domingo, 31 de dezembro de 2006

Quem és tu?

A prisão de mais de setenta Policiais Militares do Rio por envolvimento com traficantes de drogas e outros criminosos, chegando, em alguns casos, a integrarem seus bandos e quadrilhas, deixou estupefato o carioca, já tão assombrado e receoso da ação de maltas e magotes marginais que, sem detença, surgem aqui e acolá, promovendo medo difuso.

Remunerados para defender a população, homens que um dia, diante do pavilhão nacional e de seus familiares, juraram, solenemente, defender a sociedade com o risco da própria vida apresentam-se, agora, como seus algozes, ao mesmo tempo em que, ao se fazerem bandidos, cavam profunda ferida na instituição que lhes acolheu como irmãos de ideais e de lutas.

Atarefada em espremer tais furúnculos, a PM acaba silenciando ante o alarido aproveitador dos “especialistas”, esses falastrões que jamais arriscarão seus pescoços para conduzir quem, ou o que quer que seja, nos nevoeiros das crises e seus perigos imprevisíveis; esses embusteiros que surgem nos momentos dramáticos como “arautos da verdade”, fazendo crer que são eles mesmos as autoridades detentoras do melhor juízo e maior envergadura moral, para avaliar qualquer questão.

Sondando-lhes, todavia, a carreira, vamos encontrar, como únicas marcas de suas passagens despreocupadas nas corporações de origem, as suas digitais nas maçanetas das autoridades as quais serviram com falaciosa lealdade, transmutando o brilho que proporcionaram aos puxadores das portas que abriam sorridentes, em oportunidades de ascensão profissional sem mérito e sem honra, fazendo, assim, da profissão um patíbulo de vergonha diante de pares e companheiros. E, por mais absurdo, no entanto, investem-se como juizes das mazelas alheias, lançando dardos contra tudo e contra todos, indiscriminadamente, atingindo ora os “aloprados da farda”, o que é justo, ora inocentes e trabalhadores de louvor requerido.

Ninguém duvida, é bem certo, que essa tempestade de opróbrios que desaba sobre nossa Polícia Militar, por conseqüência do desatino criminoso de alguns dos seus homens, possa proporcionar limpeza eficaz no corpo doente, mas se, e somente se, um rigoroso inventário que descortine alternativas para tão terrível mal, for realizado tempestivamente.

Oportuno é, no entanto, desmascarar a impropriedade desses comentaristas autodeclarados “especialistas em segurança pública”, sempre a espreita de escândalos e crises, como urubus a procura de coisa pútrida; esses “policiólogos” abstêmios da práxis policial por inaptidão ou medo, que jamais ombrearam com sua tropa em momentos de dificuldades, quando a carne se torna alvo potencial para o fogo dos fuzis e estilhaços de granadas criminosas. Néscios, ainda assim alardeiam-se legítimos desconstrutores de edifícios construídos com suor e sangue honrados.

Não se pretende, é bom esclarecer, impedir que se levantem vozes contra ignomínias como as que cometeram os “criminosos travestidos de policiais”, como na fala do Coronel Hudson, Comandante Geral da PMERJ. Injuriar-se contra toda forma de tergiversação criminosa, empreendida, principalmente, por quem deveria combater o delito é legítimo e impostergável, mas, fazê-lo sem os limites de uma autocensura que reprima a vaidade e a cupidez, é alimentar-se na tigela da irresponsabilidade.

Assim, ao deparar-me com os comentários do Coronel da PM paulista, José Vicente Filho, cujo prestígio como conhecedor da própria Instituição é questionável, especialmente sua história como policial; vendo-o proferir juízos e desferir acusações contra a PMERJ com verborragia insana e ofensiva, julgo oportuno salientar que, ao contrário do que disse ao “Globo” no último dia 16, atribuindo à exceção a regra, folclore para nós, PMs cariocas, é se fazer passar, como ele se faz, pelo que não é: LEGÍTIMO.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

O Trabalho Dignifica o Homem


O título acima, com o qual inicio esta postagem, tem por efeito situar o sentido da palavra “trabalho” com vistas à análise que farei da matéria veiculada pelo Jornal Extra, do Caderno Especial publicado no dia 24 de novembro de 2006, intitulado “ROTAS DE FUGA”.

Digo “situar” porque, a rigor o predicado não conceitua a expressão, mas permite analisar algumas definições.

Com efeito, trabalho, cuja origem etimológica remonta ao Latim Tardio, se refere a um instrumento de tortura, o tripalium, formado com três paus onde, em regra escravos, sofriam suplícios. O executor das torturas, ou o carrasco era, por assim dizer, o “trabalhador” e, por conseguinte, o torturado “trabalhado”.

Antropólogos provavelmente dirão (quem sabe estejam certos) que as torturas infligidas nos nossos dias por policiais desviados dos seus compromissos (e ingênuo aquele que acreditar que tais abstrusas e infames práticas do comportamento humano individual foram suprimidas totalmente), se reproduzem no discurso dessa forma (“trabalhar” o preso), por decorrência de uma reprodução cultural milenar.

Estudiosos de outros campos do conhecimento humano, como a filosofia, darão outras explicações. Numa visão socrática o filósofo argumentará pela hipótese das reminiscências, gerador do fenômeno último.

Ouvindo um desses teratogênicos mentais que utilizam a prática espúria da tortura, para obter confissões, talvez ouçamo-lo dizer que “considera um ato comum do seu mister profissional, pois, como trabalhador, trabalha em algo, ou trabalha algo, no caso considerado o corpo e a mente de quem extrai confissões”.

A palavra trabalho também foi odiosamente utilizada pelos nazistas, durante a segunda guerra mundial, quando, na entrada do campo de concentração de Dachau, perto de Munich, eles escreveram “O trabalho liberta”, em alemão Arbeit macht frei, dando bem a dimensão de quão impróprio pode ser tomado um termo digno, para fins escusos.

Desprezando tais significados e explicitando a dimensão ética na expressão trabalho, que pretendo invocar neste texto, passo a comentar a matéria:

A primeira página do caderno é uma espécie de prelúdio. Em trinta e oito linhas, com cores bem contrastantes (preto e vermelho), o jornal apresenta os nomes, ou apelidos, de quarenta e cinco pessoas mortas em confronto com as polícias, declarando, sem oposição da dúvida, haverem sido assassinadas (grifo meu) por policiais.
Com o título de página “Em 230 vidas, um retrato da guerra que atinge milhões”, “O Extra” inicia a matéria, realizada com base num trabalho de pesquisa de uma ONG chamada “Observatório de Favelas”, que teria sido feito num período de quase dois anos, entre 2004 e 2006.

O objetivo primordial é esclarecido nas primeiras linhas, e revela haver produzido conhecimento sobre o “cotidiano do tráfico”: as atividades, as relações, as motivações, o destino dos seus partícipes e as soluções possíveis para o problema.
Ao longo da oito páginas o jornal desfila um bem arrumado conjunto de argumentos apresentados como estudo. A matéria feita a partir do olhar da ONG, está assentada numa base que é, com efeito, uma indisfarçada construção ideológica, que envolve as chamadas “pesquisas sociológicas”.

Tal ideologia, formatada a partir da premissa que confere às classes sociais desfavorecidas economicamente, a singular qualidade de propiciadora, por irresistível, de violadores da lei na consumação de crimes como o narcotráfico armado, dando-lhe um subliminar aspecto de “justiça”, vem diluída no discurso dos idealizadores do projeto e na disposição dos autores da matéria em corroborá-la, já que fazem confundir a pesquisa com jornalismo em si.

Embora haja explicitado que os pesquisadores eram, por laços sanguíneos ou de relações sociais ligados aos traficantes “pesquisados” ou, ainda, ex-criminosos mesmo, e ter evidenciado que a pesquisa se realizou nos próprios espaços onde são realizados os negócios ilegais, se travam os combates violentos nas disputas de territórios e ocorrem enfrentamentos das forças policiais, a entidade pesquisadora apenas se limita a declarar que tais requisitos são “fundamentais para o estabelecimento do vinculo de confiança entre pesquisador e pesquisados”.

