domingo, 2 de setembro de 2012

O Exército Brasileiro e sua participação na pacificação do Rio de Janeiro

Meu livro Liberdade Para o Alemão - O Resgate de Canudos já não é mais a única obra sobre o processo de pacificação dos Complexos da Penha, Vila Cruzeiro e Alemão.
 
Recentemente lançado pelo Coronel  de Infantaria do Exército Brasileiro, Carlos Alberto de Lima ( AMAN, turma 1975), "Os 583 dias da pacificação dos Complexos da Penha e do Alemão" é o segundo livro a tratar do assunto, agora expondo por meio de uma metodologia informativa, dados importantes de relevante valor para a história da Força Terrestre na sua participação naquela missão interna; e também para qualquer que se interesse no assunto.
 
É uma obra importante, que recomendo. O livro evidencia que as necessidades brasileiras, onde se inclui a Segurança Pública, podem ser atendidas pelo Exército em situações específicas, bem definidas e obviamente exigíveis dado o seu paroxismo.
 
A corrente de opinião contrária, aquela que realiza uma leitura apertada das previsões constitucionais para uso da Força, está vencida.
 
Claro, não vai se lançar mão do Exército para qualquer coisa. Seu emprego na Providência foi uma imprevidência previamente calculada.
 
Lá, o EB foi contra sua vontade, e eu sei porque participei de uma reunião no Comando Militar do Leste, em 2007, quando a coisa estava para acontecer. Lembro-me bem dos discursos: não falados, mas reverberantes no espírito visivelmente contrariado de cada militar presente à reunião.
 
Mas, voltando ao emprego legítimo, legal, moralmente recomendável e rigorosamente necessário da nossa Força Terrestre, bom que ela tenha participado de um momento tão importante para o Rio de Janeiro.
 
E bom para a Força, como poderão ler nas palavras do Coronel Lima!
 
Abaixo publico o artigo de minha autoria que integra a obra. Recebi o honroso convite de escrevê-lo para compor o livro. Espero não ter decepcionado. Eu já havia deixado algumas impressões sobre a participação do Exército nas operações do Alemão, em meu livro. No texto abaixo reitero o que lá escrevi.

O livro pode ser adquirido por encomenda ao e-mail viajandocomaleitura5@yahoo.com.br



O Exército Brasileiro e sua participação na pacificação do Rio de Janeiro


Ao longo dos últimos anos venho teorizando sobre o quadro de segurança pública do nosso Estado, e declarando que o Rio de Janeiro atravessou um conflito armado de baixa intensidade nas duas últimas duas décadas, situação não vivenciada pelos demais Estados Federativos.

Não foram raras as oportunidades em que eu explicitei isto; reflexões manifestas que foram reproduzidas em jornais impressos, mídia televisiva e documentários.

É bem certo que tenho usado tal expressão com certo distanciamento do conceito defendido pelo professor Luiz Fernando F. Ramos, da Universidade Federal de Minas Gerais, porque, a rigor, nunca houve a presença de ideários políticos, de intenções ou formulações por uma mudança na estrutura econômica e social do país nos enfrentamentos que se deram no Rio entre as facções criminosas entre si e com as forças do aparato legal. As pequenas e sanguinárias guerras ocorridas aqui, marcadamente na capital e municípios limítrofes, que vitimaram tantos policiais como criminosos e população inocente, passaram longe de quaisquer intenções revolucionárias.

Mas, reasseguro, há pouco atravessávamos um conflito armado de baixa intensidade, predominantemente nas favelas do Rio de Janeiro onde as facções se digladiavam com milhares de fuzis AK 47, Ruger, AR 15, FAL, metralhadoras de mão, com bi-pé, armas individuais e coletivas que tinham e usavam para enfrentar seus “inimigos”, entre esses o Estado que já não mantinha a supremacia do território considerando o poder erguido pelo crime coletivizado que dominava e subjugava bairros inteiros. 

Produzindo feridos e mortos em números absolutamente incompatíveis com qualquer conceito arbitrado para normalidade em Segurança Pública, as guerras de facção eram ao mesmo tempo consequência e causa de fatores econômicos, sociais e psicológicos, (para não afastar os motivos individuais dos criminosos para a vida no crime), considerando haver uma espécie de simbiose entre as motivações e os vetores concorrentes no conflito.

Assim, se o lucro da droga em determinado momento esteve no topo das suas intenções, com a chegada dos fuzis, inicialmente comprados para a proteção dos negócios, das “bocas” e dos “locais de estocagem e endolação”, outros valores como domínio do território, visibilidade social, empoderamento sexual sobre a população feminina jovem (das comunidades) e pertencimento de grupo, foram incorporados pelos integrantes das facções, imprimindo-lhes um ethos subjugador, assassino e desafiador, capaz de interagir fora de seus domínios geográficos e espargir sua subcultura de ódio por meio de um conjunto inconsciente de valores “espirituais” a que denomino ideologia de facção.  

Dessa forma, a mera destruição física dos traficantes como aconteceu por anos, proporcionada por estratégias que privilegiavam visões extremistas, não deu resultados positivos promotores de tranquilidade pública e paz social, como não poderiam dar. Verdadeiramente só serviu para gerar uma espiral de ódio entre a população pobre e as forças policiais, fenômeno facilmente compreendido na medida em que os favelados viam seus filhos morrerem pelas mãos do Estado, e as forças policiais viam, igualmente, os seus integrantes tombarem pelas armas do tráfico.

Finalmente, uma nova visão que privilegia não uma cruzada contra as drogas, malgrado entendê-la altamente nociva à sociedade - e por isso alvo de repressão -, mas a pacificação da cidade pelo resgate pleno dos territórios dominados pelo crime permitiu o renascimento da crença de uma homeostase social, onde o crime não seja eliminado (por tratar-se de utopia), mas controlado, preferencialmente em níveis mínimos. Esta nova estratégia apresentou-se de forma preponderante através de um consistente projeto nomeado Unidades de Polícia Pacificadora – UPP, o que fez renascer o sonho de uma Cidade Maravilhosa e de um Estado progressista, sem quaisquer conotações ideológicas para o termo.

Ora, mas se o projeto UPP desde seu início foi reconhecido e aceito como aquele capaz de mudar a realidade do Rio, como fazê-lo avançar em áreas verdadeiramente fortificadas, guarnecidas com centenas de armas e petrechos bélicos, usadas como concentradoras de material de guerra retirado pelos criminosos das favelas pacificadas, e, ainda, manter tais territórios sob domínio, se não possuíamos equipamentos adequados para o enfrentamento que se daria e efetivos para uma ocupação temporária duradoura, como era esperado que acontecesse na cidade-estado dos bandidos, o Complexo do Alemão?

A resposta para tal pergunta é simples: foi a participação imprescindível das Forças Armadas apoiando as Forças Policiais do Estado do Rio de Janeiro com equipamentos e efetivos nas operações de incursão e cerco, que determinou o sucesso das operações.  

Foi com esse apoio que aplicamos um histórico golpe no coração da facção de maior poder. E poupando sangue nacional! Mesmo o sangue dos criminosos desviados da serventia social, o que seguramente não teria acontecido se não houvesse a união propiciadora da absoluta supremacia.

No caso particular da participação do Exército Brasileiro, é indiscutível que ficará marcada para sempre sua presença como braço forte e mão amiga desde os primeiros momentos que precederam o resgate do Complexo do Alemão, logo após as operações na Vila Cruzeiro.

Engajado como força de cerco por meio de sua Brigada de Infantaria Pára-quedista, o Exército Brasileiro dispensou total apoio às operações e não se furtou de usar suas armas de forma legal, legítima e com acerto técnico, quando teve que impedir o rompimento do cerco pelos traficantes Faustão e Branquinho, como não se furtou de oferecer a carne ao aço dos fuzis criminosos, como na situação em que foi ferido o Soldado Paraquedista Walbert Rocha da Silva, por um disparo dos bandidos.

Depois, por quase dois anos esteve o Exército Brasileiro encarregado de realizar operações pacificadoras nos grandes Complexos da Penha, Vila Cruzeiro e Alemão, mantendo o território livre da presença dos criminosos, ao tempo que travava contato com a população se socializando com os representantes legítimos daqueles grandes conglomerados,

Com liderança segura do Comandante Militar do Leste, Excelentíssimo senhor General de Exército Adriano Pereira Junior, o EB apoiou o Estado do Rio de Janeiro, assegurou a paz e garantiu o monopólio do uso das armas e do uso legal da força, devolvendo-os ao Estado membro consoante um bem engendrado programa que definiu sua participação.

