domingo, 4 de outubro de 2009

Com o tempo

Eu sou um copiador.

Nada do que escrevo ou faço é original.

Vivo repetindo isso a qualquer que me atribua uma sacada inventiva, uma jogada criativa.

Minhas palavras não são minhas; meus conceitos não me pertencem. A moral que considero e me esforço por seguir é uma cópia muito imperfeita e mutilada de exemplos que conheci ao longo da vida. A ética que adoto, aprendi de alguém.

Mas, doutra sorte, seja como for sei que a responsabilidade por todas as abstrações, atos e fatos é somente minha.

Houve um tempo em que eu me julgava bem melhor do que sou.

Na juventude as coisas se nos parecem assim: se há ética, somos os mais éticos, se há moral, somos os mais morais, se há capacidades, somos os mais capazes, se há virtudes, somos sua excelência.

Platão e Nietzche apresentaram pontos de vista diferentes sobre tais questões, em Hípias menor, Ménon, Críton e A Genealogia da Moral.

Para um, esses valores existem num modelo perfeito e não acessível no mundo sensível; para outro, são construções meramente sociais e, então, humanas, inventadas por espíritos mais fortes para a escravização dos mais fracos ao seu modelo.

O mais importante é que os valores foram objeto de suas meditações.

É bem verdade que a nova interpretação que faço de mim mesmo, nesses dias, não é exatamente produto de uma evolução do meu espírito, de um polimento que dei na alma ou porque me tornei mais humilde.

Sem essa! Não é nada disso!

A questão é bem menos filosófica. Eu apenas estou envelhecendo!

Nelson Rodrigues nos convidava ao envelhecimento. Ele dizia: jovens, envelheçam!

Acho que ele estava a nos dizer: vivam, não morram precocemente para que tenham tempo de se arrepender de seus preconceitos, das injustiças que praticaram. Vivam para construir os acertos sobre os enganos e contemplar tudo isso com um sorriso revelador de auto-recriminação que carreia o perdão, a desculpa de si!

Fiz cinqüenta e um anos em setembro, no dia 7.
Passou meio que desapercebido; não gosto de festas e pedi aos parentes e amigos mais próximos para que não alardeassem. É um dia que já tem festa demais.

Houve um tempo em que eu me julgava bem melhor do que sou, e se querem saber eu era mesmo, fisicamente.

As dores do corpo chegaram depois do que as da alma, é verdade, mas a contemplação das pisadas em falso na caminhada da vida só nos é possível, quando os olhos da alma vão se tornando mais lúcidos, na mesma medida em que os olhos do corpo necessitam de lentes.

No ano passado encontrei um velho professor (talvez nem tão velho!) com quem eu havia tido alguns problemas, por conseqüência de concepções diferentes de interpretação da realidade.

Que coisa importante, não?

O professor argumentava A. Eu refutava B. Eu o provocava debochadamente e ele me reduzia à minha posição de aluno impertinente.

Eu me acreditava investido de superioridade argumentativa que me credenciava ao exercício do emparedamento do outro, quando, na verdade, estava sendo apenas mal-educado e pretensioso.

Graças a Deus, no ano passado pude pedir desculpas ao professor.

Não sou melhor hoje, com melhores argumentos e capaz de melhores silogismos. Apenas posso enxergar os defeitos que me acompanham e tenho celebrado como qualidades, estupidamente, em gozo interior, e que o tempo e seus benefícios vêm se encarregando de esfregar na minha cara.

Platão nos advertiu quanto àqueles que odeiam os poderes estabelecidos apenas para que possam estabelecer os seus.

Posso ver melhor isso hoje. Muitas vezes protestei, asseverei mal, julguei outros incapazes de realizar o que eu realizaria, desqualifiquei seus discursos e suas ações. Verdadeiramente eu postulava a condição do outro, sua luz que eu não tinha.

Um dos meus maiores alvos na juventude foi o Coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira.