Ora, é lógico que tal assertiva culmina por propiciar alguns questionamentos ao leitor mais percuciente, fundamentais à crença na confiabilidade dos dados coletados, na hipótese única de não serem obtidos por processo analítico. Vejamos:

a) Por que parentes e amigos de um público-alvo de entrevistas foram entendidos como as pessoas mais indicadas para fazê-las se, cientifica e deontologicamente, deveriam ser consideradas as menos indicadas, a fim de não viciar a pesquisa?

b) Por que tais características foram consideradas essenciais na escolha dos pesquisadores se, considerado o indispensável e rigoroso estranhamento, - difícil até para antropólogos calejados – deveriam ser as mais intensamente dispensáveis, já que as identidades culturais entre pesquisadores e pesquisadas empurrariam os primeiros ao endosso do discurso do tráfico?


Ninguém duvida, é lógico, que traficantes e outros bandidos são tratados com violência pela polícia, como assegurei acima, ao refutar a tortura como método do “que quer” que seja.
Mas, parentes e amigos de criminosos, e ex-criminosos mesmo, pessoas com afinidades e laços psíquicos que asseguram identidade e unicidade social, traduzirão, com a requerida isenção, o que de fato viram e assistiram?

Será que nos relatarão - por que sabemos serem práticas comuns no narco-mundo - as mutilações, esfolamentos, empalações, torturas e outras imolações que assistiram ou souberam?
Será que relatarão a colocação de pessoas em fogueiras, nos chamados “fornos micro-ondas”, que seus olhos assistiram?

Será que incluirão nos seus “diários de campo”, os espancamentos até a morte, e as violações sexuais contra jovens meninas e senhoras das comunidades, por seus “nativos” pesquisados?
Será que informarão das emboscadas contra policiais, e do assassínio frio e cruel dos agentes da lei em serviço ou na folga?

Será que algumas dessas hediondas práticas efetuadas por parentes, amigos e ex-comparsas, estão relatadas no trabalho de pesquisa?

Será que foram reveladas no pretenso “cotidiano dos traficantes?”.

Devemos desconfiar que não.

E, pior, a ação dos comparsas na consecução do crime, na perpetração do banditismo descabido, violento, covarde e sem limites, foi, com o desprezo a toda carga emocional requerida pela dimensão ética que o termo requer, e olvido completo aos reclames racionais que a expressão possa suscitar, chamada de: TRABALHO.

Os traficantes, na lógica apresentada pela ONG, formam uma nova classe trabalhadora.
Os distribuidores, varejistas ou atacadistas das substâncias proibidas, cujo comércio ilícito promove toda sorte de violência e escravidão, devem ser entendidos como qualquer que vende sua força de trabalho, já que é assim que fazem os proletários e assalariados, em busca de remuneração, nas plagas capitalistas. É o “Capitalismo das Ruas”, permite concluir a festejada pesquisa.

Isto é uma falácia. Absurda, subliminar, sub-reptícia, abjeta e ignóbil.

A ONG “Observatório de Favelas” considera a formação de bandos e quadrilhas para o tráfico de drogas, uma forma de trabalho.

Sem nenhuma cerimônia, sem nenhum constrangimento, com ares de cientificidade, a ONG apresenta-nos seu trabalho onde o pesquisador é o próprio “nativo”, ou “igual ao nativo”, sem estranhamento ou ferramentas para profilaxia de relatos contaminados, e, sutilmente, impõe um modelo novo, um conceito revolucionário: o Trabalhador-Traficante.

Não é de hoje que aplausos para as contestações e violações da ordem são observados nos chamados “círculos intelectuais”.

De manifestações artísticas a insuspeitos trabalhos acadêmicos, a formulação dionisíaca, “apagando toda a mancha de pecado” (leia-se responsabilidade por atos e construções) subverte, a cada dia, os princípios da razoabilidade.

Traficante não é trabalhador, é criminoso.

Não nos deixemos enganar.

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Incursionando no Inferno

No dia onze de outubro o BOPE estabeleceu duas Bases de Ocupação Dinâmica no Complexo do Alemão, onde permanece até a postagem deste texto.
O objetivo era agir repressivamente contra o braço armado do narcotráfico, a fim de realizar a apreensão de seus arsenais e a prisão dos envolvidos no esquema criminoso do comércio das drogas, com prioridade sobre os que se apresentam armados, afrontando o poder público e semeando medo coletivo.
Sob meu comando direto, a tropa deslocou-se ao grande conglomerado de favelas e, desde os primeiros momentos de nossa chegada, esteve engajada em confrontos com marginais que portavam fuzis de assalto, e se comportavam como forças guerrilheiras urbanas, dado seu comportamento tático.
É bem certo que os facínoras não tiveram nenhum sucesso em suas empreitadas e, do contrário, foram as forças legais, representadas pelo BOPE e o 16º BPM, que lhes reduziram os arsenais e retiraram de circulação dois vocacionados criminosos, até agora.
Nas vinte e quatro horas que passei no morro, pude verificar, in loco, as dificuldades enfrentadas pelos policiais militares que concorrem a serviços em destacamentos e postos, fincados nessas áreas de risco máximo.
O perigo enfrentado por nossos companheiros é de tal ordem, que somente a banalização da própria vida, com a naturalização radical da morte em serviço, pode nos fornecer pistas de como eles, por força de suas posições hierárquicas Sargentos, Cabos e Soldados, os cumpridores desses serviços, podem ignorar sentimentos de autopreservação e juízo de risco, para exercer a mais arriscada atividade policial do país.
Havia nove anos, desde que, como major, cumprira uma missão noturna no morro do Turano, na Tijuca, que não enfrentava uma jornada tão desgastante, com enfrentamentos furtivos, mas de fogo pesado, por vinte e quatro horas ininterruptas.
Mas, a melhor pedagogia não é a do conhecer por ver, mas do fazer para constatar.
Foi lá na Nova Brasília, extensa comunidade do Complexo do Alemão, liderando minha tropa, lado a lado dos homens, que relembrei meus tempos de Tenente, Capitão e Major do BOPE, reminiscências que me levaram à realidade dos nossos Praças, profissionais da mesma Instituição gloriosa a que pertencemos, nós, Oficiais Superiores em função de mando, que, não raro, fazemos ouvidos moucos e vista grossa para as evidências do absurdo, denunciadas por nossos milicianos.
Para entender o Elemento de Execução, o combatente PM, o nativo, nesse caso, no jargão antropológico, não basta, todavia, estranhar-se. É preciso, do contrário, ser um deles. Sentir na própria pele os sabores do front. É preciso muito mais do que flanar. Faz-se necessário pelejar, combater, sentir ódio e medo, piedade e segurança, tudo junto, separando-os pela racionalização, indispensável aos que se propõe a comandar homens.
Há tempos não me sentia tão mal.
Há tempos não me sentia tão bem.
O BOPE continua ocupando o Alemão e Incursionando no Inferno. Inferno não pelo local, de esmagadora maioria de trabalhadores e inocentes, mas inferno pela situação causada pelo flagelo provocado pelo narcotráfico.
Os Postos de Policiamento Comunitário nos servem de Bases para a empreitada, fato já noticiado pela mídia.
A qualquer momento sairemos de lá, pois somos tropa de intervenção e não de ocupação.
Todavia, outros Policiais Militares, nossos irmãos do 16º BPM, Unidade Operacional responsável territorialmente pelo policiamento da área, estarão, todos os dias, embrenhados naquelas instalações físicas, pretendidos signos da lei.
Viverão a perigosa rotina de se deslocar, a pé ou de viatura convencional não–blindada, do sopé do morro até seu posto, sob olhares argutos e percucientes de ollheiros do tráfico, a sondar-lhes as intenções.
Desejo aos nossos valentes companheiros de lutas e desafios, toda sorte do mundo.
Somos uma Corporação de Bravos.
Vitória Sobre a Morte!
Para nós, Caveiras, e para todos os irmãos da PMERJ.

