiro e que me obrigou a contínuas reflexões, é aquela em que se viu multiplamente vitimada uma menina de nove anos, em Pernambuco, estuprada pelo padrasto do qual engravidou de gêmeos.

Num inventário bem simples do drama encontramos a subjugação física contínua da criança, a violação sexual supressora de um direito natural (a vivência sexual consoante à própria vontade e com atenção à sua prontidão psíquica e somática), o risco de uma gravidez sem a madureza necessária de seu organismo, o risco proveniente da intervenção cirúrgica para sua fertilidade (e até para sua vida), e, também, mas não por fim, pois encontraríamos outros prejuízos, a socialização do drama, o que, não raro potencializa a vitimização pelo desvelamento da identidade da vítima.

Basicamente o caso contrapôs a igreja católica, a ciência e o mundo jurídico.
Essa foi a parte mais visível da polêmica.
Essas foram as perspectivas mais perceptíveis à nossa sensibilidade reflexiva (estou nomeando assim à dimensão psíquica onde a massa de informações sobre o problema impressionou e promoveu reação ).

O problema contrapôs, mais evidentemente, as hipóteses de verdade em nome da crença, da episteme e da norma, todos falando a partir de um topos noetós, lugar privilegiado de conhecimento: ora dogmático, ora positivista e ora legalista-normativo.

A igreja católica invocou o direito canônico, para embasar seus argumentos, acrescendo-lhes um repertório de considerações morais e éticas de sua exegese bíblica.
Sua tese fundamental, salvo engano, era a de que duas vidas seriam sacrificadas no aborto e esta seria uma situação irremediável.
Alegou que os avanços da medicina são de tal ordem que a gravidez, mesmo de risco, não selava a morte da menina grávida e que havia chances dela sobreviver em maior probabilidade do que morrer.
Para a igreja, o aborto seria matar as duas vidas em geração, mas existentes e, o não-aborto, tentar salvar três.

Claro, o catolicismo tinha outros argumentos mais metafísicos, de sua ortodoxia, e foram também invocados, mas que não afligiram o pensamento em oposição.

Para os opositores da Igreja Católica, agrupados nos cientistas e juristas com o apoio de formadores de opinião e vozes da população, a posição das autoridades eclesiásticas lhes pareceram tão deslocadas da idéia de bem e justiça pessoal e individual, que não se acautelaram de “bater de frente” com aqueles, uma estratégia bem diferente da adotada nesses nossos dias de “Brasil da teologia da libertação”, quando marxismo flerta com cristianismo buscando seduzi-lo às idéias de revolução, mais "pragmáticas" que o salvacionismo, e, Ser e não-Ser se tornam uma hipótese única.

Talvez a polêmica não tivesse tomado o contorno emocional que fez desfilar opiniões “abalizadas” se a palavra ex-comunhão não tivesse sido trazida à baila.

Ex-comugado, seja lá o que significa isso, é uma palavra medonha, que arrepia até cabelo do nariz.

Ao asseverar que uma ex-comunhão alcançaria a todos os que direta e indiretamente participaram do aborto produzido na menina, com exceção dela, a autoridade católica provocou uma reação coletiva contrária até na massa católica, o que fez parecer um reconhecimento das contradições existentes entre a amorosa, simples e profunda doutrina moral do Cristo, e a complexidade de fundamentos dogmáticos que sustentam o catolicismo e as atitudes confessionais do protestantismo.

Assim, parece que o paroxismo do caso foi produzido por uma semântica, e não por considerações sobre o infortúnio da menina a partir de diferentes considerações sobre seu destino.

E é exatamente este o ponto que quero exibir, declarando que uma questão presente todo tempo nas discussões, foi escamoteada, intencionalmente ou não.

Estou falando das ideologias que defendem o aborto no país e no mundo.

Os grupos pró-aborto de plantão encontraram na pobre menina pernambucana, um modelo emblemático e palatável para difusão de suas idéias abortivas supra-condicionais.

Esses grupos, como sabemos, são formados por pensadores materialistas que advogam que a vida gerada no seio materno é propriedade da gestante; só à gestante cabe decidir sobre o futuro do ser em gestação, caso tenha plenas condições emocionais de fazê-lo, ou, como em casos semelhantes ao da menina, a justiça e a família.

Tal posição tem sido rebatida não apenas pela igreja, mas por um sem número de pessoas que defendem o entendimento de que a vida começa no ato gerador.

Para esses, um zigoto, um óvulo fecundado sobre o qual se saiba de tal condição já é detentor do direito à vida, posto que é uma criança em potência, numa consideração aristotélica.