O Rio de Janeiro, sua população e suas Forças de Segurança recebem como legado da participação do Exército Brasileiro, principalmente, o seu exemplo e seu modelo de consciência pacífica, ancoradas em seu potencial invencível de guerra para a defesa dos legítimos interesses de nossa pátria.

 Coronel PM Mário Sérgio de Brito Duarte

Ex-Comandante Geral da PMERJ

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

"O Globo" já havia notíciado!

Recentemente concedi uma entrevista ao jornal O Globo (que exponho colada nesta postagem), na qual confirmei que no ano de 2010 o serviço de inteligência do Estado, onde se inclui a PM, havia detectado uma tentativa de união da facções criminosas para auto-proteção contra o avanço do processo de pacificação promovido pelas UPPs, que lhes vinha minando as forças.
 
Deixei claro na entrevista que a tentativa não logrou êxito, e aqui explico minha tese desse fracasso:


  Essas coletividades criminosas nutrem ódios irrreconciliáveis. Já se mataram e praticaram toda sorte de violência umas contra as outras: mutilações, tortura, todo tipo de  horror que julgamos inconcebíveis no nosso tempo. As facções se utilizam da violência para fins diversos, desde a mera satisfação de pulsões de morte, não refreadas pela ausência da intuição punitiva (individualmente até intuída, mas coletivamente crida improvável), às celebrações para mudança de status de seus iniciados, como os batismos-testes de "coragem" imolando inimigos e outros alvos indicados pelas lideranças.  
    O mal que reciprocamente produziram, impediu a união e, também, o receio de um "Golpe de Estado", consciente ou inconscientemente, pela facção mais fraca. Abrigar seu inimigo do Poder Ilegal para protegê-lo contra o Poder Legal  seria o mesmo que receber, conscientemente, um cavalo de tróia, e o ADA não iria abrir os portões de sua fortaleza tão ingenuamente para o CV. 


Todavia, alguns leitores do meu último livro, Liberdade para o Alemão - O Resgate de Canudos, disseram-me que na obra eu digo o contrário, ou seja, que a inteligência da PM não havia detectado tal tentiva.

Esclareço, então, que na narrativa da página 13 (treze) onde falo da confirmação de que o CV é que estava por trás de todos os ataques, não afasto a hipótese de uma tentativa de união. Na verdade não abordo tal tentativa de aproximação das facções, como ficáramos sabendo, mas afasto a confirmação de que haviam se unido, como O GLOBO anunciava na edição de 24 de Novembro de 2010, e imputava a informação à Secretaria de Segurança. Vide abaixo:





Paradoxalmente, a matéria de O GLOBO de 21 de julho de 2012, declara que a Secretaria de Segurança sempre havia negado a aproximação das facções, o que coloca as publicações em oposição. Vide abaixo:

Ex-comandante da PM confirma que facções do Complexo do Alemão tentaram se unir

Coronel Mário Sérgio Duarte lançará livro no qual relata detalhes da chegada da pacificação à região
 

As marcas de tiros no veículo da FAB, atacado em 2010 na Linha Vermelha: incidente teria sido a gota d’água para as Forças Armadas entrarem na guerra contra o tráfico
Foto: Fernando Frazão/21-11-2010 / O Globo
As marcas de tiros no veículo da FAB, atacado em 2010 na Linha Vermelha: incidente teria sido a gota d’água para as Forças Armadas entrarem na guerra contra o tráficoFernando Frazão/21-11-2010 / O Globo
 


RIO - O serviço de inteligência das polícias tinha a informação de que, às vésperas da ocupação dos complexos da Penha e do Alemão, em 2010, as facções do crime organizado pretendiam se unir, formando apenas uma força do poder paralelo para enfrentar a expansão das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). A informação, sempre negada oficialmente pela Secretaria de Segurança (grifo meu), foi revelada agora pelo coronel Mário Sérgio Duarte, que comandava a Polícia Militar quando os complexos foram retomados pelo estado e está lançando, na próxima segunda-feira, o livro “Liberdade para o Alemão — O resgate de Canudos”, no qual relata detalhes da chegada da pacificação à região.
Segundo Mário Sérgio, a união das facções do Rio foi identificada pela polícia, mas não deu certo. Traficantes que dominavam, naquela época, as favelas da Rocinha e do Vidigal chegaram a se reunir com os bandidos do Alemão:
— Nossa inteligência realmente identificou o movimento dos bandidos, mas o ensaio não foi à frente. E acredito que eles não conseguiriam. Mas estávamos prontos para enfrentá-los. Um dos motivos foi que uma das facções reconheceu que se unir ao pessoal do Alemão seria um erro — conta o ex-comandante.
Reuniões e cartas entre bandidos rivais
O ex-traficante Jucelino Vitorino da Silva, agora assistente de direção de programas de televisão produzidos pela ONG AfroReggae, confirmou que pelo menos quatro reuniões entre integrantes de facções rivais aconteceram, além da troca de correspondência entre os chefes das quadrilhas:
— Eu mesmo defendi essa ideia em reuniões no Alemão. Queria uma organização única, nos moldes da facção de São Paulo. Graças a Deus isso não foi à frente devido, em parte, à tomada dos complexos pelas forças de segurança. Você já imaginou todo o crime atuando junto? Felizmente para a sociedade carioca, a união não aconteceu — disse Jucelino Vitorino.
Como O GLOBO noticiou na sexta-feira, Jucelino e seus amigos — Diego Raimundo, o Mister M., Carlos Alberto Gomes de Oliveira Filho, o Perninha, Marcos Coutinho dos Santos, o Marcos Sabão, e Márcio Nascimento Clapp, o Marcinho Clapp, — atuavam como traficantes até a ocupação dos complexos. Eles contam que, apesar de fortemente armados, não partiram para o enfrentamento atendendo aos apelos de parentes. Mister M., por exemplo, se apresentou à polícia um dia antes da tomada do Alemão, levado pela mãe. Atualmente, trabalha com os outros quatro no AfroReggae.
Mário Sérgio confirmou que os ataques dos criminosos em toda cidade, em novembro de 2010, anteciparam a decisão de ocupar definitivamente os complexos, mas ele ressaltou um detalhe pouco conhecido, um fato considerado determinante naquela época pela cúpula da Segurança Pública do Rio: o ataque dos bandidos a um veículo da FAB, na Linha Vermelha. Nenhum militar ficou ferido, mas os estragos na lataria ajudaram a empurrar as Forças Armadas para a guerra contra o crime no Rio.
— Pelo nosso planejamento, a tomada dos complexos da Penha e do Alemão não iria acontecer em 2010, mas dois anos depois. Ou seja, agora em 2012. Com os ataques dos bandidos, mudamos tudo. O tráfico atirou no pé ao promover os ataques. A decisão dos bandidos serviu para unir as forças policiais, e o ataque ao carro da FAB trouxe as Forças Armadas para o problema — afirmou o coronel.
O lançamento do livro de Mário Sérgio será às 20h, na Academia Brasileira de Filosofia, no Centro. O oficial deixou o comando da PM em setembro de 2011, depois do brutal assassinato da juíza Patrícia Acioli na Região Oceânica de Niterói. Ele havia indicado o coronel para comandar o 7 BPM (São Gonçalo), onde eram lotados os assassinos da magistrada. Mário Sérgio atualmente é secretário municipal de Políticas Públicas de Segurança de Três Rios e há mês pediu para passar para a reserva remunerada da PM.


Conclusão:

Comparando, então, as duas matérias, o que podemos concluir é que a dissonância não está no que publiquei, pois é o jornal que dá duas informações conflitantes: a primeira em que diz que é a própria Secretaria de Segurança que declara a união das facções e a segunda quando declara que a Secretaria de Segurança sempre negou a união das facções.

De nossa parte, na PM,  nunca falamos que elas se uniram, até porque não se uniram, ou seja: a informação que narro no livro está correta; não estavam unidas quando houve os ataques em novembro de 2010. 

domingo, 26 de agosto de 2012

As Cores de Acari - Uma leitura indispensável

Quando li pela primeira vez As Cores de Acari, do professor Marcos Alvito, em 2003, me dei conta de que estava diante de uma antropologia das coletividades criminosas em ação no Rio de Janeiro que ultrapassava as narrativas de conteúdo ideológico anti-estado com as quais me deparara até então.
 