quarta-feira, 20 de setembro de 2006

Milícias Locais nas Favelas do Rio


Nos últimos anos, um fenômeno social novo para o Carioca, mas não desconhecido em sociedades marcadas pela violência e bandidismo desenfreado, apresentou-se e teve crescimento em várias favelas da cidade do Rio de Janeiro. Embora não listadas neste texto, é fato sabido que várias comunidades pobres, alvos prediletos das quadrilhas de narcotraficantes, passaram a sofrer uma espécie de controle com características de “serviço policial”, exercido a partir de uma estrutura ilegal de poder, que reúne, em regra, policiais e outros integrantes de órgãos e segurança, como forças armadas, empresas particulares de segurança armada, corpo de bombeiros, guardas penitenciários e empresas de vigilância.
Com objetivo primeiro de manter tais comunidades livres do comércio ilegal de drogas, e dos seus nefastos desdobramentos, como, muito especialmente, a estrutura para-militarizada que escraviza as populações e desenvolve sangrentas disputas de “controle de terreno” com facções rivais, além, por certo, do enfrentamento das forças policiais, esses grupos, igualmente ilegais, mas em sua maioria bem aceitos nas comunidades, espraiam-se a cada dia, sinalizando se transformar em breve numa forma complementar de “polícia de controle social”.
Digo assim, porque mais do que manter tão somente a vigilância espacial , com atenção as cenas que se desdobram, os grupos realizam efetivo controle dos fatos, eventos e rotinas, e possuem considerável conhecimento da vida particular dos moradores, o que lhes faculta interceptar qualquer anormalidade naquelas favelas, controlando até a “população de passagem”, ou seja, vendedores, visitas, trabalhadores assistenciais extemporâneos etc.
Analisando os benefícios e prejuízos desse tipo de “polícia local”, criado a partir das lacunas do Estado no serviço que lhe compete por definição constitucional, temos:


Benefícios:

As comunidades ficam livres dos traficantes, cada dia mais violentos, e que adotaram estratégias monstruosas de intimidação e terror. Para exemplificar, a prática mais recente é a imolação viva dos desafetos, ou de quaisquer que se lhes oponha, cortando as pessoas aos poucos, num sofrimento atroz, enquanto alimentam animais famintos (em geral porcos) com seus pedaços.

Sem tráfico, sem oferta local, as crianças e os adolescentes dessas comunidades não tem que conviver com a exposição do varejo das drogas, o que, em tese, serve de profilaxia ao seu uso, facilitando a vida de pais e educadores.

As comunidades ficam livres das incursões policiais que não podem garantir, por razões óbvias, as trocas de tiros com armas de guerra que tantas pessoas inocentes (crianças inclusive), tem vitimado fatalmente. As armas do tráfico são alvos muito mais interessantes para as polícias do que as drogas em si, e, não havendo tráfico, as polícias dirigem seus esforços para outras áreas.

As comunidades também ficam livres das “guerras de facção”, que vitimam envolvidos e inocentes, com perseguições cruéis aos familiares dos “soldados inimigos”, quando descobertos.
Sem os traficantes, a apologia a esses bandos, até porque proibida pelos grupos de controle, não existe, ficando as comunidades livres de uma “cultura do ódio de facções”, um crescente não apenas no nosso Estado, mas em outros da federação.

Também, nessas áreas, os outros crimes quase inexistem, como ou roubo e o furto locais, ou seja, entre os moradores da mesma região. Isso faculta uma sensação de maior segurança entre aqueles, pois são tipicidades criminosas que se enumeram entre as que maior temor causam às pessoas, e, não havendo, os moradores se sentem mais tranqüilos.



Prejuízos:

A comunidade fica sob o jugo da força de pessoas não instituídas legalmente, ou seja, sob administração de um grupo não escolhido ou eleito periodicamente, com substituições temporárias, por sufrágios regulares.

Vários serviços locais, como a distribuição de gás, serviços regulares (táxi) e/ou irregulares de transporte (Vans, Topics etc) e exploração da venda de bens móveis e imóveis, passam ao forçado monopólio dos grupos.

Algumas modalidades criminosas, como o furto de imagens de TV a Cabo são inauguradas, ou simplesmente passam ao poder dos grupos.

Pendengas, litígios e uma série de conflitos que devem ser objeto de apreciação judicial regular, consoante os estatutos jurídicos do país, acabam sendo resolvidos nas favelas, muitas vezes contra a vontade dos litigantes, à força, pelos grupos.

Eventos, festas e quaisquer manifestações púbicas, nesses locais estão sujeitas às deliberações dos grupos.
Por último - embora não esgotadas as possibilidades de outras questões a serem aventadas - a democracia das representações, em especial as associações de moradores, ficam sujeitas às pressões do grupo nos seus interesses, igualmente como ocorre nas comunidades onde existe o tráfico armado.

Estas são algumas das questões que podemos dizer que derivam, ou envolvem, o fenômeno “Milícias Locais nas Favelas do Rio”.No próximo texto, irei explorar as facilidades e dificuldades de ação policial, administrativa e repressiva, às milícias, numa comparação com o narcotráfico.

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Em Resposta ao Missivista

A análise da situação que vive o Estado do Rio de Janeiro, mais especificamente sobre determinadas áreas e espaços cuja violência perpetrada por grupos criminosos, transformam-nas em “territórios de livre ação do narcotráfico”, é feita a partir de dados factuais; aceitos, até, por grupos e indivíduos francamente contrários aos modelos de atuação policial, hoje praticados no Estado. Esclarecendo: afirmo que mesmo esses grupos, que alardeiam (e discordamos) estar a ação policial voltada contra grupos raciais (pardos e negros) e contra camadas desfavorecidas da população (população pobre das favelas), curvam-se diante do irrefutável argumento, exposto por provas, que o narcotráfico se para-militarizou em vários aspectos, quais sejam: no uso de armas de guerra e seu emprego tático; na utilização de petrechos (rádios transceptores, granadas defensivas e ofensivas etc), nas estratégias de ocupação do terreno e no desenvolvimento de ideário etnocêntrico. Ora, é claro que mesmo se tratando apenas de banditismo desenfreado, sem ideologia revolucionária com vistas a tomada do poder, medidas inócuas de segurança não promoverão os efeitos desejados de controle das áreas, com resgate de monopólio estatal do uso de armas, em favor da segurança das populações. Para reverter tal quadro, é preciso encarar o desafio. Embora com respeito aos pensadores das ciências sociais, contemporâneos ou históricos, como o que o missivista citou, há fatos que solicitam análise e interpretação definitivamente realistas. Weber, Foucault, Gerzt, Da Matta, todos podem trazer reflexões com alguma contribuição, mas nada além do que seus pontos de vista; observações assentadas no que acreditavam (no caso dos que já não vivem), ou que acreditam (os que ainda transitam entre nós), que lhes permitem conclusões que importem não abrir mão de suas ideologias e idiossincrasias. Assim, respeitando vossa opinião, reafirmo a necessidade da interpretação dos fatos a partir do grau de intensidade, marcadamente extrapolicial-comum no conceito conhecido e aceito pela maioria dos países, requerendo ação que lhe supere, seja por forças policiais de investidura civil ou militar.

sexta-feira, 28 de julho de 2006

Incursionando No Inferno - A Verdade da Tropa


Eu era capitão, quando escrevi o livro Incursionando no Inferno – A verdade da Tropa, há onze anos atrás. Vivíamos uma situação não muito diferente dessa, dos nossos dias, mas ainda não havíamos naturalizado o caos. Talvez seja este o ponto crucial: hoje, tanto a população quanto às forças policiais acostumaram-se à previsibilidade do imprevisível. Tudo pode acontecer, seja topar com um “bonde”, ou “blitze falsa”, de marginais, as duas da tarde, numa segunda feira, ou ferir-se com um tiro de fuzil a dois quilômetros de uma favela, sem sair de seu apartamento. A diferença é que não há surpresa no fato, só no azar de ter acontecido consigo. Muitas coisas contribuíram para essa situação de descontrole e, certamente, isso começou nos anos oitenta, logo após a redemocratização do país.