Realmente, que critério haverá para o aborto, levando-se em consideração, também, o ser gerado?

Em que mês de gestação, por exemplo, terá direito uma gestante de interromper sua gravidez?

Podemos dizer um embrião como “não humano” até determinado ponto de gestação, ou ele é humano em qualquer momento dela?
Qual seria esse ponto?

Seria absolutamente insensível à dor, num ataque contra sua existência?
Em que condições?

Quando não seria submetido a nenhum tipo de sofrimento?

Seria a forma, mais ou menos definida do embrião, um critério para sua classificação na categoria “pertencente à humanidade”?

Pode uma vida pertencente à categoria “humanidade”, sofrer ocisão sem qualquer direito à defesa, apenas porque não alcançou o status de “saído de dentro de quem lhe gera”?

E a vida, o que é?

É só um conjunto de intercâmbios elétricos e nervosos numa massa orgânica vivente, fadado à inorganicidade por entropia e destinado ao nada?

E se não for assim?

E se houver existência metafísica?

E se houver propósitos para a vida?

E se cada ser carregar consigo, desde a concepção, ou até antes dela, um valor absoluto que não pertence à vontade de outrem?

É verdade que se estes argumentos estiveram presentes no discurso da igreja em qualquer momento, se pertencem ao conjunto de suas considerações e explicitadas ou não integram seu conjunto de juízos sobre o assunto, não me recordo de tê-los ouvido.
O que prevaleceu, por tese, foram os pontos de dogma da igreja católica, repudiados na hipertensividade da palavra ex-comunhão, expressão que só angariou antipatias e foi exposta ao descrédito.

Os defensores pró-aborto contabilizaram pontos na contenda, porque, muitos, inclusive eu que sou contra o aborto, se posicionaram em favor da decisão da família com fundamento na defesa da menina; do seu direito a uma infância tão semelhante àquela que atalhou Jesus sobre as criancinhas.

Os defensores pró-aborto como direito da mulher ao corpo, integram, em regra, e é bom que se diga, o mesmo grupo que investe todo o tempo contra ações policiais que culminam com morte de criminosos agressores.

São aqueles que por "sentimento humanitário" argumentam por vítima, o criminoso cruel, que, de arma em punho, investe contra o policial e contra o transeunte para despertar a opinião pública contra o Estado, incitando, sem cerimônia, os integrantes de sua facção a atirar em morador porque “tiro em morador é bala perdida”.

Para eles, os facínoras que desprezam a lei, a ordem e a idéia de bem universalmente aceita, dê-se a inversão do status, com a alegação de que suas situações sociais são definidoras de seus desajustes.

Outrossim, para os seres inocentes nas barrigas que lhes deviam dar a vida, nenhuma apelação ou direito à fuga, mas a execução chancelada como direito e fundamento humanista.

Tento não teologizar meu discurso, mas quero dizer aqui da minha convicção de que a Providência Divina dará à infortunada menina oportunidades muitas de felicidade.

E dará a cada um que buscou uma solução para seu drama, mesmo o aborto, uma consciência tranqüila, se o fundamento de suas participações não desprezou o direito de cada ser em questão, tendo suas decisões seguido um critério de escolha razoável, fundamentada na singularidade da vida.

O aborto é um crime violento contra a criatura infensa, mas a miséria humana consegue sempre encobrir com pó de argumentos sedutores, as sementes de dor que um dia romperão.
É o hedonismo dissimulando egoísmo; é a irresponsabilidade se passando por liberdade.

22 comentários:

Anônimo disse...

Cel Mário Sérgio, na minha adolescência eu era fã ardorosa do Legião Urbana. Temos o hábito de ser fã dos grupos de rock, dos atores da tv, do cinema. Por que não temos esse mesmo ardor quando se trata de um escritor, de um filósofo, de um pensador, de um médico, ou de qualquer pessoa que desenvolva de forma única, especial, uma atividade ? Eu realmente leio o que o sr. escreve com grande letícia e sempre me acrescenta muito. O sr. expoe as idéias de tal forma, que tudo parece claro, preciso. Sua análise apresentou o caso da infante como deveria ser o ponto de partida para um debate adulto, sério, desapaixonado. Se é possível um tema deste ser debatido sem paixões. Fico pensando numa ágora onde se busca não "quem" está certo, mas "o que" está certo. E sinto falta disto, de pessoas que despidas da vaidade, se proponham a encontrar o que é o correto. Mas querem até acabar com as noções de certo e errado...

Anônimo disse...