Oficial da PM que nutria muito pouca simpatia pelos pensadores-pesquisadores de humanidades com “atuação” no Rio de Janeiro, nos quais “reconhecia” adversários das instituições policiais com claros propósitos de desqualificá-las, desmerecê-las e mesmo ridicularizá-las, o contato com o livro de Marcos Alvito me causou um incômodo perturbador, pois, finalmente, eu encontrava entre os “delirantes”, como os julgava, um narrador vigoroso de muitas coisas como realmente se passavam diante dos meus olhos “profissionais de polícia”, na perscrutação das simbologias e outras particularidades comuns às coletividades dedicadas ao crime entranhado nos grandes conglomerados pobres do nosso estado.
 
É certo que minhas observações serviam-me individualmente, e nunca pretendi dar-lhes caráter epistêmico, materializá-las em obra ancorada em dados criteriosos, em metodologia científica que exigem quanti e quali em volume convencedor, além da prévia validação da corrente lógica das verdades propostas pela citação de um sem número de nomes fortes da intelligentsia, além outras tantas exigências. Meu trânsito no mundo sensível não era cego, estava convencido, e não estava nada disposto a abdicar do meu juízo. Não me interessava a ninguém convencer, mas não estava a fim de ser persuadido.
 
Em 2003, quando fui à Universidade Federal Fluminense frequentar o módulo universitário de pós-graduação do Curso Superior de Polícia da PMERJ e da PCERJ, tive contato com o professor Marcos Alvito numa disciplina que já não me lembro como se chamava, mas que jamais esquecerei sua importância no rompimento do círculo de ideias que percorri, intencionalmente, por muito tempo, por má-vontade contra o pensamento em oposição, ou, sejamos francos, ideologicamente em oposição.

Marcos Alvito não empunhara fuzis, não vivera a refrega nos becos, nos labirintos de Acari, não participara da guerra como soldado verde, vermelho ou azul, como ele nomeia os contendores das facções e forças policiais, mas conhecia verdadeiramente da “guerra”. Ele desnudara tudo! As simbologias, as representações coletivas, as éticas vigentes, os mitos e o misticismo, tudo que conhecíamos sem saber nomear, tudo que manuseávamos, digamos, em segredo, como espécie de tesouros de apreensão do conhecimento não catalogado e que escondíamos sob a roupagem da nossa “dominação”, Alvito expunha agora para a nossa perplexidade, criando, paradoxalmente, não uma barreira entre “ele” e “nós”, mas uma ponte, porque, queiramos ou não, gostemos ou não o contato com a realidade é o princípio da concordância. Quem concorda no real, na leitura do que vê, dá o primeiro passo para aquiescer sobre outras concordâncias.
 
O vigoroso pensamento do professor Marcos Alvito não tem para mim o sentido de despertamento de um sono dogmático, como ocorreu a Immanuel Kant estupefato diante das ideias de Hume: afinal, ideologicamente sigo noutra direção, e interpreto de forma muito diferente avaliações de fatos e acontecimentos que narra, principalmente, na “Apresentação” do livro, mas foi seguramente a lima que serrou o até então intransponível arco limitador do conhecimento em que eu havia voluntariamente me encerrado.
 
O livro As Cores de Acari, escrito a partir da tese de doutorado do autor Marcos Alvito, será para sempre um marco sinalizador de lucidez e habilidade no depósito da “verdade” em colos diferentes, mediando minha relação com o pensamento de humanidades em suas investigações sobre o mundo onde transito. É com este entendimento que aproveito a oportunidade de sugerir sua leitura para todos que se interessam por Segurança Pública nos seus aspectos antropológicos onde se evidencia o conflito, as forças conflitantes e toda fenomenologia decorrente. Uma leitura imperdível como atualidade onze anos após sua publicação, e repositório de revelações de um drama social urbano que um dia será só história.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Canudos, Cidade-Estado, Complexo do Alemão: território, domínio e libertação

Publico na íntegra a entrevista concedida ao excelente Blog Abordagem Policial

 

Ex-Comandante da PMERJ lança livro: “Liberdade para o Alemão – O Resgate de Canudos”



O ex-Comandante Geral da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), Coronel PM Mário Sérgio de Brito Duarte, lançará no próximo dia 23 de julho o livro “Liberdade para o Alemão – O Resgate de Canudos”. Autor de “Incursionando no Inferno – A Verdade da Tropa“, o Coronel Mário Sérgio trata na obra de um dos momentos mais tensos do seu Comando, na ocasião da ocupação do Complexo do Alemão, um conjunto de treze favelas cariocas.
O Abordagem Policial fez uma breve entrevista com o ex-Comandante da PMERJ, que explicou algumas peculiaridades da obra:
Abordagem Policial - De que trata a obra “Liberdade para o Alemão”?
Coronel Mário Sérgio - O livro conta as ações da PM carioca, com apoio das forças armadas e articulação com as polícias civil e federal, durante a semana de 22 a 28 de novembro de 2010, quando traficantes do comando vermelho investiram contra a população, queimando quase uma centena de veículos com objetivo de forçar o Estado a frear a recuperação dos territórios há anos sob império de suas armas de guerra. A obra narra os bastidores da luta, os diálogos entre os soldados, desentendimentos entre oficiais da mesma Unidade em pleno confronto, o clima de apreensão do Comando e a euforia da população e da mídia.
Abordagem Policial - O livro estabelece alguma relação com a Guerra de Canudos?
Coronel Mário Sérgio - O livro estabelece alguns pontos identitários entre a história de Canudos e do Complexo do Alemão. Uma frase resume, na obra, essa ideia: “Caíra a cidade-estado da ideologia de facção. Só que ao invés de destruí-la, como fizeram a Canudos, fizemo-la livre”.
Abordagem Policial - Desde quando a obra vem sendo escrita? Podemos esperar outras publicações?
Coronel Mário Sérgio - Começou a ser escrita na semana seguinte aos fatos. Creio que ela não encerra a questão e a população ainda pode esperar outras obras com o mesmo tema, talvez sob o prisma de quem assistiu, mas não experimentou a guerra.
Abordagem Policial - Durante o período em que o senhor esteve comandando a PMERJ, quais os principais avanços institucionais?
Coronel Mário Sérgio - Não gosto de falar do meu Comando. Prefiro que outros falem sobre ele.
Abordagem Policial - E os desafios para as próximas gerações?
Coronel Mário Sérgio - O desafio é sobreviver ao preconceito social contra nossa profissão, que cresceu nos últimos anos, a partir do interesse de acadêmicos de humanidades excessivamente contagiados com a ideia de que somos militaristas e não militares. Eles espargiram na população, e na mídia, uma espécie de vírus que contaminou-lhes o olhar sobre nosso “ser”, nosso ethos, de maneira a nos enxergar como superestrutura violadora e opressiva. Este é para mim o grande desafio, desconstruir isto.


Autor: - Tenente da Polícia Militar da Bahia, associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e graduando em Filosofia pela UEFS-BA. | Contato: abordagempolicial@gmail.com

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

"Dos Delitos e das Penas" - Alguém se lembra de Beccaria?

Recente pronunciamento dos Deputados Paulo Ramos e Zaqueu Teixeira na ALERJ


O SR. PAULO RAMOS

 – Com a maior alegria. Sr. Presidente, Sras. e Srs Deputados, venho a esta tribuna, Sr. Presidente, movido de grande preocupação, tendo em vista a delicadeza do tema que vou abordar.

Delicadeza porque há uma manifestação quase unânime em defesa da punição de todos os autores de qualquer crime.

A população está agoniada com a impunidade. E sempre que acontece um crime que pode ser visto como o mais hediondo, a revolta passa a ser muito maior.

Exigir a punição dos autores de um determinado crime não significa aceitar que a punição também alcance inocentes.

A responsabilidade por determinado ato criminoso deve ser assumida única e exclusivamente pelos autores. É claro que a revolta da população - e nossa - passa a ser muito maior quando o autor de um ou outro crime é exatamente servidor que tem o dever de promover a segurança da população.

E aí, Sr. Presidente, na semana passada, completamos um ano do assassinato da Juíza Patrícia Acioli. E muitas manifestações foram feitas, de repulsa, exigindo a punição dos culpados.

É claro que me solidarizo às manifestações que buscam a punição dos culpados, mas, obviamente não é possível aceitar que estejam já sendo punidos aquelesque, numa avaliação criteriosa com as provas colhidas, não são culpados. O estado democrático de direito impõe a observância da ordem jurídica vigente.

Imaginar que por decisões arbitrárias e ilegais, decisõesjudiciais - aqui está o Deputado Zaqueu Teixeira que foi o responsável por um encontro nosso com o Presidente do Tribunal de Justiça imaginar que estão colocando nas prisões, em Bangu I, seja lá o que for, dentro do sistema penitenciário, policiais militares, civis e bombeiros, que continuam policiais e bombeiros, não foram excluídos, e que sequer foram condenados em primeira instância.