Como sabemos, às polícias sempre são imputadas toda sorte de violações e arbítrio quando ocorrem mudanças nos cenários políticos, Em geral, as personagens alijadas à força pelas estruturas que estiveram no poder quando assumem funções executivas que lhes permitam manipular as forças de garantia da lei e da ordem, como os governadores com as instituições policiais, logo tratam de talhar-lhes novo perfil, deixando explícito seu repúdio pelo organismo que serviu ao sistema anterior. Então, uma nova postura na política de segurança é alardeada e, por sedutora, logo recebe os aplausos da opinião pública: as violentas e impiedosas forças da repressão” devem ficar longe de suas vítimas, o que deve ser entendido pelas forças policiais na forma: quero vocês longe das favelas.

Como a estrutura de poder anterior era marcadamente organizada privilegiando a manutenção da ordem, os governantes que assumiram, (e assim foi com o Brizola no Rio), trataram de afrouxar as rédeas, argumentando em favor da cidadania e dos direitos humanos para frear as forças policiais, essas sim, segundo eles, promotoras exclusivas da violência nas comunidades pobres, ou contra as camadas sociais marginalizadas devido a sua condição de pobreza.

Ora, somente a ingenuidade pode argumentar que a ausência dos serviços de polícia em locais onde invariavelmente se homiziam criminosos, como nos espaços de desorganização social, é preferível para promoção de justiça.

E foi justamente o afastamento intencional e dirigido das polícias das favelas que provocou tal situação. Ao invés de se priorizar a inclusão daquelas áreas, criando estruturas regulares de serviços públicos de polícia, de forma potencialmente forte, com a implantação de batalhões, companhias ou pelotões da PM nas áreas mais carentes, o Estado preferiu retirá-las das favelas, abrindo mão, tacitamente, do monopólio da força, abandonando as comunidades ao seu próprio destino. O resultado hoje é este que vemos: áreas, bairros, empórios, em todo lugar há espaços onde a polícia é entendida como força invasiva, e o tráfico poder reconhecido.

Malgrado a gravidade do problema, obviamente que a situação tem saída, e não está apenas na esfera policial. Mas não há mais tempo para se perder com ilações e onanismo intelectual. É preciso deixar bem claro qual quadro enfrentamos na Segurança Pública, e o que deve ser feito no nível estadual pelos governos para enfrentar, com essa estrutura legal, a criminalidade e o banditismo.
Vejamos:
1. Primeiro aceitar e enfrentar com coragem, mesmo com todos os desgastes que isso possa acarretar, o fato que a situação transcendeu os níveis normais, assim entendidos, para a Segurança Pública.
2. A partir daí, encará-lo como o que de fato é: um conflito armado de baixa densidade, com características embrionárias de uma guerra interna, como nas palavras do ex-carbonário Alfredo Sirks, com condutas para-militares características de ações de guerrilha por parte dos seus elementos integrantes que buscam não apenas comercializar drogas, mas causar baixas nas forças policiais com objetivo de desmoralização e promoção de descrédito nos governos e autoridades responsáveis, mas tudo sem ideologia política.
3. Estabelecer prioridades nas ações de enfrentamento com o reequipamento dos organismos policiais, e adoção de novos conceitos em substituição a alguns totalmente ultrapassados, como, por exemplo, o conceito de destacamento de policiamento ostensivo (DPO) que já de muito não funciona como braço da lei vigilante. Os DPOs, em especial aqueles instalados nas favelas, perderam completamente a capacidade preventiva e repressiva de polícia, sendo meros prédios guardados por policiais militares amedrontados, quando não corrompidos pelos esquemas das drogas.
4. Em atendimento ao que se propõe acima, dotar as PMs de carros blindados leves para patrulhamento em ruas e logradouros onde carros comuns de polícia não podem fazê-lo sem grandes riscos para os PMs, a exemplo da rua Leopoldo Bulhões, Avenida dos Democráticos e rua Itararé, na zona norte do Rio, locais onde vários milicianos foram abatidos ou gravemente feridos, durante patrulhamento, por atiradores postados nas lajes das construções das favelas.
5. Construção nos acessos das favelas de destacamentos panorâmicos de policiamento ostensivo, um novo conceito de base fixa policial que conjuga prevenção e repressão pela vigilância ininterrupta de áreas-problema.
6. Criação de unidades especiais de áreas-problema, semelhante aos GPAEs, mas com efetivos realistas para superar as forças do narcotráfico, e não para funcionar como veículo de propaganda política. Aliás, o conceito de GPAE é suficiente, caso seja aplicado nas condições de superação do tráfico estabelecido, ou seja: em número de elementos, superioridade de armamento e munição, capacitação técnica para atuar tanto preventiva como repressivamente. Deverá possuir uma estrutura de inteligência que dê suporte ao planejamento das ações e operações, que promova o conhecimento sobre as quadrilhas, seus integrantes, modus operandi e os desvios de conduta da tropa.
7. Adoção de medidas para reavivar a auto-estima profissional, como, por exemplo, modificações nos uniformes das praças, que, em épocas passadas, possuíam os mesmos uniformes dos graduados e dos oficiais, diferindo apenas nas insígnias e divisas. Nos nossos dias, os cabos e soldados possuem apenas um tipo de farda para toda e qualquer atividade. Nas apresentações festivas, solenidades, reuniões de círculo, representações oficiais e tudo mais, os cabos e soldados utilizam os mesmos uniformes que usam para os rústicos serviços operacionais e instrucionais. Dessa forma, compreendem-se desvalorizados e desqualificados e, o que deveria ser tão somente uma questão de círculos hierárquicos para definição de responsabilidades, culmina por revelar uma estratificação social indesejada.

A verdade é que para adoção dessas providências, o maior esforço deverá ser de natureza política, ou seja, somente com a compreensão da gravidade do problema que já se arrasta há décadas, iniciando-se pelos nossos governantes do nível federal, é que uma mudança significativa poderá ser intentada.

Também é verdade que essas são apenas algumas ações de um conjunto que deve ser incrementado, mas são essenciais estratégica e taticamente.

Não posso me furtar de dizer da minha convicção, de que as lideranças das nossas forças policiais conhecem e reconhecem a dimensão do problema, e vêm se esforçando na orientação das instituições no sentido de reduzir os índices de criminalidade, além de buscar enfraquecer o poder de combate dos “exércitos do tráfico”, seja pela apreensão de seus arsenais, seja pela prisão de seus líderes, todavia, administrando escassos recursos e lutando contra muitas interferências.

Sair dessa é possível. É preciso coragem, é preciso ter força, é preciso acreditar.