Eu sugiro o filme "Juno", onde uma adolescente fica grávida, e mesmo não tendo apegos religiosos, mesmo assim decide não abortar e dar a criança em adoçao. Quando é permitido tirar uma vida humana ? até o segundo mês de gestação ? até o oitavo ? Por que não se pode abortar, segundo o argumento do "direito ao corpo" ao nono mês ? Só passo a ter direito a minha vida após o parto ? O que determina o direito de uma mulher abortar é o número de células do concepto ? até quantas células um ser humano pode ser morto dentro do corpo materno ? Esse "direito sobre o próprio corpo" só é válido se após o ato sexual se instalar no organismo feminino um novo grupo de células humanas (um embrião), mas se após o sexo, um grupo de vírus (como o HIV) se instalar, a mulher consegue argumentar que tem direito sobre seu corpo e eliminá-lo totalmente, mesmo se o adquirir após um estupro ? Ou seja, consegue eliminar um feto pq este é indefeso, mas não consegue eliminar um vírus, cheio de defesas. Então a mulher tem "direito" ao aborto pq o feto é um ser que está dentro do seu corpo e não consegue se defender ? Pq uma mulher não tem direito de matar no pós parto o filho que gerou, mas só pode fazê-lo qdo este está no seu útero ? eu passei a ser eu mesma apenas depois que sai do útero da minha mãe ? Ou eu já era eu mesma aos 6 meses de gestação ? ou aos 2 meses eu já era eu mesma ? Qdo eu passei a ser eu,um ser humano, e qdo a mulher que ajudou a me gerar deixou de ter o direito de me matar ?
Eu particularmente creio que o direito ao aborto é apenas o direito do mais forte matar o mais fraco sem ser punido. Vamos supor que a mulher que me gerou só tivesse conseguido uma clínica para me abortar aos 8 meses de gestação, então se ela tem direito ao seu corpo, ela poderia me abortar ? Pq ela só teria o direito de me abortar até p.ex. aos 02 meses ? quem determina até qto tempo após gerado uma vida pode ser morta ? Eu só tive "alforria" do julgo de quem me gerou após o parto ? antes a qualquer momento ela poderia me matar pois eu estava ocupando o seu útero ? então antes de nascer eu fiquei o tempo todo escrava da vontade de minha mãe, pq precisava ocupar o seu útero para nascer. E o doador da outra célula necessária para formar uma nova vida, o doador do espermatozóide, tem direito de defesa do embrião ? basta que minha mãe desejasse me abortar, a despeito da vontade do meu pai, para fazê-lo ? mesmo metade de mim sendo doação paterna ?

Anônimo disse...

No auto de resistência um ser adulto, com capacidade de se defender, com capacidade de escolher se quer ou não resistir, que decide atentar contra a vida de quem está defendendo a sociedade, que tem total capacidade de defesa e inclusive de matar um outro ser humano, é morto. Não estamos falando de um ser indefeso. Estamos falando de alguém em pleno gozo de suas faculdades mentais, dotado de capacidade de defesa e de ataque, que pode matar em igualdade de condições que pode ser morto. Ou seja, num auto de resistencia alguem mata um outro para não ser morto, mata alguém que tinha condição de se defender, que tinha condição de matar.

Anônimo disse...

Parabéns pela corajosa opinião! Confesso que, embora vivenciando dúvidas sobre a melhor solução para a criança estuprada e engravidada aos nove anos, reforcei o que penso sobre a Igreja Católica, sempre fiel aos seus dogmas e ao “Santo Ofício”. Tendo a ser deísta desde que me certifiquei ser um excomungado em razão de divórcio. Tenho em mim que pouco ou nada mudou nessas seculares instituições religiosas. O predomínio da hipocrisia e o descompromisso com o terrível passado do Malleus Maleficarum impressionam-me deveras.
Parece que a história da Igreja é feita somente de santos milagrosos, modo de sepultar a Inquisição, as Cruzadas e suas atrocidades, e a ganância material das Igrejas em geral. Não vejo muita diferença no protestantismo. Escrevi um romance maluco (Que Mundo é Este?), disponível no meu site. Nele, eu abordo o tema em ironia propositadamente descontrolada. Confesso, porém, que, embora tendente a deísta, contradigo-me por crer na Virgem Maria e nos seus poderes. Não sei se é a medo de danação ou porque vejo na sua representação a figura de minha mãe, já falecida. Por outro lado, não engulo o proselitismo de defensores dos malfeitores. Fico com Rousseau e seu Contrato Social.
Creio ser hedonista, mas no sentido mais elevado propagado por Epicuro. E do seu texto de muitos nós a serem desatados, enfio-me em mim suas indagações tão bem acrescidas: “E a vida, o que é?” (...); “E se houver propósitos para a vida?”.
Prezado coronel Mário Sérgio, vou ficando por aqui sem negar meu espanto ante o complexo tema. Ainda não tenho respostas para suas indagações. Quem me dera se eu as tivesse!... Sei, porém, que o caso dessa criança está longe de ser o mais terrível ocorrido no mundo, mesmo que nos situemos apenas no presente.
Há milhões de crianças morrendo à míngua no Continente Africano, bastando lembrar a Etiópia. Há guerras e revoluções em tudo que é lugar do planeta matando milhões de crianças. Há a insensatez imperando entre os seres ditos “racionais”, como esses que defendem criminosos, mas não há nenhuma mobilização para salvar da morte os milhões de crianças mundo afora. Enfim, o seu artigo nos descortina uma aflição que se poderia resumir numa só expressão: hipocrisia social.