Há dez anos ele se foi, exatamente no dia 14 de setembro de 1999.

Um homem com qualidades, muitas qualidades e sem dúvida defeitos também.

Pouco consegui ver de suas qualidades na minha juventude. Posso vê-las hoje e não teria tempo para enumerá-las agora.

Há dez anos o Coronel Cerqueira se foi, assassinado fisicamente para viver na história, a memória registrada dos homens.

Fiz cinqüenta e um anos; se conseguir, na minha tarefa deste tempo, realizar um décimo das realizações do coronel Cerqueira como Comandante Geral da PMERJ, sairei feliz da jornada.

Continuo pensando diferente dele em muitas coisas; desta forma ele ainda vive para mim, mas tenho copiado um tanto das suas sacadas e seus construtos.

Agora nossa dialética metafísica está mediada pela madureza; a minha madureza que me faz enxergar seus motivos, seu trabalho, suas virtudes, sua luta.

Continuarei discordando dele em muita coisa; ou não.

Ainda pretendo envelhecer muito mais.

sábado, 26 de setembro de 2009

Sobre lobos e ovelhas

O tiro do Busnello acertou em cheio.

No Brasil não temos muitos registros de ações com reféns em que o agressor tenha sido atingido por atirador de precisão, com conseqüente libertação da vítima.

Verdadeiramente não me lembro de nenhum caso que encerre sucesso.

Em São Paulo, em 1990 o cabo da PM paulista e atirador de elite Marco Antonio Furlan, disparou contra um assaltante, mas acabou também matando a refém, a professora Adriana Caringi, quando o projétil acertou com precisão a cabeça do criminoso, atravessou-a e veio atingir também a vítima. Os efeitos transfixantes do calibre 7,62 ainda eram pouco conhecidos entre policiais paulistas e isso foi decisivo para a tragédia.

Em 2000, aqui no Rio, outra tragédia: Um assaltante descontrolado que mantinha reféns foi inutilmente preservado em detrimento das vítimas que ameaçava. Durante longos minutos esteve sob mira de atiradores de precisão do BOPE, que aguardavam uma ordem para agir. O desfecho foi trágico. A ordem não foi dada, o alvo não foi posto fora de ação e mais uma dor encheu as páginas dos jornais por semanas.

Ocorrências com reféns encerram uma questão transcendente às interpretações meramente jurídicas.

Ela se afasta, por exemplo, e totalmente, dessas em que criminosos armados se vêem cercados, confinados em algum lugar onde armam posições barricadas e sinalizam disposição para reação.

Mesmo em situações assim, com risco potencial à vida dos policiais agentes do Estado e detentores do monopólio do uso de armas, compreende-se que a busca na preservação da vida agressora está em consideração inequívoca a partir da relação Estado versus transgressor, e o Estado, como sabemos, deve a qualquer custo preservar vidas.

Ora, se aqui mesmo já nos soa um tanto estranho essa consideração, posto que o Estado, nesse caso, não é um ser abstrato, mas um conjunto de seres humanos de uma categoria chamada polícia que não merece perecer em mãos bandidas, no caso de ocorrências com reféns a questão se simplifica pelo agravamento, porque, a participação da vítima-refém exige uma escolha e, aí, devemos enfrentar uma questão filosófica do campo da axiologia. Explico:

Numa ocorrência com refém, o Estado, que deve preservar vidas, corre o risco de sacrificar a vida inocente ameaçada se agir com vacilações a pretexto de preservá-las, todas, a qualquer custo.

É verdade que o direito prevê a excludente de criminalidade pela legítima defesa própria ou de terceiro para casos assim, mas a prevalência das considerações políticas e ideológicas na consideração de interpretar o marginal violento como vítima da sociedade, como fizeram de Sandro Barbosa do Nascimento, o seqüestrador do caso 174, têm sobressaído nos julgamentos intelectualizadose outras opiniões "abalizadas".

E, então, nos situamos na axiologia, ou teoria de valores, e vou defender até a morte a necessidade de proteção do inocente ante o agressor.