Mário Sérgio de Brito Duarte
Tenente Coronel da PMERJ
Comandante do BOPE

segunda-feira, 22 de maio de 2006

O Blindado do BOPE

Tenho acompanhado a campanha contra o uso de Viatura Blindada para Transporte Protegido de Policias Militares do BOPE com detida atenção. Envolvido na questão diretamente como Comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais e Ex-Comandante do Batalhão da Maré, Unidade que também possui esse implemento de proteção da força legal, esclareço que a proposta do BOPE é, como Unidade Especial da Polícia Militar, realizar intervenções policiais sob condições de alto risco, tendo por antagonistas, tão somente, aqueles que se opõe, de forma hostil e violenta, às instituições legítimas, contra a liberdade dos cidadãos e contra o estado legítimo de direito.
Ao Batalhão não interessa investir contra indefesos, contra trabalhadores, contra a população de quaisquer comunidades, contra expressões culturais socialmente reconhecidas, contra minorias ou contra representações ou recortes de ânsia social.
Todavia, malgrado ser uma questão antiga, o quadro da Segurança Pública na Cidade do Rio de Janeiro é grave e exige o emprego de ferramentas que, a rigor, não usaríamos (e nem as teríamos) não fosse ululante seu reclame. Estudiosos da questão da violência urbana sabem que nem sempre o narcotráfico, como expressão mais significativa do crime sustentado com petrechos de guerra, possuiu essa hodierna capacidade de enfrentamento da estrutura legal armada do Estado.
Até o fim da década de oitenta as armas mais poderosas encontradas com criminosos eram carabinas, submetralhadoras e pistolas semi-automáticas. Num esforço, podemos nos recordar da emblemática aparição dos fuzis, quando Naldo, Brasileirinho, Cassiano, Bolado e outros criminosos da época puseram estupefata a nação brasileira com exibição de seu poderio bélico, ante as câmaras de TV Globo, na favela da Rocinha, imagem que correu o país e assustou a todos. Desde então, granadas, lança-rojões, fuzis de assalto como AK-47, AR-15, HK G3 e metralhadoras. 30 passaram a compor os arsenais do tráfico. Em disputas sangrentas pelo lucrativo mercado das drogas ilícitas, as quadrilhas nomearam-se. Algumas adotaram o pseudo-assistencialismo como estratégia de persuasão das comunidades nas quais que se espraiaram. Outras, simplesmente se impuseram pelo terror, imprevisível no seu alcance e na sua temporalidade, mas fazendo vítimas com mutilações físicas e emocionais permanentes. Astuciosos, os bandidos buscaram (ou permitiram-se) alianças com policiais corruptos, tão criminosos quanto eles, e com outros poderosos, cujas aparências projetadas por simulacros sociais passam despercebidos e seguem festejados, até que, vez ou outra, se lhes descobre a camuflagem.
Todavia, por decisão do povo, através de seus representantes legais eleitos democrática e diretamente, ainda hoje o monopólio do uso da força pertence ao Estado. Nenhuma pessoa ou grupo pode avocar para si tal direito. Não há argumento de natureza ética, moral, metafísica, legal ou científica que autorize criminosos dominar empórios, comunidades ou bairros de nosso país. E é contra essa força ilegal que deve atuar o BOPE. Sejam traficantes ou praticantes de quaisquer outras modalidades criminosas de agrestia violenta pelas armas. Esses, sim, o Batalhão deverá sempre combater.
Não é uma tarefa fácil. Não apenas os criminosos, mas policiais e outros cidadãos inocentes acabam vitimados, produzindo efeito colateral definitivamente indesejado. A rotina de baleados na PM não tem sido uma realidade natural, conseqüência da profissão de risco. Pelo contrário, é fator de trauma diuturno para todos que se permitiram essa profissão. Sair de casa para trabalhar é certo, voltar nem sempre.
Porém, é a única hipótese ancorada no critério da razoabilidade para se aventurar numa atividade cuja principal característica é o uso de armas. Nenhuma refutação que se faça baseada em critério lógico se sustentará, caso arrisque defender o crime, pois a falácia estará exposta na proposição. Se as armas da polícia são indesejáveis (bom seria que arma nenhuma existisse no mundo), intoleráveis, porém, são as do tráfico, ou de quaisquer outros criminosos.
Assim, ao dotar a Policia Militar de equipamentos de proteção para deslocamentos em áreas e situações de risco máximo, quando o fogo de fuzis bandidos é realidade e não construção social e lingüística, o Estado procura incrementar uma estratégia eficaz de fazer-lhes frente; subtrair-lhes a capacidade de domínio nos espaços em que se apresentam, se homiziam e comercializam. A presença policial, como fato social legal, deve ser meta de todos os governos e aspiração das populações.
D’outra sorte, embora o discurso comum acuse uma mortandade provocada pelo uso dos blindados isso não é verdade. Qualquer cientista social que faça sério trabalho de pesquisa e não se detenha no estado das artes, vai concluir diferente do que se apresenta de forma apaixonada, quando a intensidade das emoções procurar afogar a clareza das idéias.
Para exemplificar que a paixão do discurso contra os Veículos para Transporte Protegido promove mais confusão do que esclarecimento, vejamos o caso da trágica morte do menino Carlos Henrique, na favela da Maré, na Vila do João, que está sendo apresentada como provocada por um disparo oriundo da guarnição de um carro blindado. É possível? Talvez, considerando que um Pacificador do 22º BPM estava nas proximidades, mas se o tiro houvesse sido desferido de um fuzil. Ocorre que o pai do menino também foi baleado, e, diferentemente do seu filho, cujo ferimento foi transfixante, a “bala” que o atingiu permaneceu em seu corpo, sendo posteriormente retirada, periciada e constatado tratar-se de um projétil de pistola, cujo emprego tático não permite disparo da viatura blindada. Ora, quem teria atirado no pai do menino, então? Se sobre o tiro que vitimou a criança não se pode atestar seu calibre, por outro lado, sem nenhuma sombra de dúvida pode-se dizer do calibre que feriu o pai, e, se ambos estavam juntos, como asseverar com tanta certeza que o menino foi baleado por policiais do blindado? Não seria factível supor que o tiro poderia ter sido disparado por outra pessoa que feriu a ambos? Alguém que houvesse atirado contra o blindado, por exemplo?
Com efeito, a presença de traficantes excepcionalmente armados naquele local é fato conhecido no país inteiro. A Vila do João, um conglomerado urbano com esmagadora maioria de trabalhadores sofre a presença do narcotráfico já de muito.
A construção do Batalhão da Maré e sua conseqüente aproximação com a população por meio de encontros, cafés e projetos de aproximação, reduziu a influência dos criminosos e concorreu para a diminuição do medo difuso, mas com um alto preço para a PM, pois, só ali, desde seu incremento, mais de dez policiais tombaram no cumprimento do dever, emboscados de forma vil e covarde.Por outro lado, não emerge destas considerações que ora apresento elementos de dúvida quanto às intenções das Organizações Não Governamentais alinhadas na luta contra o “Caveirão”. O que se nos afigura, todavia, irreal, são os fundamentos que se apresentam por argumentos em seu discurso. Paralaxe conceitual que pode ser corrigida se o diálogo for estabelecido, o que, como se depreende, inicio com esta correspondência. Analisemos cada acusação sobre o uso do blindado expostas no site:
Afirmativa:
...faz ameaças psicológicas e físicas aos moradores, (grifo meu) com o intuito de intimidar as comunidades como um todo.

Refutação:
A missão do BOPE é agir contra o crime e não contra a população inocente. Se o tráfico nefasto, belicamente poderoso, infiltrado nas comunidades mais carentes (nas favelas) apresenta-se com as tinturas culturais do ambiente, isto não justifica a colocação dessas populações num só cadinho de estereótipos gerais. O BOPE não faz isso. Compreende que morador é morador e bandido armado é bandido armado. Conferir ao Batalhão o rótulo de opressor da favela, inimigo do bem e promotor do mal, é fracassar na empresa. Opressor é o tráfico que alicia crianças para “trabalhar” no seu “negócio” expondo-lhes ao destino cruel das guerras de facção que muito cedo lhes irá tirar a vida; que lhes escraviza o organismo somático e psíquico pela dependência química, transformando-os em entes descartáveis. O BOPE intimida a esses criminosos, encurrala-os, força-lhes a debandada, encaminha ao cárcere ou fere, com a mesma arma que empunham, aqueles que buscam atentar contra seus homens, já que é este princípio fundamental do direito: a legítima defesa. Que eventuais excessos possam acontecer o BOPE não nega, mas corrige o infrator posto a descoberto, muitas vezes afastando-o de seu meio. Mas, “intimidar comunidades como um todo?” Como querem que creiam nisto?
Afirmativa
O tom e a linguagem utilizados pela polícia durante as operações com caveirão são hostis e autoritários.