Afinal de contas s normas em vigor não permitem esse tipo de decisão, é uma rbitrariedade o nosso encontro ouvimos: “Não, mas tem decisão judicial.” Assim como um juiz pode usar a toga para praticar arbitrariedades, qual instrumento de trabalho de um policial? Se o juiz usa a toga e descumpre a Lei, o policial, então, usa a arma de fogo para descumprir a lei. Nenhuma das duas ações é razoável, porque todos devem cumprir a Lei, inclusive os magistrados.

Aliás, os magistrados devem dar exemplo de exigência do cumprimento da Lei. Quando um magistrado encarcera em local indevido quem não foi sequer condenado em primeira instância...

Aliás, a Constituição diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória.

 Aliás, o Supremo Tribunal Federal, para alguns poderosos, ou alguns influentes, tem concedido habeas corpus. Pois não, Deputado Zaqueu Teixeira.

O SR. ZAQUEU TEIXEIRA

- Quero trazer um depoimento sobre a importância do pronunciamento de V.Exa. E ouvir do Poder Judiciário que há uma decisão, e sabendo todos nós que essa é uma decisão ilegal, nos deixa a dúvida de como nós queremos o nosso estado democrático de direito porque o Poder Judiciário é o garantidor. Ele tem que atuar enquanto garantidor para o cumprimento das leis.

O estado democrático de direito não comporta um Judiciário que infringe as leis, não comporta um Ministério Público que infringe as leis. Fui um dos poucos aqui que votaram contra a criação de cargos comissionados no Ministério Público.

Hoje, no jornal O Dia, é noticiado que o Ministério Público está descumprindo, ou seja, criou cargo comissionado para se enquadrar na Lei de Responsabilidade Fiscal. Ora, o fiscal da lei tem que cumprir a lei e não criar mecanismo para burlar a lei.

É muito desagradável o que está acontecendo: estamos vendo o órgão que tem que ser o fiscal da lei buscar mecanismo para burlar a lei. Isso aconteceu com o Ministério Público quando criou os cargos comissionados em detrimento dos cargos efetivos, deixando de efetivar as pessoas no cargo. Temos visto isso acontecer com o Poder Judiciário, infelizmente, no que diz respeito aos policiais que estão dentro do sistema penitenciário cumprindo medidas cautelares em regime fechado, como se estivessem condenados. Isso é inadmissível no estado democrático de direito.

Para V.Exa., que lutou tanto pela democracia, e para mim – eu, que também luto no Parlamento para que a democracia seja preservada -, é muito triste ver esse estado de coisa acontecendo no Estado do Rio de Janeiro. Então, quero parabenir V.Exa. pelo seu pronunciamento e pela sua coragem.

O SR. PAULO RAMOS

– Agradeço a V.Exa., solidário nessa luta. Sei da delicadeza do tema. É muito delicado abordar esse tema. Mas não diretamente nessa luta pela " preservação de direito. Qualquer dia, também vão encarcerar juízes e promotores em função de decisão judicial, mesmo que não tenham sido condenados em 1ª instância. Nem condenados foram. Sr. Presidente, aproveitam o clamor público para ferir direitos. O culpado, mesmo sendo violentado, mas se é culpado, ainda ele próprio pode encontrar um certo equilíbrio psicológico.

Mas vamos imaginar inocente, quem está preso em Bangu 1, em cela individual, sem direito a banho de sol, sem direito a nada, e é inocente. Como um inocente, submetido a esse rigor, baseado em arbitrariedades, sobreviverá depois que for colocado em liberdade? Em que ele vai se agarrar para entender.

Aliás, colocaram em Bangu 1 até bombeiros militares e policiais militares - que reivindicaram salários - para demonstrar a situação ditatorial a que estamos submetidos. Porque isso é a própria ditadura. Já houve quem dissesse: a pior ditadura é a do Judiciário. Nós queremos, sim, uma investigação criteriosa, que os culpados sejam punidos – de acordo com a lei; e que os direitos sejam garantidos.

Se os profissionais da Segurança Pública, da Defesa Civil têm direitos assegurados, eles não podem ser colocados dentro do sistema penitenciário antes da condenação definitiva, ou ainda pertencendo mesmo que condenados – aos quadros das instituições. Eu digo, e é preciso dizer, que não é só o caso da Juíza Patrícia Acioli. Nós temos outros casos.

O caso da Juíza Patrícia Acioli é extremamente grave, mas não autoriza o cerceamento de direitos,prática de arbitrariedades, a violentação de direitos, mesmo através de decisão judicial Imaginar que o ex-comandante do batalhão, sem condenação ainda em primeira instância, sem estar comprovado o seu envolvimento – estou falando do Coronel Cláudio, está em Catanduvas. Sr. Presidente, tenho aqui envolvimento, ao longo da minha vida especialmente no exercício dos mandatos, na defesa dos direitos humanos.

Eu quero o fim da impunidade, mas eu não posso ver qualquer cidadão, seja ele civil ou militar, ser violentado em seus direitos ainda mais inocentes que são encarcerados antes da condenação. Se são inocentes, não serão condenados. E aí, os familiares dos policiais militares, na última sexta-feira fizeram aqui, em frente à Assembleia Legislativa, uma manifestação. Os familiares dos inocentes. Uma manifestação aqui.

É claro que a manifestação pedindo a punição dos culpados foi alvo de divulgação na mídia, mas a manifestação dos familiares dos policiais militares inocentes acusados da prática do crime não saiu em jornal nenhum.

Então, Sr. Presidente, reitero que o tema é delicado, mas o estado democrático de direito exige, impõe que a ordem jurídica seja respeitada. Não podemos aceitar. Eu defendo que os culpados sejam punidos. Defendo o fim da impunidade, mas não posso aceitar que inocentes sejam encarcerados de forma arbitrária – aliás, nem inocentes nem culpados – antes de qualquer condenação. Muito obrigado, Sr. Presidente

O SR. PRESIDENTE (Gilberto Palmares)

– Obrigado, Deputado Paulo Ramos A Presidência se solidariza com a fala de V.Exa. e com esse absurdo que é encarcerar agentes da segurança pública sem que nenhuma culpa tenha sido comprovada.

sábado, 28 de julho de 2012

Discurso na Academia Brasileira de Filosofia


Abaixo transcrevo o discurso que proferi na Academia Brasileira de Filosofia, no dia 23 de julho de 2012, por ocasião do recebimento do título de Acadêmico Honoris Causa e noite de aotógrafos pelo lançamento de: Liberdade Para o Alemão - O Resgate de Canudos.