Um abraço.

Anônimo disse...

Sempre fui muito clara a esse respeito. Uma mulher que gera um filho fruto de uma violência dificilmente irá olhar a criança sem lembrar o fato gerador, a humilhação, o descaso e a dor física e moral por que passou.
Ter o filho e dá-lo em doação como no filme "juno" é uma "realidade" distante, aliás é o que um filme sempre produz como expressão cultural de um povo, ficção. Ilusão. Mas, mesmo no filme em questão, a menina Juno além de ter sofrido a dor de um parto ativo (normal) sofreu ao saber que havia parido um ser que não podia / queria gerar. A cena dela chorando sendo aconchegada pelo jovem namoradinho faz doer e rever também essa questão.
A realidade nem sempre é conto de fadas encontrado nos filmes.
E, o interessante é que quando se debate o aborto ninguém cita dados de mulheres que chegam em estado grave nos hospitais porque tentaram realizar um aborto ingerindo substâncias abortíferas ou procurando verdadeiros açougues para realizar o ato.
A questão vai muito além.
Criados dentro da tradição Ibero cristã não aprendemos a lidar com nossa sexualidade. Não aprendemos a respeitar nossos desejos e frustrações sexuais.
Enquanto sexo for um tabu os métodos contraceptivos também serão. Enquanto continuarmos achando que nossos filhos são seres assexuados, frios, incapazes de desejarem outros, os abortos continuarão ocorrendo em grande escala no país como nos mostram dados publicados frequentemente por ongs, ministérios e secretarias.
Não dá para discutir aborto se não sabemos discutir sexualidade. Se muito de nós ainda vê o sexo como algo sujo e não como parte integrante da fisiologia de todo ser vivo.
Sou absolutamente a favor de dar o filho para adoção se este filho não veio da forma esperada. Existem casais prontos para amá-los e aceita-los no seio de suas famílias, mas o primordial é não deixar que essas vidas sejam geradas porque assim não caberia nem a discussão do aborto.
Isso também não deixa de ser uma ilusão, até porque vivemos num país em que um pai quis processar um professor porque sua filhinha de 15 anos e 11 meses, como ele disse, viu um filme censurado para menores de 16 anos( nem vou entrar no debate do ECA que se por um lado salvaguardou nossas crianças, por outro gerou distorções na sociedade - podemos um dia falar sobre elas). A cena pornográfica? Um nu feminino frontal. Isso me faz pensar se essa menina nunca se viu nua num espelho. Será que ela se conhece? Porque somado a isso vem diversas outras questões. Uma mulher que tem o corpo como tabu desde criança pode vir a ter, por exemplo, um câncer de mama na maturidade e ser tarde demais para trata-lo e morrer unicamente porque aprendeu que se tocar é feio, sujo. Que a nudez é pornografia e que sexo é depravação. Antes de debatermos aborto precisamos debater sexualidade de forma honesta com nossos filhos em casa e nas escolas.
E, em relação ao aborto da menina de 9 anos, só tenho a dizer que torci para que a família tomasse essa decisão e acho que a criança e sua família já sofreram demais com todo estardalhaço feito em torno do caso. O que ela precisa agora não é aprender o pai nosso e a ave maria e sim a denunciar ( para família, vizinho, professora, médico) sempre que for vítima de qualquer tipo de violência.

Mário Sérgio de Brito Duarte disse...