O célebre Victor Hugo disse certa vez que Quem poupa o lobo sacrifica a ovelha.

Não pretender a morte do criminoso sim, daí a extensa e intensa negociação do coronel Príncipe com o marginal, cara a cara, mesmo expondo sua própria vida quando o bandido manuseava uma granada sem trava de segurança.

Mas isso pára aí.

Deus nos livre daquela granada explodir.

Deus nos livre de lamentar sangue inocente por pusilanimidade, inabilidade ou miopia para o mal; cegueira para a verdade.

Há nove anos Príncipe também estava lá diante de Sandro, armado e ameaçador.

Senti um arrepio quando vi a cena na televisão da ocorrência dessa sexta-feira de sucesso na Tijuca.

Dessa vez foi diferente, pois ele era o comandante.

O coronel Príncipe tinha a situação em suas mãos e coube-lhe ponderar a preservação da vida inocente a qualquer custo.

Busnello acertou em cheio, acertou seu alvo, salvou algumas vidas, principalmente a da comerciante Ana Cristina Garrido, refém no episódio.

Busnello acertou em cheio, promovendo uma explosão de emoções e sensação de alívio em quem acompanhou todo o drama no local.

Busnello é um integrante do 6º BPM, o Batalhão da Tijuca comandado pelo Tenente Coronel Príncipe. Ontem ele cumpriu sua missão de servir e proteger, mas não teve alternativa: para preservar a ovelha, teve que sacrificar o lobo.

Agora sim, o Zé Padilha pode fazer um filme com final feliz.

Força e Honra aos valentes do Batalhão da Tijuca!

sábado, 1 de agosto de 2009

Vá e vença!


Só um dia antes da minha assunção no comando geral da PM foi que parei para refletir sobre as conseqüências à minha vida pessoal que a função poderia trazer.

Aprendi com o tempo a não ter expectativas na corporação e apenas fazer meu trabalho.

Sempre que agi diferente, me frustrei.

No início, acalentei o sonho de comandar a companhia de rádio patrulha e PATAMO do 12º BPM, mas isso nunca se deu, embora tenha servido naquela gloriosa Uop por sete anos, assumindo inúmeras funções.

No 7º Batalhão, ainda Capitão, pensei em trabalhar na P/2 como chefe, já que estivera adjunto de duas chefias. Ansiava mesmo isso, mas, não aconteceu, e fui comandante da Cia de RP e PATAMO, além de P/3 e P/4.

Nunca me imaginei, todavia, comandando a Academia, ou o 22º Batalhão.
Essas me eram Unidades "distantes", sem uma relação histórica, ainda que, no caso da APM, tivesse passado três importantes anos de minha vida como cadete.

Foi nestas organizações, justamente, que iniciei nova fase da carreira como seu comandante.

Isso se repetiu muitas vezes ao longo da minha vida e resolvi parar de ter expectativas, de ansiar, por exemplo, por comandar o 12º BPM, onde fui aspirante; as coisas simplesmente foram acontecendo: comandei o BOPE, fui Superintendente na SSPIO, presidente do ISP e, então, Comandante Geral.

Uma jornalista me perguntou no dia da posse do Delegado Alan Turnowisk, na PCERJ, seu eu estava preparado para ser o "CG" se tivesse que assumir o cargo.

Não estranhei sua pergunta, afinal, só se falava disso na mídia.

Respondi para ela que todo coronel da PM tem a obrigação de estar pronto. Se houvesse algum que não se sentisse capaz de assumir a função, não poderia estar na ativa; e completei, em tom de brincadeira, que não me sentia capaz, todavia, de assumir a PETROBRAS ou o cargo de treinador do Vasco.

Creio que na nossa vida profissional as coisas devam funcionar assim; devemos estar prontos para as missões que nos cabem.

Todos devemos ter plenas condições de corresponder às expectativas básicas de um chamado legal e legítimo.