Refutação:
Esta é uma questão que merece detida análise. Inicialmente faz parecer que existe uma conduta diversa, não hostil, não autoritária, quando as operações policiais são realizadas sem emprego de blindado. De qualquer forma, sua ocorrência é de ordem a afetar muito mais suscetibilidades do que garantias individuais e de cidadania, expressas na Carta Magna. Ora, compreende-se que todas as pessoas queiram ser tratadas com respeito e urbanidade. Ninguém merece tratamento hostil e autoritário porque reside em área carente, porque é pobre, negro, homossexual ou pertença a qualquer grupo de minoria. Todavia, em áreas de forte presença do narcotráfico armado, atitudes gentis podem ser interpretadas pelos olhos atentos dos criminosos como condescendência com a ação policial. Uma simples resposta ao “bom dia” do PM pode tornar-se motivo de retaliação posterior, com grave risco à vida do inocente. Como Unidade de Intervenção, cujo contato com o morador se dá apenas naquele momento de Operação, sem possibilidade de promover-lhe proteção e segurança efetivas, no espaço e no tempo, já que, em minutos, aquela fração policial não mais estará ali, deixar transparecer indiferença e autoritarismo é, às vezes, uma segura estratégia de proteção das comunidades. Mas, considerado serem tais situações, sob qualquer pretexto, repreensíveis, e, aceita a ponderação que o tom imperativo necessário em ações policiais deve respeitar os protocolos de respeito e urbanidade instituídos socialmente, podemos, de fato, acreditar que só agora acontecem e por conseqüência do uso do blindado? Mais uma vez uma secreta desconfiança sobre a validade da afirmação e seu pretendido caráter de denúncia, se apresenta.

Afirmativa:
O emblema do BOPE – uma caveira empalada numa espada sobre duas pistolas douradas – envia uma mensagem forte e inequívoca: o emblema simboliza o combate armado, a guerra e a morte.

Refutação:
Das afirmações encontradas no site esta é a que mais se aproxima da verdade. Não fosse a intenção de reforçar o todo de idéias propostas para invalidar o uso da Viatura de Transporte Blindada, dir-se-ia que o símbolo do BOPE tem esse significado, já que as pistolas anunciam as armas da PMERJ, ou seja, a força das armas; a caveira, com o sabre encravado, ladeada por louros, a morte, mas vencida por seus integrantes, mesmo os que pereceram, pois se transformaram em “sóis no céu do Brasil” (frase da Canção do Policial Militar). “Vitória sobre a morte é nossa glória prometida”; este trecho da canção do BOPE não deixa dúvidas sobre a intenção do símbolo. Vivemos a possibilidade da morte todos os dias. Que profissão neste país exige riscos e sacrifícios maiores? Quem duvida que visite nossa Home Page. Procurem na “Patrulha da Saudade”. Lá acharão fotos e informações sobre abnegados “Caveiras” que venceram a morte, encontrando-a. São filhos jovens e pais de filhos mais jovens ainda. Vida Eterna aos Caveiras! Vitória sobre a Morte!

Afirmativa:
Alto-falantes montados na parte externa do veículo anunciam repetidamente a chegada do caveirão: “Crianças, saiam da rua, vai haver tiroteio” ou de forma mais ameaçadora: “Se você deve, eu vou pegar a sua alma”.

Refutação:
A inserção dessas frases no site como ditas pelos Policiais durante Operações com os Blindados revela situação interessante, pois, pelo menos no que diz respeito à primeira frase, essa deveria servir como “ponto” em favor do BOPE. Sim, porque solicitar que as crianças saiam das ruas (durante a operação policial) para fugir de iminentes tiroteios não pode, sob nenhuma hipótese, ser preferível à sua oposição, ou seja: - crianças não saiam das ruas, vai haver tiroteio!; É desnecessário escrever mais sobre isso. Sobre a segunda frase (Se você deve, eu vou pegar a sua alma) trata-se de um indesejável e desnecessário desvirtuamento da missão, se de fato ocorre. Malgrado a “explicitude” sobre o alvo (se você deve), excluindo o inocente (não deve), descer ao nível dos simbolismos marginais pelo espargimento do terror é tergiversação repreensível, e deve ser evitado a todo custo. O alto-falante existe, mas seu uso deve ser técnico. Nenhuma utilização fora das prescrições deve ser tolerada. O BOPE estará atento para isto.
Afirmativa:O governo do Rio de Janeiro diz que um dos principais motivos para a utilização do caveirão é a proteção dos policiais em operações nas comunidades, mas por trás dessa justificativa, esconde-se uma ação militarizada baseada na noção da letalidade policial apresentada como eficiência, onde o “inimigo” deve ser eliminado.Refutação:O blindado é um carro que transporta policiais armados e equipados para locais de alto risco para suas vidas. Nenhum equipamento mortal existe na viatura além do armamento individual dos soldados. Diferente dos blindados militares que possuem acopladas metralhadoras, lança-granadas e outros petrechos, o blindado policial só difere de qualquer caminhão comum em razão de sua couraça, impenetrável até para calibres de alta velocidade, como dos fuzis. É um carro pesado, que não permite manobras rápidas, que produz forte ruído de motor por questões que a engenharia pode explicar. Por tais características, a surpresa muitas vezes necessária às ações policiais na aproximação de qualquer local, nunca é possível. Após três anos de uso são raros os casos de acidente envolvendo os carros, e, considerados os tipos possíveis, aquele que poderia causar maior dano, o atropelamento, até hoje nunca ocorreu. Imputar ao blindado características letais em si mesmo é revelar absoluto desconhecimento do objeto. A letalidade está, com efeito, nas armas, quaisquer que sejam, do revólver calibre. 22 aos fuzis, armas, aliás, que cada dia mais dispõe os criminosos. Todavia, não obstante as rotulações indesejadas como essa – inimigos – que facções entre si e policiais e bandidos se nomeiam, transpareçam sentimentos hostis, individuais ou coletivos, mas idiossincrásicos, isto se dá pela ação a cada dia mais para-militarizada do narcotráfico. Seus elementos armados se auto-intitulam soldados. Os antigos “olheiros” hoje são homens-rádio, ou radinhos, numa alusão aos soldados encarregados de portarem rádios transceptores nas guerras. Seus deslocamentos nas áreas que agem são feitos em “patrulhas”, organizadas de tal forma que os homens tem funções bem definidas, da observação ao suprimento de munições; da sustentação do fogo ao transporte de feridos. E é o Estado que militariza as ações? A PMERJ já foi criada com estrutura militar desde 1809, mas suas funções são de policiamento ostensivo. Investidura militar é uma coisa (disciplina, estrutura administrativa, organização hierárquica, fluxo de carreira etc.), mas militarismo é outra bem diferente. Então a conclusão é óbvia, veiculada pela mídia, conhecida pela sociedade: os bandidos militarizaram o narcotráfico!

Afirmativa:
Encurralados entre a polícia que ataca (grifo meu) as favelas e os traficantes que aí se instalaram, as comunidades mais pobres do Rio estão sendo vitimizadas e associadas ao crime.