Prezados comentaristas Joana, Cel Larangeira, Fátima Carvalho (que comentou em outro post) e Carla Cardoso, obrigado por opinarem.
Não existe resposta certa, penso.
Há apenas semeadura e colheita, escolhas e conseqüências. Ninguém pode fugir de si.
Um abraço especial para você, Fátima; são quase trinta anos longe do Brasil.
Diga à Érika que mandei um grande abraço.

Sr. X. disse...

olá, visto que é do seu interesse tb... um site de noticias do rj 24 horas por dia, com videos exclusivos de nossos bravo pms ao cerco dos bandidos quw invadiram o tabajara... videos feitos no humaita.. na hora da troca de tiros..

http://rio24horas.wordpress.com/


abs

SIDEREUS NUNCIUS disse...

Caro Mário Sérgio, este é um tema tão complexo quanto nevrálgico. Eu por exemplo que "em tese" defendo a liberdade de se optar pelo aborto realmente não encontrei em seus argumentos algo que eu pudesse contrariar. Para que minha visão não fique em branco apenas faço uns poréns:
A minha vocação médica que me levou a uma paixão pela vida seja ela da menina violentada pelo padrasto ou mesmo do concepto se fundamenta na visão sanitarista que a originou: uma visão "pro societa" em que a vida que se origina indesejada, nas condições sociais em que vivemos, pode ser mais uma maldição que uma bênção para as outras vidas que com ela compartilham o tempo e o espaço.
Tal visão, no entanto, considera a vida humana apenas como um valor econômico mensurável e não em todo seu esplendor de possibilidades. É limitada, eu sei, mas nos mostra que para que a sociedade seja realmente justa, com todos, é necessário que não apenas se garanta ao "abortado em potencial" o direito a vida, mas também o direito a todos os direitos que acompanham a vida, algo que hoje em dia não ocorre. É a lógica crua e fria: se for para ser um estorvo é melhor que não seja.
É claro que isto é (por enquanto) apenas um debate teórico, enquanto médicos temos que preservar a vida e sua integridade acima de qualquer coisa, portanto na prática certamente buscaria um atendimento pré-natal ampliado para a ressignificação daquela criança e a busca de uma maior resiliência social para a recepção do novo ser.

Anônimo disse...

Coronel, eu o admiro pelas posições corajosas, muitas vezes contrariando as unanimidades burras. Confesso que também fiquei meio confusa neste caso. Não tenho religião, mas sou contra o aborto e acho que, se não estabelecemos a fecundação como marco de início da vida humana, abrimos brechas que podem ter consequências perigosas. Penso que a vida deve ser um valor absoluto e a sua definição deve ser a mais abrangente. Noutras épocas, discutia-se se as mulheres tinham alma, se os mouros e os índios tinham alma. Hoje discutimos a idade em que surge a alma no ventre da mãe. Alma, espírito, vida humana, dê-se o nome que quiser. Relativizar o valor da vida ou restringir o seu conceito é aceitar a violência contra o outro - porque, obviamente, ninguém relativiza o valor da própria vida.
O problema com os fetos é que eles não falam e não são vistos. Assim, ficam a perigo no mundo do "cada um por si".
Sei que, na prática, as coisas não são como nas teorias. Não posso saber o que sentiria se ocorresse comigo, mas teoricamente penso que a violência sexual também não justifica o aborto. Pelo Código Penal, justifica, mas não sou positivista a ponto de ver nas leis o único critério da verdade. A vida e o bem surgem por caminhos tortuosos às vezes. Para citar um exemplo, alguém me disse que o Garrincha era filho incestuoso, de pai com filha. No caso da menina estuprada pelo padrasto, não há o problema da consanguinidade. Há a violência sexual, sempre abjeta, mas um mal menor do que a eliminação da vida. É o que pensa a Igreja e é o que eu penso.
Mas discordo da Igreja, neste caso, porque há um outro problema: o risco de vida para a mãe. É outra exceção contemplada no Código Penal, e esta me parece muito acertada. Ela me faz lembrar do princípio da legítima defesa (apesar das diferenças, pois o feto não comete agressão injusta). Aliás, princípio muito esquecido em nossos dias, quando os agressores são muitas vezes vistos como agentes de uma justiça diversa da sociedade burguesa, e os que se defendem "pelas próprias mãos", face à omissão do Estado, acabam perseguidos como criminosos. Princípio esquecido também por aqueles que negam ao policial o direito à vida, negando-lhe o direito de defesa ao tentar enquadrar como homicida o policial que mata um bandido em confronto.
Mas, voltando ao assunto, temos aí dois bens de igual valor - a vida da mãe e a vida do filho - e é preciso escolher um deles. Acho que, num caso desses, não é lícito exigir o sacrifício da mãe. Acho que ela mesma pode aceitar correr o risco, se for maior e plenamente capaz. No caso da menina, além do grave risco atestado pelos médicos (o que já bastaria para validar a opção pelo aborto), o fato de a gravidez decorrer de violência é só uma circunstância que soma em favor dessa opção.
Esta é a convicção que extraí de toda essa celeuma, entre o dogmatismo da Igreja e a facilidade de ver no aborto uma solução.
Quanto aos autos de resistência, a questão me parece bem mais clara: é legítima defesa pura e simples, contra agressão injusta. Se o policial mente sobre os fatos, que se prove e lhe dê dura punição; mas até prova em contrário, as declarações do policial têm presunção de veracidade. Os que presumem a má-fé dos policiais e os tacham todos de mentirosos, inventando "resistências" que não existem, contrariam as leis que dão fé pública à polícia e condenam todo policial ao dilema de morrer ou ser preso. E eu não acredito que o fazem por ingenuidade.