Algumas pessoas estranhas à profissão acreditam que é fácil ser policial militar.

A grande maioria com as quais conversei mais detidamente sobre isso, falavam assentadas no "toco" de seus preconceitos.

Umas até argumentavam que "se é soldado então não se requer conhecimento de nada além de alguns manuais, ordem unida e manuseio de armas".

Reconheço que há muito preconceito no mundo. Isso começa já na distinção que fazemos de nós mesmos em relação ao "outro"; se é o "outro", então não possui as qualidades que "eu possuo", mas possui os defeitos que "eu não possuo".

Levamos isso para o "eu coletivo" também.

Se "o outro coletivo" não tem nossas representações, "nosso eu de grupo", "nosso eu cultural", "nosso eu de classe", logo julgamo-lo desclassificado, quando não mesmo oposto.

Talvez as pessoas não façam reflexões sobre isso e reproduzam um discurso preconceituoso sobre a profissão policial militar.

Por desconhecer a gama infinita de serviços que nossos soldados prestam à sociedade todos os dias, deixando, não raro, o chão encharcado com o seu sangue honrado, não reconhecido e muitas vezes desprezado, muitos tripudiam sobre seu valor.

Não atentam, penso, esses julgadores, para o fato de que nossos policiais militares são a principal frente de defesa para sociedade, atendendo a população nas mais variadas situações que exigem reflexão e conhecimento básico em vários temas, marcadamente do direito e suas leis, e outros das ciências de humanidades.
Mas, se o "cliente" da PM - expressão que só uso aqui por um certo modismo, já que não sou seu adepto, - pouco crê, ou sabe, das habilidades que o dia-a-dia requer dos nossos homens e mulheres, não podemos não tê-las, e, aí, temos que conhecer bem nossa profissão em qualquer nível de carreira que ocupemos, posto que, nas ruas, pouco importa ao cidadão se quem o atende é soldado ou coronel e nunca sabemos o que será exigido de nós.

Nos dias que antecederam minha assunção no comando geral, pensei muito nisso.

Fiquei tentando imaginar que exigências terei que enfrentar.

De cara sei que há as exigências da população por melhoria na segurança, as exigências da mídia por informação, as exigências do sistema de justiça para atendimento de suas necessidades, há as exigências dos protocolos sociais e políticos, há as exigências das metas, as exigências da família, e, principalmente, as exigências da corporação: de seus homens e mulheres ansiosos e merecedores de atenção, respeito e agregação de valor em suas carreiras de sacrifício, o que inclui condições de trabalho, salário, assistência social, alimentação, transporte, férias, assistência médica, acesso ao conhecimento etc etc etc.

Ufa!

Sempre pensei nessas coisas a vida toda na PM, mas nunca parei para pensar o que poderiam me trazer de conseqüências pessoais ao enfrentar esse desafio.

Se parasse para pensar talvez não fosse hoje o Comandante Geral, porque, certamente, não sairei dessa sem um grande desgaste para o corpo e para a alma.

Eu tenho um plano, é verdade, que se inicia na busca de promover equidade.

Essa foi a palavra que encontrei para juntar todas os modelos formais de justiça para a aplicação na PM.

Iniciamos nosso comando com a estratégia de ouvir a todos; se não individualmente, ao menos coletivamente; daí as reuniões com os representantes dos círculos, quando temos recolhido grandes sugestões sobre as quais nos debruçaremos sobre elas, como, por exemplo, os cursos à distância com provas presenciais. Essa já é noventa e nove por cento certo de sair, embora não seja rápido e precisemos de um tempinho para arrumar as coisas.

Uma grande idéia recorrente foi o pagamento de horas extras. Vamos trabalhar por isso.

As idéias são às centenas, estamos compilando e depois vamos apresentá-las, discuti-las nos círculos, analisá-las, descartá-las ou ampliá-las.