Refutação:
A palavra "ataca", como outros verbos hipertensivos utilizado no discurso antipolícia, a exemplo de invadir (a policia invadiu a favela) mostra bem a idéia introduzida subliminarmente que propõe serem as favelas espécies de territórios independentes, governados pelas “forças locais”. O que a rigor deveria ser um espaço de presença robusta do Estado, com todos os serviços de qualquer natureza, e, aí, contar com o patrulhamento policial preventivo e repressivo como prevê a Constituição Federal, parece requerer um estranho status de inconcebível aceitação jurídica. Ora, é lógico que sem uma estratégia de ação que preconize o uso de técnica militar de proteção individual e coletiva em local onde o arsenal do tráfico está a espreita nas lajes, nos becos e no interior das construções, para letal emboscada contra patrulhamento, qualquer ação policial diversa que se intente nesses empórios galgará destino nos cemitérios da cidade, pois, sem nenhuma dúvida, terá por resultado a morte dos policiais. Todavia é verdade que as comunidades pobres do Rio de Janeiro sofrem com as troca de tiros entre policiais e bandidos. Para desarmá-los é necessário que se vá ao seu encontro. Nenhuma campanha de desarmamento os sensibilizará. Nenhum apelo os tornará mais dóceis. Nenhuma invectiva pelo discurso tirar-lhes-á sua disposição para aumento dos lucros pela expansão do negócio, o que promove guerras intermináveis entre facções e bandos. A repressão é o pior argumento, como a punição, mas ambos são necessários. Pobre população essa das favelas; reconheçamos! Não é contra ela que atuamos, mas contra seus “pseudo-senhores”.
Afirmativa:
A polícia mata centenas de pessoas a cada ano no Rio de Janeiro. Os padrões de investigação são baixos e, na maioria dos incidentes, os policiais envolvidos acabam impunes. A polícia declara repetidamente que as vítimas eram traficantes de drogas que morreram durante um “confronto”. Oficialmente, estes episódios são registrados como autos de resistência, uma categoria abrangente que subentende o uso de autodefesa por parte da polícia. No entanto, em inúmeros casos, existem indícios de que ocorreram execuções extrajudiciais e uso excessivo de força.
RefutaçãoQuanto a isso cabe à justiça se pronunciar. Embora o texto da acusação seja longo, seu conteúdo tem o tom da denúncia radical, vazia. Não requer contra-argumentação. AfirmativaCom o caveirão tornou-se extremamente difícil responsabilizar a polícia em casos de violência. Embora, em teoria, devesse ser possível, através de investigações balísticas, traçar-se a origem das balas para as armas individuais que as dispararam, na prática este procedimento não é usado e raramente são feitos exames. O anonimato dos policiais quando operam dentro do caveirão agrava o problema. Em conseqüência, os policiais atiram nas comunidades de dentro do caveirão sem medo de serem identificados e processados.
Refutação:
Sobre a ausência de investigações criminais após confronto armado, em especial das perícias e exames a essa afirmativa só pode haver refutação, ou explicação, pelo órgão de polícia judiciária. Todas as armas utilizadas por policiais recebem devido registro de distribuição para uso durante o serviço. Nenhum PM sai às ruas com arma não anotada em livro próprio. O controle é rígido. As solicitações de perícia para as armas sempre são atendidas. Todas as vezes que ocorrem confrontos o armamento das guarnições é arrolado nas delegacias, até porque, não procedimento para a lavratura de auto de resistência sem a identificação do policial e de sua arma. Aliás, se há auto de resistência é porque há autoria; não há negativa de participação no evento, mas, do contrário, afirmativa. Sobre o dito anonimato dos policiais é sabido que as viaturas são identificadas. Os policiais não estão embarcados à revelia de ordens, mas cumprindo escalas, ou seja, se estão onde não deveriam ou realizando o que não cabe, a responsabilidade já está definida.

Afirmativa:
Uma política inclusiva de segurança pública, baseada em técnicas de investigação e no respeito pelos direitos humanos, tem que ser introduzida sem demora. Somente então acabará o ciclo de violência no Rio de Janeiro.
Refutação:
A rigor esta é uma idéia que não deve ser refutada; pelo menos não no todo. Sobre políticas inclusivas de segurança pública, já de muito que a PM vem se debruçando sobre a questão. Estudos, pesquisas nas áreas da antropologia e sociologia, incremento de cursos com participação de organizações não governamentais, universidades, órgãos governamentais de promoção de justiça e cidadania, todas essas ferramentas têm sido utilizadas para alavancar o ideário de polícia cidadã que deve caracterizar a Corporação. Todavia, como enfrentar o desafio do banditismo armado com AK-47, espalhando terror e submissão, impostando-se desafiadores e incrédulos da punibilidade, sem utilizar implementos que se lhes anule a vantagem do domínio de área? Como patrulhar espaços na lógica sugerida, com policiais bonachões, sorridentes e tranqüilos, andando em becos e vielas de favelas, cumprimentando e abraçando efusivamente as pessoas, portando revólveres ineficazes de seis tiros? Há poucos dias a mídia noticiou a existência de trabalho de mestrado realizado em favela carioca cujas conclusões apontam para fracasso de experiência nesse sentido. Aliás, discordando da conclusão da dissertação, pela análise da idéia e não do rigor metodológico ou pertinência de conteúdos, entendo que a experiência não fracassou, se a proposta for manter um serviço de polícia não interventora, não saneadora ou mesmo não preventiva, visto que o tráfico de drogas em nada se alterou. Se o ideal coligido for do estabelecimento de uma fração somente presencial e informativa do escalão superior, a experiência é sucesso. O risco, aí, é a Unidade transformar-se em agência reguladora do tráfico estabelecido, unindo-se, involuntariamente, àqueles, na hipótese de “invasões inimigas”. Mas, não será uma pretensão exacerbada supor que “acabar com o ciclo de violência no Rio de Janeiro” é tarefa tão simples? Que basta observar o discurso iluminado dos críticos do sistema, aplicar seus conceitos humanistas, e o Carioca estará a salvo de suas dores sociais, vivendo em harmonia com traficantes e seus arsenais?Voltando ao blindado é fato que sua presença assusta. Todavia, devem temê-lo os criminosos, pois sua aparição significa presença policial. O blindado inverte a vantagem em favor da polícia. Ainda que as facções do tráfico nesses nossos dias disfarcem-se em etnocentrismos e desfraldem bandeiras sociais, nada são além de criminosos declarados, violadores das normas, leis e valores reconhecidos pela nação brasileira, não podendo ser reconhecidos, em hipótese alguma, como instituições, com risco de mergulharmos a sociedade numa dissonância cognitiva de graves conseqüências.

Há 197 anos a PMERJ se dedica a fazer Polícia. Entre erros e acertos segue buscando melhorar sempre, mas consciente da impossibilidade da perfeição. Mesmo assoberbada em inventariar as cicatrizes de seus homens e mulheres que sangram no solo fluminense, dispõe-se a ouvir seus críticos, aprender com seus opositores e silenciar ante a incompreensão exposta em acusações multidirecionais e eivada de preconceitos.

Lealdade, destemor e integridade,
MÁRIO SÉRGIO DE BRITO DUARTE
TENENTE CORONEL
COMANDANTE DO BOPE


sexta-feira, 19 de maio de 2006

O BOPE Vai Investigar



O campo das idéias é terreno de lutas que freqüentemente apresenta ruidosas batalhas entre contendores, movidos por convicções que se apresentam como bússola orientadora de suas inclinações. Muitas vezes, os provocadores de uma discussão, da qual se é inevitável enfrentar, esperam que se lhes mova campanha difamadora, com intuito de faturarem com a agressão, expondo-se vítimas da injúria.
Todavia, analisar-lhes as idéias, e apontar paradoxos e incongruências no que dizem ou promovem, é fato legítimo, pois a discussão do pensamento é sempre preferível ante fazê-lo sobre o pensador.
Assim, na hipótese de lançar anátema sobre os autores do livro “A Elite da Tropa”, obra que pretende, segundo os escritores, revelar, na forma de ficção, toda sorte de violações cometidas pelos integrantes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) durante um período de sua existência, convém analisar-lhes os objetivos explicitados; avaliar, também, o meio escolhido e projetar os resultados possíveis do empreendimento.
Vejamos:

Na entrevista concedida ao jornal O GLOBO do dia 28 de abril — aliás, espetacular espaço de duas páginas completas — os autores se permitem não apenas adiantar trechos do livro, mas radiografar o Bope, fazendo uma descrição crítica de sua “atuação equivocada”, ideologizada e formadora de uma mentalidade, ora causa, ora conseqüência, da identificação do grupo como “tropa de guerra”. E reforçam, deixando claro que se trata de um apanhado de “histórias reais que teriam acontecido”, misturadas, “alteradas e recombinadas”, recolhidas das “experiências de dois dos autores” e colegas não citados.
A entrevista se dedica, também, a apresentá-los com suas credenciais, e aí ficamos sabendo que dois são capitães da PM, que serviram, ao longo de vários anos, no Bope, comandando tropa nas operações de intervenção, em áreas de forte presença do narcotráfico. O outro, sociólogo que experimentou atuar diretamente na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, no final da década de noventa e início de dois mil.
Embora o livro não seja anunciado como produto de trabalho científico, com os rigores que lhes seriam exigidos, caso tivesse tal pretensão, subliminarmente é apresentado como tal, pois, conhecido como “especialista em segurança pública”, célebre pesquisador de renome internacional que não arriscaria sua credibilidade em exposições “achistas”, levianas, o professor, co-autor (da obra), ao declarar que “O Bope é...” e não apenas “O Livro é...”, naturalmente empresta chancela de autoridade no conhecimento de fatos, apresentados por ficção na literatura supra-real.
E então, ao garantirem que tudo está difuso e misturado, a fim de se impedir a identificação das pessoas, promovem um incômodo que aos poucos se acentua no leitor mais atento, porque, com efeito, aquilo que inicialmente parece algo positivo, com ares de posicionamento ético, e digno de aplausos de aprovação, estanca em perguntas que são absolutamente óbvias: “Será que os dois capitães assistiram a quaisquer daquelas coisas horrendas? Será que não são eles mesmos os criminosos? A confissão escamoteada e remunerada (o livro deverá render muito) os isenta dos crimes que podem ter cometido?”
Ora, se tudo isso for verdade, há débitos com a lei que precisam ser resgatados. Não será a publicação do livro escandaloso que lhes promoverá redenção. Irá render-lhes, certamente, consagração e festejos nos meios intelectuais, mas a injustiça se apresentará ainda mais desafiadora; afinal, que dizer aos familiares das vítimas? Como lhes explicar que criminosos por ação ou omissão estão vindo a público expor as imolações e o assassínio de seus parentes e ainda irão lucrar muito com isso?
É bem certo que ninguém é obrigado a produzir prova contra si, e não creio que os dois policiais escritores se apresentem ao Ministério Público voluntariamente, nem mesmo para delação premiada. Caberá ao Bope colaborar para a elucidação dos fatos, desmisturando-os, descombinando-os e descobrindo-lhes autoria, para que “léxico e sintaxe”, como nas palavras do erudito sociólogo, não sirvam somente para escandalizar uns e enriquecer outros. Para isso, o Batalhão espera contar com a colaboração dos próprios autores e já adotou providências iniciando a recuperação dos registros das intervenções dos dois oficiais, durante todo o período que estiveram entre seus “homens de preto”.
E, por fim, há algo que eles podem fazer para não amargar a perda da respeitabilidade. Algo que não afastará, certamente, as sombras do passado que talvez incomodem os capitães, como “demônios do não esquecimento”, os quais buscam exorcizar na catarse remunerada. Basta que façam doação de tudo que arrecadarem com a venda do livro às famílias que tiveram parentes mortos no período que eles serviram ao Bope. As Ongs dedicadas aos direitos humanos podem ajudar a encontrá-las.
Talvez, assim, “A Elite da Tropa” poderá ser compreendida como obra séria, e não como irresponsável, mas estratégica alavanca para visibilidade de candidatos, num ano eleitoral.
MARIO SERGIO DE BRITO DUARTE é comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro.
Publicado em "O Globo", em 9 de Maio de 2006

Opressor é o Tráfico, não o "Caveirão"


A discussão que se tem feito em torno da utilização de viatura blindada para transporte de pessoal, implemento de proteção oferecido pelo Estado aos policiais que operam em situações e áreas de grande risco, é salutar e enriquecedora. Refletindo a solidez democrática que alcançou o Brasil dos nossos dias, algumas organizações não-governamentais se apresentam por seus críticos, pretendendo sua extinção e teorizando ser uma ação militarizada baseada na noção da letalidade policial apresentada como eficiência, onde o "inimigo" deve ser eliminado. As ongs buscam conquistar adeptos para sua campanha em todos os segmentos sociais, distribuindo panfletos, cartões e veiculando mensagens na internet. Com uma retórica anti-"Caveirão", como são conhecidos os blindados do Bope, inferem toda sorte de transgressão e violação possível aos ocupantes das viaturas, e declaram que a polícia utiliza como "desculpa" o discurso de que as comunidades vivem situação de guerra onde, todavia, não há ideologias em conflito, disputa de poder político em territórios e nem presença de observadores internacionais. Embora refutando tais argumentos, importa-nos reconhecer a legitimidade e a importância dos trabalhos realizados por instância de direitos humanos para governamentais, bem como, até que se prove em contrário, a intenção objetiva de se postarem em defesa dos desapossados e indefesos. Todavia, ao atacar o instrumento de proteção dos policiais utilizando argumentos ideologizados, as ongs promovem desinformação e propiciam a si o descrédito.Vejamos:Ao contrário do que dizem, o "Caveirão" não é uma viatura militar, mas um carro civil; não possui acopladas metralhadoras, lança-granadas e outros petrechos. É utilizado, essencialmente, para conduzir policiais a locais de alto risco, e nenhum equipamento mortal transporta além do armamento dos soldados. Após três anos de uso, são raros os casos de acidente e, considerados os tipos possíveis, aquele que poderia causar maior dano, o atropelamento, até hoje nunca ocorreu. Imputar-lhes características letais é revelar absoluto desconhecimento do objeto. Ao inverter a lógica de proteção ao policial pretendida pelo Estado creditando-lhe uma política belicista, as organizações parecem fechar os olhos às táticas utilizadas pelos bandos. Parecem não saber que os empórios em que estão estabelecidos já de muito se apresentam paramilitarizados; que seus elementos armados se intitulam soldados; seus "olheiros", homens-rádio, ou radinhos, numa alusão aos encarregados de portar transceptores de comunicações nas guerras; que se deslocam em formação de "patrulha", quando todos têm funções bem-definidas: da observação do "território" ao suprimento de munições; da sustentação do fogo ao transporte de feridos. É forçoso concluir, pois, que, em locais onde estão à espreita, seja em lajes, becos, interior de construções ou trilhas de florestas para letal emboscada, uma estratégia de ação policial que preconize o uso de algumas técnicas militares de proteção individual e coletiva é requerida, com risco de sua inobservância trazer, por conseqüência, a morte de agentes da lei. Mas se o tráfico nefasto, belicamente poderoso, infiltrado nas favelas, apresenta-se com as tinturas culturais do ambiente, isto também não justifica a colocação dessas populações num só caldeirão de estereótipos gerais.Ninguém merece tratamento hostil e autoritário porque reside em área carente, porque é pobre, negro, homossexual ou pertença a qualquer grupo de minoria. O tom imperativo necessário em ações policiais deve atentar para os protocolos de respeito e urbanidade instituídos socialmente. Os homens do Bope sabem disso. Compreendem que morador é morador e bandido armado é bandido armado. Pretender inferir ao batalhão um rótulo de opressor da favela, inimigo do bem e promotor do mal como se lê nas entrelinhas do discurso das ongs é fracassar na empresa. Opressor é o tráfico que alicia crianças para "trabalhar" no seu "negócio", expondo-as ao destino cruel das guerras de facção que muito cedo vai tirar-lhes a vida; que escraviza seu organismo somático e psíquico pela dependência química, transformando-os em entes descartáveis. O Bope intimida, sim, esses criminosos; encurrala-os, força-lhes a debandada, encaminha ao cárcere ou fere, com a mesma arma que empunham, aqueles que buscam atentar contra seus homens, já que este é princípio fundamental do direito: a legítima defesa. Ainda que os bandidos dos nossos dias se disfarcem em etnocentrismos e desfraldem bandeiras sociais, nada são além de criminosos declarados, violadores das normas, leis e valores reconhecidos pela nação brasileira, não podendo receber tratamento reservado a organismos e instituições. Daí a inexistência de observadores internacionais para fiscalização das convenções e tratados, a que aludem as ongs. Não há guerra, mas criminalidade violenta. Não há revoluções ou insurreições, mas bandidagem sem limites. É necessário que se vá ao seu encontro. Nenhuma campanha de desarmamento os sensibilizará. Nenhum apelo os tornará mais dóceis. Nenhuma invectiva pelo discursovai tirar-lhes a disposição para expansão do horror imprevisível no local e no tempo. Não é contra as comunidades que o Bope atua, mas contra seus "pseudo-senhores".
MÁRIO SÉRGIO DE BRITO DUARTE é comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope)
Publicado no jornal "O Globo", em 13 de Abril de 2006