É com um misto de alegria e emoção muito grandes que compareço a esta Casa Histórica do Marechal Osório, Patrono da Cavalaria do Exército Brasileiro, para receber o título de Acadêmico Honoris Causa que me foi outorgado pela Academia Brasileira de Filosofia.
É, seguramente, um dos momentos mais importantes da minha vida, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores convidados.
Indubitavelmente, é o título mais relevante que recebi até hoje. Assim o considero.
Sou oficial, Coronel da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro com trinta e dois anos de carreira, e por conseqüência das tradições militares, das nossas culturas e do simbolismo das profissões das armas, acumulei ao longo dos anos algumas homenagens, medalhas e títulos concedidos por autoridades generosas que me julgaram digno de ostentá-los, e reconhecer-me como um dos seus.
Também fui lembrado por autoridades civis, com destaque para parlamentares e governantes, que me honraram com deferências e referências elogiosas públicas, escritas e verbalizadas.
Faço questão de declarar isto aqui não porque pretendo apresentar-me como homem laureado, importante, que se reconhece digno de méritos impulsionadores de homenagens, mas para evidenciar que o título que recebo terá o maior destaque na minha folha curricular, na minha história pessoal, e na herança memorial que deixarei para os meus amados filhos, neta e, espero, uma extensa e duradoura descendência.
Certa vez, Senhor Presidente, alguém, um chefe impaciente e de visão utilitarista-pragmática com quem trabalhei -, chamou-me “filósofo” durante uma discussão de um tema funcional quando eu tentava apresentar-lhe outros pontos de vista além daquele que ele possuía, e que poderiam, talvez, dar melhor solução ao problema que enfrentávamos.
A expressão foi dita com desdém. Não sei se ele quis alertar-me para uma atitude prolixa ou pedante da minha parte; era absolutamente possível que eu estivesse agindo assim. Eu poderia estar sendo inconveniente, chato, impertinente.
Mas, o tom de desdém, a crítica desacompanhada de refutação, de argumentação, me fez pensar que o problema estava no meu interlocutor que não queria pensar e nem me permitir pensar: pensar como convém às democracias, como convém às ciências, como convém à política, como convém à existência humana.
Não há atividade humana exitosa que não seja produto da reflexão crítica, do exercício do pensamento direcionado para aquela atividade e situação específicas. O pensamento condensa em abstrações toda a experiência vivida, todo a vivência empírica, e nos orienta espiritual e intuitivamente para uma solução criativa.
O vestibular para filosofia só veio dois anos após esse fato e quase por uma imposição de minha mulher Viviane: encontrei minha inscrição sobre a cômoda, quando cheguei em casa, e, menos de um ano depois, estava frequentando o velho prédio do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, no Largo de São Francisco.
Estou em débito com a Universidade. Até hoje não consegui fechar o curso. A carreira primeira, de policial militar, de servidor público, não podia ser relegada a plano secundário, e pus na vanguarda as armas, até que toda guerra que me coubesse por destino se findasse, deixando a contemplação para a segunda onda.
Sobre este livro, LIBERDADE PARA O ALEMÃO – O RESGATE DE CANUDOS, que tenho a felicidade de lançar nesta casa esta noite, asseguro-vos que quem escreve um livro é antes de qualquer coisa um inconsequente, um sujeito de parafuso solto que não avalia, previdentemente, os perigos que terá que enfrentar na travessia do nebuloso, pantanoso, cavernoso e assombroso território das ideias, da memória e da imaginação.
Escrever um livro é imprudência com a própria saúde física e mental, é negligência para com a família, com os amigos e com a religião que se professa.
Escrever um livro é errar palavras, concordâncias e só enxergar depois da primeira edição publicada, porque, por certo tempo, só vemos o que queremos, o que está na nossa cabeça, impondo-nos o ridículo de desprezar sugestões corretíssimas de quem verdadeiramente detém o melhor conhecimento do léxico e da sintaxe, até que venha a segunda edição: quando vem!
Escrever um livro sobre a ação é criar um texto sobre uma escrita prática. Texto do texto, escrita da escrita. A ação é uma escrita sem texto, ou quem sabe, um texto prático.
Eu encerro meu discurso aqui.
Agradeço eternamente ao Excelentíssimo Senhor Presidente da Academia Brasileira de Filosofia, Professor Doutor João Ricardo Moderno, pela deferência tão especial à minha pessoa. Certamente me esforçarei por não causar, jamais, qualquer constrangimento a esta casa e seus membros: seu Corpo Acadêmico.
Aos meus familiares, aqui presentes, agradeço primeiramente à minha mãe Zilma e ao meu padrasto Arino, que me criaram apoiados numa base filosófica Cristã.
Aos meus lindos e queridos filhos e filho-enteado: Michelle, Matheus, Mariana, Maria Luiza, Marco Aurélio e Daniel, agradeço pelo amor e carinho que me devotam.
À minha linda e amada mulher Viviane agradeço pela vida filosófica que temos. Só durante o dia! E  por sua existência sempre radiante e vivificante.
Aos meus irmãos, sobrinhos, tios, cunhados, minha sogra, meus amigos de infância lá de São Gonçalo. Estão todos aqui hoje! Muito Obrigado!
Aos meus amigos de trabalho, irmãos de Cristandade, colegas de faculdade, companheiors da mídia e todos os convidados presentes, autoridades militares, autoridades civis, oficiais, praças, policiais civis, companheiros de armas e lutas, agradeço por suas presenças.
E, finalmente, agradeço ao Pai Todo Poderoso que nunca me faltou, e que tem-me levantado sempre dos tropeços e das quedas.

Paz e bem para todos.

Muito Obrigado.


domingo, 22 de julho de 2012

Liberdade para o Alemão no R 7

Marcelo Bastos, do R7 | 22/07/2012 às 06h00


Às 9h20 do dia 28 de novembro de 2010, o então comandante-geral da PM decretava a tomada do Complexo do Alemão em uma operação histórica: “Trouxemos a liberdade para Alemão”.

Dez meses depois de ser exonerado durante crise provocada pela prisão de um comandante acusado de ser o mandante da morte da juíza Patrícia Acioli, o coronel Mário Sérgio de Brito Duarte lança, na próxima segunda-feira (23), o livro Liberdade para o Alemão – O Resgate de Canudos, em que revela os bastidores da operação contra o quartel-general do tráfico de drogas no Rio.

Atual secretário de Políticas Públicas de Segurança do município de Três Rios, no Sul Fluminense, o ex-01 da PM e que já esteve à frente do Bope (Batalhão de Operações Especiais), fala ao R7 sobre os bastidores da ocupação e faz uma autoavaliação de sua gestão à frente da corporação.

— Duque de Caxias sofre porque durante anos não aumentamos efetivo dos batalhões da baixada. Eu assumo as minhas falhas. Uma delas foi não conseguir dar efetivo para os batalhões da baixada, São Gonçalo e Niterói, por exemplo.

R7 - De que trata o livro?

Mário Sérgio de Brito Duarte - O livro se passa na semana que vai do dia 22, quando o secretário de Segurança me ligou para falar dos ataques que traficantes promoviam na cidade, ao dia 28, quando ocupamos o Complexo do Alemão. Usei os personagens reais e procurei ser o mais fiel possível à realidade. É uma história de bastidores, em que revelo as conversas entre autoridades, o clima nas forças policiais dentro dos quartéis, do palácio Guanabara, as com o secretário de Segurança, com o governador. Falo da guerra, dos momentos de conflitos, das brigas que tivemos na hora do combate.

R7 - Outras favelas já haviam sido ocupadas e pacificadas. Como surgiu a ideia do livro?

Mário Sérgio de Brito Duarte - A ideia de escrever sobre o processo de pacificação das favelas já existia, mas talvez daqui a uns cinco anos, até porque a previsão de ocupar o Alemão era pouco antes da Olimpíada, em 2016. Mas o tráfico nos ofereceu a janela de oportunidade com aqueles ataques e a gente não podia desperdiçar. Eu recebi ligações dos comandos das PMs de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, todos colocando equipamentos à disposição do Rio. O Brasil se uniu. Assim que houve a tomada, eu escrevi 80 páginas em menos de um mês. Depois, por falta de tempo, escrevi mais 80 páginas em um ano.

R7 - Como se deu a decisão de invadir os complexos do Alemão e da Penha?

Mário Sérgio de Brito Duarte - Era uma quarta-feira e eu estava almoçando com o governador, o vice-governador, o chefe da Casa Civil, o secretário e o subsecretário de Segurança e o ex-chefe de Polícia Civil no palácio Guanabara. Durante a conversa, recebo uma ligação do coronel Álvaro, que era o chefe do Estado-Maior da PM. Ele estava com raiva porque estava no entorno da Vila Cruzeiro e ouvia pelo rádio os traficantes debochando e xingando os policiais. Ele me pediu autorização para invadir a Vila Cruzeiro. Eu disse que estava autorizado e todo mundo me olhou. Eu me dei conta da gravidade da situação e disse ao governador que, caso ele achasse que não poderia entrar, eu desautorizaria o Álvaro. O governador então perguntou ao secretário Mariano, que autorizou a entrada.

R7 - Mas não houve nenhuma argumentação. Alguém se opôs?

Mário Sérgio de Brito Duarte - Ninguém foi contra, mas o governador me perguntou como estavam os meus blindados. Eu disse a ele que estavam gastos, sofridos, mas que iríamos entrar assim mesmo. O governador disse assim: 'Espera aí que eu vou arrumar blindados para você'. Como assim? De um dia para o outro? Eu vinha pedindo blindados há um bom tempo e era difícil. Às 18h, um almirante me diz que estava a caminho do Rio com os blindados e que chegaria por volta de 1h da madrugada. Tomei um susto.

R7 - O título do livro faz uma referência a Canudos. Qual é a relação que o senhor estabeleceu com a ocupação do Alemão?

Mário Sérgio de Brito Duarte - Não é exatamente a mesma coisa. Seria uma bobagem histórica traçar paralelo tão idêntico, mas Canudos era um conglomerado pobre, de extrato social pobre e que estava em armas. No Alemão, só os traficantes estavam armados, a população não. Em Canudos, todos estavam armados. Havia ambientes ideológicos. Em Canudos, era de caráter messiânico. No Alemão, havia um ambiente de dominação psicológica, mas através da ideologia da facção criminosa, que dominava a população pelo medo. Havia um cerco militar nos dois lugares. Em Canudos, houve um banho de sangue. No Alemão, havia expectativa de um grande banho de sangue. Foi como se o acaso, a sorte ou o destino tivesse nos dado a possibilidade de estar frente a frente com Canudos, só que, em vez de a gente destruir Canudos, a gente libertou Canudos.