Tania Anjos disse...

Olá!

Passei por aqui porque procurava pessoas afins na questão teológica.

Grande e grata surpresa a minha...

Li seu post e comentários. Sou evangélica. E... nada a declarar.

Estou exatamente como cada um de vocês se expressou, contudo, trazendo a questão alicerçada a minha fé: "pensando em que tipo de atitude Deus esperaria de mim se eu fosse a mãe dessa criança..."

É dureza, viu...

Minha mente percorre do Novo ao Velho testamento...

Não sou hipócrita e digo em alto e bom som: muitas são as minhas dúvidas!!

Parabéns pela iniciativa - sendo uma pessoa pública - de criar este blog e tratar de assuntos tão imporantes para a nossa sociedade.

Taninha

Tania Anjos disse...

Olha, Coronel...

Fiquei com esta última questão na cabeça a tarde toda.

Concluí o seguinte:

Se eu fosse a mãe da menina, tendo ela nove anos - uma criança -; e, se odiasse profundamente - por ser humana - o autor do ato criminoso . Ainda assim, não teria o direito de interromper duas vidas inocentes.


Simceramente, me sentiria uma assassina. Mas, em contrapartida, se por ser a gravidez de alto risco - pela idade da criança-, entraria em desespero caso a menina chegasse a óbito.


Coronel, o sofrimento dessa mãe, não gostaria de experimentar. Que Deus me guarde...

Creio que toda a família precisará de ajuda psicológica...

Boa noite,
Taninha

ET: Obrigada por estar "segindo" meu blog de poesias. Quando puder passe no Rastro da Educação. Eu promovo debates a partir de artigos que acho interessantes.

Forte abraço,
Taninha

Mário Sérgio de Brito Duarte disse...

Taninha
Eu acho que minha opção seria por preservar a saúde de minha filha.
Buscaria conversar com médicos diferentes, ouvir suas opiniões sobre o desenvolvimento da gravidez, sobre os riscos para a saúde dela com a não interrupção.
Mas, também, ouviria a minha filha, saberia da sua vontade explicando-lhe a situação.
Se eu decidisse, após ponderar tudo isso, pela continuidade da gestação eu avocaria as responsabilidades da criação, com educação, alimentação, abrigo e todas as produções necessárias às suas existências: das crianças e da mãe, até que a última fosse adulta e capaz.
Mas, se me parecesse mais razoável, após todas as considerações possíveis, a interrupção da gravidez, eu assim procuraria fazer, buscando o apoio legal para tal.
Sobre seu blog de poesias eu vi e gostei, daí passar a segui-lo.
Em breve visitarei o outro também.
Um abraço.

Fabio Cardoso disse...

E ai Cel Mário Sérgio,tudo bom com o senhor?Lembra de mim?
Bem, acho que a família fez bem em ter permitido o aborto.Mesmo que a igreja seja contra o aborto,pois a menina de 9 anos corria risco de vida.
Eu sou contra o aborto, pois atualmente tem como você se prevenir, porém em alguns casos como o dessa menina eu sou a favor já que ela foi vítima de abuso sexual e gerou dois filhos contra a sua vontade.
E como você já tinha dito no texto, os materialistas que defendem aborto são também aqueles que defendem várias atrocidades contra a sociedade.
Eu na escola estou com problemas com meu professor de história exatamente por isso.Sou contra a análise marxista e ele quer que tudo que escrevemos seja pautado no materialismo histórico.
Na verdade o que nós temos de herança da nossa esquerda materialista dos anos 60 são as indenizações altas pagas pelo governo para quem pegou em armas porque quis para lutar contra o governo militar.
Veja bem, pegaram por ideologia, crença em algo e não porque foram obrigados e hoje somos obrigados a ver o desvio de dinheiro público que deveria estar sendo gasto com educação, saúde e segurança ( olha o cenário que se tornou a ZS esses dias!!!) para o pagamento de tais indenizações.

