Meu livro Liberdade Para o Alemão - O Resgate de Canudos já não é mais a única obra sobre o processo de pacificação dos Complexos da Penha, Vila Cruzeiro e Alemão.
Recentemente lançado pelo Coronel de Infantaria do Exército Brasileiro, Carlos Alberto de Lima ( AMAN, turma 1975), "Os 583 dias da pacificação dos Complexos da Penha e do Alemão" é o segundo livro a tratar do assunto, agora expondo por meio de uma metodologia informativa, dados importantes de relevante valor para a história da Força Terrestre na sua participação naquela missão interna; e também para qualquer que se interesse no assunto.
É uma obra importante, que recomendo. O livro evidencia que as necessidades brasileiras, onde se inclui a Segurança Pública, podem ser atendidas pelo Exército em situações específicas, bem definidas e obviamente exigíveis dado o seu paroxismo.
A corrente de opinião contrária, aquela que realiza uma leitura apertada das previsões constitucionais para uso da Força, está vencida.
Claro, não vai se lançar mão do Exército para qualquer coisa. Seu emprego na Providência foi uma imprevidência previamente calculada.
Lá, o EB foi contra sua vontade, e eu sei porque participei de uma reunião no Comando Militar do Leste, em 2007, quando a coisa estava para acontecer. Lembro-me bem dos discursos: não falados, mas reverberantes no espírito visivelmente contrariado de cada militar presente à reunião.
Mas, voltando ao emprego legítimo, legal, moralmente recomendável e rigorosamente necessário da nossa Força Terrestre, bom que ela tenha participado de um momento tão importante para o Rio de Janeiro.
E bom para a Força, como poderão ler nas palavras do Coronel Lima!
Abaixo publico o artigo de minha autoria que integra a obra. Recebi o honroso convite de escrevê-lo para compor o livro. Espero não ter decepcionado. Eu já havia deixado algumas impressões sobre a participação do Exército nas operações do Alemão, em meu livro. No texto abaixo reitero o que lá escrevi.
O livro pode ser adquirido por encomenda ao e-mail viajandocomaleitura5@yahoo.com.br
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O Exército Brasileiro e sua participação na pacificação do Rio de Janeiro
Ao longo dos últimos anos venho teorizando sobre o quadro de
segurança pública do nosso Estado, e declarando que o Rio de Janeiro atravessou
um conflito armado de baixa intensidade
nas duas últimas duas décadas, situação não vivenciada pelos demais Estados Federativos.
Não foram raras as oportunidades em que eu explicitei isto;
reflexões manifestas que foram reproduzidas em jornais impressos, mídia
televisiva e documentários.
É bem certo que tenho usado tal expressão com certo
distanciamento do conceito defendido pelo professor Luiz Fernando F. Ramos, da
Universidade Federal de Minas Gerais, porque, a rigor, nunca houve a presença
de ideários políticos, de intenções ou formulações por uma mudança na estrutura
econômica e social do país nos enfrentamentos que se deram no Rio entre as facções
criminosas entre si e com as forças do aparato legal. As pequenas e
sanguinárias guerras ocorridas aqui, marcadamente na capital e municípios limítrofes,
que vitimaram tantos policiais como criminosos e população inocente, passaram
longe de quaisquer intenções revolucionárias.
Mas, reasseguro, há pouco atravessávamos um conflito armado
de baixa intensidade, predominantemente nas favelas do Rio de Janeiro onde as
facções se digladiavam com milhares de fuzis AK 47, Ruger, AR 15, FAL,
metralhadoras de mão, com bi-pé, armas individuais e coletivas que tinham e
usavam para enfrentar seus “inimigos”, entre esses o Estado que já não mantinha
a supremacia do território considerando o poder erguido pelo crime coletivizado
que dominava e subjugava bairros inteiros.
Produzindo feridos e mortos em números absolutamente
incompatíveis com qualquer conceito arbitrado para normalidade em Segurança
Pública, as guerras de facção eram ao mesmo tempo consequência e causa de
fatores econômicos, sociais e psicológicos, (para não afastar os motivos
individuais dos criminosos para a vida no crime), considerando haver uma
espécie de simbiose entre as motivações e os vetores concorrentes no conflito.