R7 - O Alemão e a Penha receberam UPPs recentemente. Em algumas comunidades ainda há problemas. A PM falhou?

Mário Sérgio de Brito Duarte - Não penso em falhas. Essas áreas estiveram sob domínio de armas e subjugação da população há pelo menos 20 anos. Você não desconstrói isso de uma hora para outra. Isso precisa de tempo. Vai haver ajustes, mais efetivos e o Bope vai atuar nas áreas onde há problemas. O que é real é que não existe mais domínio do traficante com o seu fuzil dizendo que o Estado não entra aqui. Uma vez um traficante disse: 'O Estado é nós'. E isso acabou.

R7 - O aumento de crimes em áreas sem UPPs é atribuído à migração de traficantes das áreas pacificadas. Faltou planejamento?

Mário Sérgio de Brito Duarte - As UPPs permitem a prisão dos criminosos fora de um ambiente de guerra, com balas perdidas ferindo inocentes. A migração sempre existiu. Alguns traficantes saíram de suas áreas e foram pra outras. Isso é uma realidade. É preciso desconstruir, no entanto, a ideia de que houve uma migração em massa. Uma área não ficou pior por uma maciça migração. Duque de Caxias sofre porque durante anos não aumentamos efetivo dos batalhões da baixada. Eu assumo as minhas falhas. Uma delas foi não conseguir dar efetivo para os batalhões da baixada, São Gonçalo e Niterói, por exemplo.

R7 - Qual é o maior desafio da Polícia Militar?

Mário Sérgio de Brito Duarte - Você me fez uma pergunta difícil. Internamente, melhorar a imagem da corporação é uma necessidade. Correição, pauladas nos nossos, expulsão, isso não falta. A gente bota 200 homens na rua por ano. A PM exclui e expulsa muito, mas ainda tem muita gente envolvida com extorsão, tráfico de armas, jogo do bicho... Ainda tem muita gente envolvida com coisa errada, mas tende a diminuir, porque a vigilância é muito grande. Até políticos estão sendo monitorados, com escutas telefônicas. Para o Estado, eu penso que o desafio é avançar e consolidar a pacificação, além de aumentar os efetivos dos batalhões.


http://r7.com/waiY

domingo, 1 de julho de 2012

O Resgate de Canudos



Fim.


Esta é a palavra mais difícil de colocar num livro, quando somos inconsequentes o suficiente para a aventura de escrevê-lo.

É verdade: quem escreve um livro é antes de qualquer coisa um inconsequente, um sujeito de parafuso solto que não avalia previdentemente os perigos que terá que enfrentar na travessia do nebuloso, pantanoso, cavernoso e assombroso território das ídeias, da memória e da imaginação.

Escrever um livro é imprudência com a própria saúde física e mental, é negligência para com a família, com os amigos e com a religião que se professa. 

É exercício do egoísmo, do onanismo, do pessimismo, do pedantismo, do cretinismo e do exorcismo.

Escrever um livro é prometer-se que será o primeiro e último, quando se escreve o primeiro, ou o segundo e último, ou o terceiro...E assim sucessivamente.

Escrever um livro é propor e aceitar casamento já com a certeza de que a separação é coisa certa, que o divórcio é inevitável, e que, ou se dá o fim, e o ato conjugal se realiza, ou a cerimônia se congela no tempo da travessia do caos e o matrimônio não há.

Cheguei ao fim, consumei, pela segunda e última vez, até o próximo surto, mais uma dessas desproporcionais (em comparação a coisa alguma) aventuras de papel e tinta.

Depois de um ano e meio de quase abandono de mim mesmo, estarei lançando no próximo dia 23 de Julho Liberdade para o Alemão, com o subtítulo O Resgate de Canudos.

Por que o Resgate de Canudos?

Ah! Só lendo a história!

Então prezados leitores, com direito à noite de autógrafos à partir das 20:00h, na Academia Brasileira de Filosofia, sito à Rua Riachuelo, 303, - Casa de Osório, Centro, Rio de Janeiro, quando, na oportunidade, terei também a honra de receber o título de Acadêmico Honoris Causa que me foi outorgado, estarei me libertando da minha opressão e revelando minha sedição com: 

Liberdade para o Alemão.

Será um prazer recebê-los.




sábado, 8 de outubro de 2011

Sair: verbo intransitivo

I am content to have my bad days
No longer need to hide the pain
Lady it's time to go


RIO DE JANEIRO - 29/09/2011 18h07





Mário Sérgio Duarte: "Eu tinha de pedir para sair. O fracasso é meu"
O ex-comandante geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro fala do quarto do hospital a ÉPOCA
RUTH DE AQUINO


Examinado por dois médicos, convalescendo de uma cirurgia de próstata no quarto do Hospital Central da PM, ainda em dores, mas feliz porque a biópsia acabara de dar resultado negativo, o coronel Mário Sérgio Duarte, 53 anos, conversou com Ruth de Aquino, de ÉPOCA, sobre os motivos que o levaram a deixar o comando-geral da PM na noite de quarta-feira (28), e falou também sobre os desafios enfrentados nas Unidades de Polícia Pacificadora (as UPPs) e na Segurança nos últimos meses.

“Estou triste por interromper um trabalho na primeira Secretaria de Segurança do Estado do Rio que aposta na vida e não gratifica a morte. Mas feliz por ter feito o que me cabia. Todo servidor precisa ter responsabilidade. Se os louros do sucesso podem ser divididos, os fracassos são do gestor e fui eu quem tirou o tenente-coronel Cláudio Luiz Silva de Oliveira da área administrativa e apostou nele para comandar o 7º Batalhão de São Gonçalo.”

Cláudio Luiz é acusado de ser o mentor do assassinato da juíza Patrícia Acioli, no dia 11 de agosto.

Ex-comandante do Bope, Mário Sérgio – que estava no comando geral da PM desde 8 de julho de 2009 – disse que agora vai concluir o curso superior de Filosofia e cuidar de seus seis filhos, entre eles “um casalzinho de gêmeos de oito meses”, do segundo casamento, “um presente de Deus”.

Mário Sérgio Duarte, ex comandante-geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro (Foto: Fabiano Rocha / Arquivo/Agência O Globo)

ÉPOCA – Sua saída do comando geral da PM era absolutamente necessária?

Mário Sérgio Duarte – Sim, com certeza. Era um imperativo categórico moral. Sabe por quê? Porque a escolha do coronel Cláudio, que eu tirei de um cargo administrativo no Hospital de Niterói para colocar no comando do Batalhão de São Gonçalo, foi responsabilidade minha. Fui eu que o tirei da área interna para a área operacional em outubro do ano passado. Era a minha terceira tentativa de reduzir os índices de violência da região, que só aumentavam. O batalhão comandado por ele reduziu tanto o índice de homicídios e roubos que, por ironia do destino, foi um dos batalhões premiados pelo governo do Estado com bônus, em cerimônia há cerca de duas semanas.

ÉPOCA – O senhor acha que o gestor direto de um suspeito de assassinato deveria seguir sempre seu exemplo?

Duarte – Eu não quero ser exemplo de nada nem quero bancar o modelo máximo da moralidade. Mas, se o coronel Cláudio é acusado de um crime bárbaro, de mandar matar uma pessoa sem nenhuma possibilidade de se defender, aí a minha responsabilidade é a primeira a ser apresentada. Todos podemos dividir os louros dos acertos. Mas os erros são de quem comanda. O brasileiro está meio cansado de a responsabilidade ser sempre jogada no outro, em quem está abaixo. Quem está em cima nunca sabe de nada, não viu, desconhece tudo. Quem tem poder de decisão não pode se omitir. No meu cargo, eu escolhia os comandantes. Os fracassos são do gestor.

ÉPOCA – Sua exoneração não expõe ainda mais a falta de confiança na PM como corporação?