Mário Sérgio de Brito Duarte disse...

Oi Fábio! Que prazer ter você aqui meu amigo!
Tema complexo, não é cara?
Olha Fábio, ver você tão jovem interessado nessas questões relevantes, dá um tremendo ânimo para continuar escrevendo, sabia?
Sobre seu professor, penso que mesmo não concordando com o que ele diz vale analisar cada ponto do seu discurso. Seja como for, "saber" faz com que você ganhe sempre, e possa aderir mais seguro a uma ou outra idéia.
Força, honra, paz e bem!

Joana disse...

Por que uma mae pode abortar seu filho, mas um pai legalmente nao o possa. Estranho eu falar em pai abortar, mas qdo uma mulher resolve deixar um filho nascer, se o pai biológico da criança se negar a assumi-lo, por nao desejar a paternidade, a mulher vai a justiça e esta obriga o pai a pagar pensao, assumindo se nao a paternidade afetiva, ao menos a material. Quer dizer, a mulher é dona de seu corpo e pode decidir se quer matar ou nao seu filho, e o pai nao tem jeito, tem que pagar pensao, quer ele queira o filho ou nao. É mundinho estranho este...

Anônimo disse...

Coronel, o senhor agora tem até seguidor marxista. Ou ou senhor está seduzindo ou está sendo vigiado. Fique alerta.

Anônimo disse...

Saudações Cel,
Chega ser engraçado ler o último post sobre o senhor estar seduzindo ou estar sendo vigiado, como se um cidadão com acesso a internet no litoral de São Paulo fosse uma perigosa ameaça só por este se considerar marxista.
Encontrei vosso blog a partir de outros blogs relativos a segurança pública. É uma questão central nos dias de hoje, e penso que ouvir aqueles que atuam na área independente do seu posicionamento político é crucial para uma visão mais ampla do mundo. Por exemplo, nesse último post sobre o aborto, no momento que o Sr coloca que aqueles que defendem o aborto normalmente são contrários aos policiais que lutam contra a marginalidade pode ter certeza que não me enquadro no meio desse grupo, apesar de defender o aborto.
Especulativamente, se acontecesse uma revolução socialista no Brasil hoje os traficantes não deixariam suas armas, nem o tráfico e a revolução teria um grande desafio pela frente, que teria que ser combatida em toda mudança estrutural (saúde, educação, trabalho, etc), mas sem dúvida teria que ser combatida a bala também... de fato na maioria dos países onde aconteceram revoluções os criminosos empunharam armas ao lado daqueles que foram tirados do poder contra quem estava conduzindo a revolução.
Por último, não entendo e não acredito que polícia, e que militar são sinonimos de conservadorismo, liberalismo ou direita, até porque na história do nosso país e do mundo os militares ocuparam importantes papéis progressistas e, qualquer categoria da sociedade pode assumir papéis conservadores, dependendo da situação histórica.
Enfim, espero que o Sr não se incomode com meu acompanhamento de seu blog.
Um abraço,

Mário Sérgio de Brito Duarte disse...

Prezado Sr Editor

Em hipótese alguma faria restrições à vossa presença no meu blog, como acompanhante, leitor esporádico ou comentarista.
Verdadeiramente não me alinho ao pensamento marxista, marcadamente seu lado revolucionário. Isso não me faz inimigo de pessoas com entendimento diferente. A área que dirijo, neste momento da minha carreira, é composta em grande parte por cientistas de humanidades com entendimento "marxista de mundo". Isso em nada prejudica nosso relacionamento e marcamos nosso território ideológico com dialética respeitosa.
Em tempo passado escrevi aqui, que Marx nunca esperou do lumpem uma participação revolucionária, mas os grupos marxistas mais endurecidos, que sonham com a revolução armada e disseminam tal idéia nas favelas, esses sonham com as armas do tráfico a seu dispor.
Seja bem-vindo.

Joana disse...