Assim, se o lucro da droga em determinado momento esteve no
topo das suas intenções, com a chegada dos fuzis, inicialmente comprados para a
proteção dos negócios, das “bocas” e dos “locais de estocagem e endolação”, outros
valores como domínio do território, visibilidade social, empoderamento sexual
sobre a população feminina jovem (das comunidades) e pertencimento de grupo,
foram incorporados pelos integrantes das facções, imprimindo-lhes um ethos subjugador, assassino e
desafiador, capaz de interagir fora de seus domínios geográficos e espargir sua
subcultura de ódio por meio de um conjunto inconsciente de valores
“espirituais” a que denomino ideologia de
facção.
Dessa forma, a mera destruição física dos traficantes como
aconteceu por anos, proporcionada por estratégias que privilegiavam visões
extremistas, não deu resultados positivos promotores de tranquilidade pública e
paz social, como não poderiam dar. Verdadeiramente só serviu para gerar uma
espiral de ódio entre a população pobre e as forças policiais, fenômeno
facilmente compreendido na medida em que os favelados viam seus filhos morrerem
pelas mãos do Estado, e as forças policiais viam, igualmente, os seus
integrantes tombarem pelas armas do tráfico.
Finalmente, uma nova visão que privilegia não uma cruzada
contra as drogas, malgrado entendê-la altamente nociva à sociedade - e por isso
alvo de repressão -, mas a pacificação da cidade pelo resgate pleno dos
territórios dominados pelo crime permitiu o renascimento da crença de uma
homeostase social, onde o crime não seja eliminado (por tratar-se de utopia),
mas controlado, preferencialmente em níveis mínimos. Esta nova estratégia
apresentou-se de forma preponderante através de um consistente projeto nomeado Unidades
de Polícia Pacificadora – UPP, o que fez renascer o sonho de uma Cidade
Maravilhosa e de um Estado progressista, sem quaisquer conotações ideológicas
para o termo.
Ora, mas se o projeto UPP desde seu início foi reconhecido e
aceito como aquele capaz de mudar a realidade do Rio, como fazê-lo avançar em
áreas verdadeiramente fortificadas, guarnecidas com centenas de armas e
petrechos bélicos, usadas como concentradoras de material de guerra retirado
pelos criminosos das favelas pacificadas, e, ainda, manter tais territórios sob
domínio, se não possuíamos equipamentos adequados para o enfrentamento que se
daria e efetivos para uma ocupação temporária duradoura, como era esperado que
acontecesse na cidade-estado dos bandidos, o Complexo do Alemão?
A resposta para tal pergunta é simples: foi a participação
imprescindível das Forças Armadas apoiando as Forças Policiais do Estado do Rio
de Janeiro com equipamentos e efetivos nas operações de incursão e cerco, que
determinou o sucesso das operações.
Foi com esse apoio que aplicamos um histórico golpe no
coração da facção de maior poder. E poupando sangue nacional! Mesmo o sangue dos
criminosos desviados da serventia social, o que seguramente não teria
acontecido se não houvesse a união propiciadora da absoluta supremacia.
No caso particular da participação do Exército Brasileiro, é
indiscutível que ficará marcada para sempre sua presença como braço forte e mão amiga desde os
primeiros momentos que precederam o resgate do Complexo do Alemão, logo após as
operações na Vila Cruzeiro.
Engajado como força de cerco por meio de sua Brigada de
Infantaria Pára-quedista, o Exército Brasileiro dispensou total apoio às
operações e não se furtou de usar suas armas de forma legal, legítima e com
acerto técnico, quando teve que impedir o rompimento do cerco pelos traficantes
Faustão e Branquinho, como não se
furtou de oferecer a carne ao aço dos fuzis criminosos, como na situação em que
foi ferido o Soldado Paraquedista Walbert Rocha da Silva, por um disparo dos
bandidos.
Depois, por quase dois anos esteve o Exército Brasileiro
encarregado de realizar operações pacificadoras nos grandes Complexos da Penha,
Vila Cruzeiro e Alemão, mantendo o território livre da presença dos criminosos,
ao tempo que travava contato com a população se socializando com os
representantes legítimos daqueles grandes conglomerados,
Com liderança segura do Comandante Militar do Leste,
Excelentíssimo senhor General de Exército Adriano Pereira Junior, o EB apoiou o
Estado do Rio de Janeiro, assegurou a paz e garantiu o monopólio do uso das
armas e do uso legal da força, devolvendo-os ao Estado membro consoante um bem
engendrado programa que definiu sua participação.
O Rio de Janeiro, sua população e suas Forças de Segurança
recebem como legado da participação do Exército Brasileiro, principalmente, o
seu exemplo e seu modelo de consciência pacífica, ancoradas em seu potencial invencível
de guerra para a defesa dos legítimos interesses de nossa pátria.
Ex-Comandante Geral da PMERJ