Duarte – Acho que é o inverso. Por mais que as polícias sejam criticadas, é justamente na polícia onde os responsáveis perdem as funções, são expulsos. Se você fizer um inventário em todos os Poderes, verá que nos outros há crimes, fatos vergonhosos, violações de protocolos, e quem está na chefia dificilmente é responsabilizado. Na PM, a gente expulsa, a gente tira do comando, pede para sair da função. Mas eu espero sinceramente só ser modelo para os meus seis filhos. Que sempre me ouviram dizer: ‘A semeadura é livre mas a colheita é obrigatória’. Não posso permitir que alguém duvide da política de segurança pública do Rio. Porque até hoje nunca tivemos no Estado do Rio uma política tão clara, de desconstrução do ódio, uma política que não valoriza a morte. Antigamente, oficiais trabalhavam num ambiente cultural que dizia ‘mate que vou te dar uma premiação, mate que você terá uma gratificação faroeste’. O derramamento de sangue era um valor. Eu vou aos batalhões, aliás, eu ia aos batalhões, para pedir: valorizem a vida porque quero que vocês voltem para casa e suas famílias.

ÉPOCA – Se o senhor não pedisse, acha que seria exonerado?

Duarte – Se eu não saísse, haveria uma dúvida sobre a lisura de nossos propósitos. Eu não poderia deixar dúvida sobre a competência da cúpula da Segurança.

ÉPOCA – O senhor era amigo pessoal do tenente-coronel Cláudio Luiz?

Duarte – Eu o conheço há 20 anos, fizemos o mesmo curso de operações especiais, e trabalhamos juntos no Bope. Não conheço os filhos dele, a esposa, não saíamos juntos. Essas são as relações internas de oficiais superiores, todo mundo se conhece. Também escolhi outros homens que tive de mudar ao longo do percurso, porque não cumpriram suas metas, ou porque deixaram dúvidas sobre suas intenções, ou porque gostavam de se exibir, fui tirando aqui e acolá.

ÉPOCA – Não foi arriscado nomear o coronel Cláudio para o Batalhão de São Gonçalo, se ele já tinha um problema com a juíza Patrícia Acioli?

Duarte – Eu não sabia disso quando eu o coloquei ali. Os dois tinham tido um problema no Maracanã há 20 anos. Ele prendeu a então defensora pública, e a teria levado à delegacia, ela entrou com um processo contra ele. Mas sou de opinião que coisas do passado devem ser resolvidas na concórdia, na conciliação. Vários oficiais premiados no passado por uma política errada das lideranças foram chamados para uma nova construção e um novo momento. Vou te dar um exemplo: hoje temos na Colômbia um processo que envolve a entrega das armas pelas forças que se viram envolvidas em confronto, por ideologia ou apenas crime. Quem se desmobiliza, se entrega, devolve suas armas, paga uma parcela de seus erros em troca da inserção social. O mesmo se pode dizer de traficantes. Se eu sou favorável à criação de uma legislação, uma iniciativa capitaneada pelo poder público, para reintegrar traficantes arrependidos à sociedade, por que não fazer o mesmo com a corporação, em vez de tratar um oficial que já cometeu abusos como um leproso institucional? Se a política do confronto pelo confronto empurrou tanta gente para seus estereótipos, é hora de atrair quem quer trabalhar para o bem comum. Claro, temos que ser prudentes como as serpentes e, se errarmos, temos de pedir para sair.

ÉPOCA – Dias depois do assassinato da juíza, o tenente-coronel Cláudio Luiz foi transferido para outro batalhão. Por quê? Não pesava nenhuma suspeita contra ele?

Duarte – No passado do coronel Cláudio, há processos nos quais ele foi absolvido. Na morte da juíza, ninguém suspeitava dele, até porque seu desempenho no comando do batalhão era considerado bom. O que eu fiz após a morte da juíza foi cumprir uma ação de rotina, mexi em 22 batalhões, é algo previsto a cada nove meses. Eu soube pela televisão da acusação a ele esta semana. Mandei imediatamente localizá-lo e conduzi-lo preso pelo batalhão de choque, mas ele mesmo se apresentou. Não temos sido nada condescendentes com desvios de conduta muito menores, quanto mais homicídio. Se eu ficasse no comando, a gente ia expulsar mais de 250 só neste ano de 2011.

ÉPOCA – O senhor acha que o tenente-coronel Cláudio Luiz é inocente, como alega?

Duarte – A posição do líder não pode ser a posição do advogado. O comandante não pode ficar assumindo posição de advogado de defesa ou promotor. Nós temos de facilitar as investigações. O meu papel não é fazer julgamento, análise ou defesa. E, se está sendo preso, é porque existem provas contra ele. Mas, mesmo que não se comprove na Justiça sua culpa no homicídio, vou estar tranquilo com a minha consciência. Perdi minha função e o único prejudicado com isso fui eu. O que eu não posso é levar prejuízo para a população ou para a Secretaria de Segurança ou para o capitão da nau, Mariano Beltrame.

ÉPOCA – Como o senhor se sente neste momento?

Duarte – Primeiro eu estou me sentindo como quem fez aquilo que lhe cabia ao pedir exoneração. Se a gente quer construir um serviço público melhor, um país melhor, a palavra que não pode nos abandonar, seja o servidor de que nível for, de que poder for, é responsabilidade. Eu me sinto feliz por ter participado de um processo que inaugurou uma nova filosofia na segurança, por ter se dado conta da gravidade da violência no Rio. Antigos governantes se dividiam em dois grupos. Ou eram os que atribuíam toda a violência a questões sociais, e aí citavam Marx e as lutas de classe para dizer que o bandido não passava de uma vítima da exploração capitalista. Esse grupo queria que tivéssemos uma segurança pública nos moldes de Londres. Ou eram os governantes que achavam que com o fuzil na mão e a disposição de luta, na base da guerra e da morte, matariam os bandidos e resolveriam a segurança. Nem lá nem cá. Conflito não se resolve assim.

ÉPOCA – A Segurança do Rio tem encarado recentemente alguns desafios sérios. Grupos de extermínio na PM, corrupção entre policiais pacificadores das UPPs, recém-formados, e a execução de uma juíza no estilo das máfias. O senhor acredita que possa ser uma ação organizada para desestabilizar o secretário Beltrame e o Estado?

Duarte – Nós sempre trabalhamos com a hipótese de que a UPP é um processo que vai ganhar consolidação com o tempo. O primeiro benefício está claro: a redução da letalidade, a libertação da população do jugo das leis cruéis do tráfico e das milícias. Quando a UPP foi idealizada, pensou-se em fases. A última fase é de monitoramento. Quantos homens, que tipo de equipamentos, análise das condutas morais dos policiais. Não dá para analisar a ação do policial em campo apenas por meio de abstrações e teorias. Esses são os desafios do mundo sensível. A gente fica achando que pode ter um policial com um comportamento apolíneo num mundo dionisíaco (uma referência ao deus Apolo, da harmonia, da luz e do sol; e ao deus Dionísio, das festas, do vinho e do prazer). Ele passa o tempo todo por tentações. É o dono do estabelecimento comercial que promete dar um franguinho no fim do dia, é o traficante que promete um ganho material.

ÉPOCA – Como evitar que policiais se corrompam, já que o tráfico continua ativo embora sem o controle do território?

Duarte – A grande maioria dos policiais está vacinada porque sabe que representa uma nova ordem uniformizada e barbeada, do bem, de proximidade com a população. E há a gratificação de R$ 500.

ÉPOCA – O que são R$ 500 diante das gratificações do tráfico, que paga dezenas de milhares de reais a quem cala e consente? A legalização de algumas drogas poderia, a seu ver, diminuir o poder corruptor do tráfico?

Duarte – Não sou favorável a legalização de drogas. Porque as drogas ilícitas estão represadas pelo dique da lei. As drogas que mais matam no mundo são o álcool, o tabaco, matam por acidentes, cirrose. Essas correm soltas sem o dique da legalidade. Receio que a sociedade passe a ter muito mais problemas de saúde. A compulsão da droga também incita o crime. O viciado acaba por dilapidar o patrimônio da família. A legalização poderia reduzir a corrupção nas comunidades, mas sempre aparecerá uma droga mais nociva e perigosa que será traficada. De qualquer modo, acredito que a sociedade deva discutir a legalização, para que se chegue a um consenso, especialmente no que se refere a drogas mais leves como a maconha.

ÉPOCA – O que o senhor pretende fazer agora?

Duarte – Acabar meu curso de Filosofia na UFRJ e cuidar dos meus filhos. E como eu acredito em questões metafísicas, acho que Deus me indicará depois o caminho.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Dois Cappuccinos e a conta

A revista de domingo do jornal O Globo publicada hoje, 9 de janeiro de 2011, com o número 337, traz uma entrevista que concedi ao jornalista Mauro Ventura, há cerca de três dias.

Mauro tem uma coluna muito apreciada no jornal, chamada: “Dois cafés e a conta” que, desta vez, foi publicada com “Dois cappuccinos” substituindo o café tradicional.