Outra ação que acabamos por realizar foi a adoção de um novo e único boletim disciplinar. Compreende-se que nas FFAA isso seja diferente, mas na PM não deve ser. Aqui não temos quadros temporários, de conscritos, então, para que possamos promover equidade disciplinar não podemos deixar que haja sectarismos disciplinares. As recompensas e punições devem ser conhecidas por praças e oficiais sem vedação de acesso, e, se, para as faltas comuns de caserna não é imprescindível sua veiculação em boletim ostensivo de acesso público, o mesmo não podemos dizer daquelas que atingem pontos de honra da profissão, e que, a seu turno, não deixarão de serem publicadas em boletim ostensivo, consoante o que será regulado.

Entendo que a profissão deve ser cada vez mais valorizada, daí querermos mudar o critério de ascensão na carreira, mas é claro que não haverá perda de promoção para ninguém. Eu seria cruel se pretendesse isso. Há milhares de policiais militares aguardando uma promoção que lhes melhore o salário e a auto-estima e eu nunca cogitei de podar-lhes as aspirações.

Todavia, não pode o candidato de hoje, aquele que ainda nem entrou na PM, já se enxergar subtenente, e, por isso, vamos encontrar uma maneira de preparar o futuro, todos juntos.

É verdade que comandar assim é desgastante.

Osório, um dos maiores generais brasileiros de todos os tempos dizia que era fácil a missão de comandar homens livres, bastando que se lhes mostrasse o caminho do dever.

Estou com Osório e por isso creio que antes do regulamento disciplinar há o sentimento irrefreável do dever norteando nossas condutas.

Estou me desgastando muito, conversando muito, dialogando muito, debatendo muito, respondendo a muitos e-mails, lendo sugestões e críticas com paciência e resignação.

Não sei comandar de outro jeito.

Não sei também ser indiferente à dor, mas estranhamente sou contido na alegria.

Na próxima semana já não mais usarei este blog como interlocução de meu comando.

As postagens aqui voltarão a tratar de segurança pública e não mais sobre a PMERJ exclusivamente.

Mas continuarei postando, embora isso vá diminuir muito, pois preciso de tempo para descansar.
A função de Comandante Geral pode ser exercida de muitas maneiras e escolhi o diálogo e a valorização do profissional como balizadores.

Sou contra performances que não contribuem com o engrandecimento humano. Não consigo entender que para alguém se mostrar grande, deva diminuir o outro, em especial em público.
Se eu disse que devemos vencer a preguiça, foi porque estava falando do desânimo que nos invade a alma e nos faz descrentes de mudanças.

Mudanças incomodam, mas elas estão acontecendo.

Estou sem tempo para ler meus livros; o blog Casos de Polícia, o blog Repórter de Crime, o blog da Segurança, o Rebouças e Santa Bárbara e isso é doloroso para mim.

Aliás, tenho lido o "Praças da PMERJ" e queria aproveitar para dizer à Mônica e ao CB Verdade, que reflito com atenção sobre o que dizem, e se me permitem uma sugestão, melhorem cada vez mais o espaço.

Reflitam para o fato de que o nome do Blog e o que estiver postado nele vão dizer da qualidade dos nossos profissionais, com as angústias e necessidades que expõe.

Ele é cada dia mais lido pelo público externo, e a opinião pública o verá como mais uma fonte de aferição das qualidades dos praças da corporação; seus pontos de vista e dimensão deontológica em que se inserem.

Vou ficando por aqui.

Mesmo sem ser um homem religioso me ocorre, mais uma vez, lembrar Jesus quando disse Eu vim lançar fogo sobre a terra; e como gostaria que ele tivesse ateado.

Era do fogo das mudanças, das transformações no solo das nossas existências que Ele falava.

Haverá ceticismo, descrenças, desânimos, falta de cooperação, torcida contra e todo tipo de obstáculos, mas, ainda assim, iremos tentar.

Não se aconselhem com receios, dizia, a seu turno, o general Patton aos seus comandados.