Aliás, não só Marx não via luta revolucionária no lumpen-proletariado, como alguns outros de seus seguidores, a exemplo de Gramsci. O próprio Marx escreveu "O lumpen-proletariado, esse produto passivo e apodrecido das camadas mais baixas da velha sociedade, pode por vezes ser arrastado para o movimento por uma revolução proletária; no entanto, suas condições de vida os farão antes a vender-se aos setores reacionários para servir as suas manobras" (In Manifesto do Partido Comunista). É exatamente o que vemos em nossa política-partidária, onde por qualquer auxílio-isso, auxílio-aquilo, ou mesmo por dez reais ao dia ganhos para agitar a bandeira deste ou daquele candidato nos sinais de trânsito da cidade, o lumpen dá seu voto aos que só perpetuam o que aí vemos.
Há um prefácio raro de Engels(ficou por anos escondido), encontrado apenas num livro que tive acesso na Biblioteca Nacional que afirma que Marx reviu boa parte de suas avaliações sobre suas teorias a cerca do comunismo.

Anônimo disse...

SR CMT, De início agradeço por proporcionar esse diálogo conosco. Sou um soldado da Pmerj e como a maioria estou desmotivado com a nossa realidade.
Acretido que, quando o Sr. assumiu o comando da Pmerj, iniciou-se uma transformação em nossa corporação.
Creio que seja para melhor, pois jamais observei, em meus sete anos de policia, uma mudança desta grandeza.
Por vários anos apenas vimos "trocas" de comando, onde um deixava de comandar uma área e iniciava o comando em outra.
Por tais fatos venho solicitar sua compreensão e pedir que não aumente o tempo para promoção dos praças.
Nós apenas possuímos esta certeza de reajuste salarial. A promoção por tempo de serviço não deixa de ser por mérito, pois trabalhar em uma escala que apenas existe na Pmerj e sobreviver como policial nesta violência é um grande feito.
Tenho a certeza que irá analisar esta questão, e se por algum momento pensou em quanto irá nos prejudicar, vai agir da melhor forma possível e tomará uma desição justa. Por mais agradeço a atenção, desejando que Deus continue te iluminando.

carvalho disse...

boa noite Cel, sou o cb pm carvalho que participei da reunião no dia 29/07/09, gostaria de parabeniza-lo pelo empenho e transparência dos encontros, e também por ter acabado com os dpos nas favelas, foi uma ótima idéia, finalmente alguém assumiu a policia e tem os interresses voltado para a melhoria da instituição e não tem aquela visão primitiva, parabéns CORONEL estamos juntos nessa luta

wagner disse...

Boa noite senhor comandante geral da policia militar do Rio de janeiro, meu nome é Wagner e atualmente estou trabalhando na mais nova unidade de policiamento comunitario (UPP Babilonia e Chapéu Mangueira) situada no bairro do Leme, cerca de três meses atras em diversas reuniões que tivemos com o comando anterior da policia militar foi dito que seria um tipo de policiamento diferente, voltada somente para a comunidade, que teriamos uma gratificação de R§ 500,00 e que se fosse necessario ter algum policiamento extra seria apenas voltado para o objetivo, que é o policiamento em comunidades, ou seja em alguma das UPP'S, mas infelizmente com o passar dos meses tenho observado que tais afirmativas não foram cumpridas pois até o momento não recebemos nenhuma gratificação, o policiamento não tem sido tão voltado para a comunidade pois agora estamos sendo escalados para serviço extra (na segunda folga) no maracanã, só não entendo como podemos prestar um bom serviço se apos sair do serviço a noite onde ficamos acordados, perdemos a maior parte da primeira folga dormindo e quando teriamos um tempo na segunda folga para tratar de assuntos particulares temos que nos apresentar para cumprir serviço extra, como poderemos proporcionar sensação de uma vida melhor para a comunidade se não tivermos uma vida social, não acredito que esteja tendo a racionalização de aplicação de carga horaria como esta citado na nota n° 1194 -de 16 de julho de 2009 descrita abaixo.

5. ESCALAS DE SERVIÇO EXTRA – APROVAÇÃO DOS COMANDOS INTERMEDIÁ-
RIOS - DETERMINAÇÃO
Este Comando, a fim de estabelecer maior controle sobre o emprego do policial militar em escalas de serviço extra, bem como racionalizar a aplicação de carga horária individual de trabalho, consoante o que preconizam os mais modernos conceitos de gestão do capital humano, maior patrimônio de qualquer organização, determina que a partir da presente data tal emprego seja precedido de aprovação dos respectivos Comandos Intermediários, a quem caberá fiscalizar o cumprimento da presente determinação.

(Nota nº 1194 – 16 Jul 2009 - GCG)

Desde já agradeço a atenção e espero não ter importunado com assunto de tal natureza.!!!