O texto que republico abaixo, confirma o que eu disse ao Mauro Ventura e ele exibe em trecho da entrevista absolutamente fidedigna embora não tenha visto o Mauro gravar, fazendo apenas anotações de minha narrativa.

Aliás, o único reparo fica por conta do fato de eu não ser formado em Filosofia, mas ainda estudante; um aluno que não consegue fechar o curso e sofre bastante com isso.

Com um abraço ao Mauro e felicitações por haver reproduzido tão bem a minha fala, encerro republicando a postagem que fiz em 28 de Julho de 2006, quando era Tenente Coronel e comandava o BOPE.

A leitura no original pode ser feita clicando-se no título desta postagem.




Incursionando No Inferno - A Verdade da Tropa

Eu era capitão, quando escrevi o livro Incursionando no Inferno – A verdade da Tropa, há onze anos atrás. Vivíamos uma situação não muito diferente dessa, dos nossos dias, mas ainda não havíamos naturalizado o caos.

Talvez seja este o ponto crucial: hoje, tanto a população quanto às forças policiais acostumaram-se à previsibilidade do imprevisível. Tudo pode acontecer, seja topar com um “bonde”, ou “blitz falsa”, de marginais, às duas da tarde, numa segunda feira, ou ferir-se com um tiro de fuzil a dois quilômetros de uma favela, sem sair de seu apartamento. A diferença é que não há surpresa no fato, só no azar de ter acontecido consigo.

Muitas coisas contribuíram para essa situação de descontrole e, certamente, isso começou nos anos oitenta, logo após a redemocratização do país.


Como sabemos, às polícias sempre são imputadas toda sorte de violações e arbítrio quando ocorrem mudanças nos cenários políticos, Em geral, as personagens alijadas à força pelas estruturas que estiveram no poder, quando assumem funções executivas que lhes permitam manipular as forças de garantia da lei e da ordem, como os governadores com as instituições policiais, logo tratam de talhar-lhes novo perfil, deixando explícito seu repúdio pelo organismo que serviu ao sistema anterior.

Então, uma nova postura na política de segurança é alardeada e, por sedutora, logo recebe os aplausos da opinião pública: “as violentas e impiedosas forças da repressão” devem ficar longe de suas vítimas, o que deve ser entendido pelas forças policiais na forma: quero vocês longe das favelas.


Como a estrutura de poder anterior era marcadamente organizada privilegiando a manutenção da ordem, os governantes que assumiram, (e assim foi com o Brizola no Rio), trataram de afrouxar as rédeas, argumentando em favor da cidadania e dos direitos humanos para frear as forças policiais, essas sim, segundo eles, promotoras exclusivas da violência nas comunidades pobres, ou contra as camadas sociais marginalizadas devido a sua condição de pobreza.


Ora, somente a ingenuidade pode argumentar que a ausência dos serviços de polícia em locais onde invariavelmente se homiziam criminosos, como nos espaços de desorganização social, é preferível para promoção de justiça.


E foi justamente o afastamento intencional e dirigido das polícias das favelas que provocou tal situação. Ao invés de se priorizar a inclusão daquelas áreas, criando estruturas regulares de serviços públicos de polícia, de forma potencialmente forte, com a implantação de batalhões, companhias ou pelotões da PM nas áreas mais carentes, o Estado preferiu retirá-las das favelas, abrindo mão, tacitamente, do monopólio da força, abandonando as comunidades ao seu próprio destino. O resultado hoje é este que vemos: áreas, bairros, empórios, em todo lugar há espaços onde a polícia é entendida como força invasiva, e o tráfico poder reconhecido.

Malgrado a gravidade do problema, obviamente que a situação tem saída, e não está apenas na esfera policial (grifo somente nesta re-publicação).

Mas não há mais tempo para se perder com ilações e onanismo intelectual. É preciso deixar bem claro qual quadro enfrentamos na Segurança Pública, e o que deve ser feito no nível estadual pelos governos, para enfrentar com essa estrutura legal a criminalidade e o banditismo.

Vejamos:

1. Primeiro aceitar e enfrentar com coragem, mesmo com todos os desgastes que isso possa acarretar, o fato que a situação transcendeu os níveis normais, assim entendidos, para a Segurança Pública.

2. A partir daí, encará-lo como o que de fato é: um conflito armado de baixa densidade, com características embrionárias de uma guerra interna, como nas palavras do ex-carbonário Alfredo Sirks, com condutas para-militares características de ações de guerrilha por parte dos seus elementos integrantes que buscam não apenas comercializar drogas, mas causar baixas nas forças policiais com objetivo de desmoralização e promoção de descrédito nos governos e autoridades responsáveis, mas tudo sem ideologia política.

3. Estabelecer prioridades nas ações de enfrentamento com o reequipamento dos organismos policiais, e adoção de novos conceitos em substituição a alguns totalmente ultrapassados, como, por exemplo, o conceito de destacamento de policiamento ostensivo (DPO) que já de muito não funciona como braço da lei vigilante. Os DPOs, em especial aqueles instalados nas favelas, perderam completamente a capacidade preventiva e repressiva de polícia, sendo meros prédios guardados por policiais militares amedrontados, quando não corrompidos pelos esquemas das drogas. (grifo apenas nesta re-publicação).

4. Em atendimento ao que se propõe acima, dotar as PMs de carros blindados leves para patrulhamento em ruas e logradouros onde carros comuns de polícia não podem fazê-lo sem grandes riscos para os PMs, a exemplo da rua Leopoldo Bulhões, Avenida dos Democráticos e rua Itararé, na zona norte do Rio, locais onde vários milicianos (entenda-se como policiais: a expressão ganha novo sentido somente após o advento das milícias criminosas) foram abatidos ou gravemente feridos, durante patrulhamento, por atiradores postados nas lajes das construções das favelas.

5. Construção nos acessos das favelas de destacamentos panorâmicos de policiamento ostensivo, um novo conceito de base fixa policial que conjuga prevenção e repressão pela vigilância ininterrupta de áreas-problema.

6. Criação de unidades especiais de áreas-problema, semelhante aos GPAEs, mas com efetivos realistas para superar as forças do narcotráfico, e não para funcionar como veículo de propaganda política. Aliás, o conceito de GPAE é suficiente, caso seja aplicado nas condições de superação do tráfico estabelecido, ou seja: em número de elementos, superioridade de armamento e munição, capacitação técnica para atuar tanto preventiva como repressivamente. Deverá possuir uma estrutura de inteligência que dê suporte ao planejamento das ações e operações, que promova o conhecimento sobre as quadrilhas, seus integrantes, modus operandi e os desvios de conduta da tropa. (grifo também existente só nesta re-publicação)

7. Adoção de medidas para reavivar a auto-estima profissional, como, por exemplo, modificações nos uniformes das praças, que, em épocas passadas, possuíam os mesmos uniformes dos graduados e dos oficiais, diferindo apenas nas insígnias e divisas. Nos nossos dias, os cabos e soldados possuem apenas um tipo de farda para toda e qualquer atividade. Nas apresentações festivas, solenidades, reuniões de círculo, representações oficiais e tudo mais, os cabos e soldados utilizam os mesmos uniformes que usam para os rústicos serviços operacionais e instrucionais. Dessa forma, compreendem-se desvalorizados e desqualificados e, o que deveria ser tão somente uma questão de círculos hierárquicos para definição de responsabilidades, culmina por revelar uma estratificação social indesejada.


A verdade é que para adoção dessas providências, o maior esforço deverá ser de natureza política, ou seja, somente com a compreensão da gravidade do problema que já se arrasta há décadas, iniciando-se pelos nossos governantes do nível federal, é que uma mudança significativa poderá ser intentada. (de novo, grifo particular a esta edição).


Também é verdade que essas são apenas algumas ações de um conjunto que deve ser incrementado, mas são essenciais estratégica e taticamente.


Não posso me furtar de dizer da minha convicção, de que as lideranças das nossas forças policiais conhecem e reconhecem a dimensão do problema, e vêm se esforçando na orientação das instituições no sentido de reduzir os índices de criminalidade, além de buscar enfraquecer o poder de combate dos “exércitos do tráfico”, seja pela apreensão de seus arsenais, seja pela prisão de seus líderes, todavia, administrando escassos recursos e lutando contra muitas interferências.

Sair dessa é possível. É preciso coragem, é preciso ter força, é preciso acreditar.

Mário Sérgio de Brito Duarte

Tenente Coronel da PMERJ

Comandante do BOPE