Vou continuar tentando não me aconselhar com os meus.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Cabos e Sargentos da PMERJ

Prezados leitores,
Esta postagem está sendo publicada aqui em razão de não termos ainda o Blog do Comandante Geral da PMERJ.
Logo estará ativo.

Toda promoção é conseqüência de mérito.
Quando não é fraudulenta, claro.
Sistemas de controle podem ser burlados.
Alguém, desses que costumamos chamar “espertalhões,” podem encetar simulacros e enfiar-se em meio àqueles que verdadeiramente merecem ser promovidos.
Isso acontece no meio civil e militar.
Na PM, particularmente, há pelo menos três formas de promoção por mérito.
1. O mérito “normal”, colhido no exercício da profissão consoante o ingresso em determinadas condições satisfatórias, que fazem o profissional alçar um degrau na carreira e é conhecida por promoção por tempo de serviço. O tempo de serviço é uma consideração essencial, mas não única, pois exige outras em que se leva em consideração, por exemplo, as situações judiciárias e militar e o Quadro Profissional onde o PM se insere.
2. O “mérito especial”, aquele em que o PM conquista e permite-lhe alçar um degrau da profissão antes de outros com tanto ou mais tempo de serviço do que ele. Isso ocorre nas chamadas promoções por merecimento. Nesses casos, todas as outras condições expressas anteriormente são satisfeitas, mas, além disso, a Corporação reconhece qualidades profissionais nos seus integrantes que o credenciam à promoção naquele tempo, antes de outros.
3. Há também as promoções por bravura, com critérios especiais onde o tempo de serviço não conta tanto, mas, sim, a ação encetada, além da satisfação de algumas condições, como a situação judiciária do aspirante (no sentido amplo) à promoção.
Não vou levar em consideração outras possíveis formas de promoção, embora haja.
Também esclareço que essa foi a forma pedagógica que encontrei de fazer com que os leitores deste blog, na maioria civis, saibam como mais ou menos funcionam as promoções.
Não há, pois, promoção que não seja por mérito, a não ser que haja crime, falsificação, simulacro.
A promoção por tempo de serviço é uma promoção por mérito também.
Claro que é.
Reconheço isso.
Todavia, a carreira de Sargento é excepcionalmente importante para uma instituição militar, de modo que não que não pode ficar relegada a um ponto secundário, rebaixada de sua condição e estatura; tratada como paliativo remuneratório e instrumentalização política.
O Sargento da PMERJ tem uma importância muito grande para nossa instituição.
E para a sociedade principalmente!
Ele é, como se diz no universo das Forças Armadas, o elo entre o comando e a tropa.
Sargentos têm a obrigação de conhecer bem sua profissão; os aspectos jurídicos, militares, sociológicos, administrativos, tanto para aplicação no ambiente interno quanto no ambiente externo no contato com o público.
Infelizmente, o sistema criado no passado se naturalizou como único possível.
Mas há saída e ela deve ser buscada.
É hora de agregar valor à carreira de todas as formas possíveis.
Há excelentes Cabos e Soldados ansiosos por concursos internos para Sargentos; estudiosos, cultos, trabalhadores nas escalas e nos indesejados e estressantes “bicos”, que, mesmo com todas as dificuldades, se entregariam de corpo e alma aos estudos por uma vaga num CFS.
E isso vale para os Cabos também!
Para o CFC, sim!
Cabo PM não é só um compasso de espera. Cabo PM é uma graduação de COMANDANTE.
Cabos são comandantes de guarnição e guarnição PM!
Promoções meritórias com fundamento principal no tempo de serviço, e não no lustro profissional, não pode ser a marca da PMERJ.
Vejam o desestímulo dos nossos Praças cursados!!
Foram sendo ultrapassados nas promoções, deixados de lado, esquecidos no receio comum de quem enfrenta grandes problemas causados por outros. Não foram nossos últimos Comandantes Gerais que criaram tal situação, mas terá que ser resolvida.
Cabo PM e Sargento PM são graduações profissionais de conhecimento além de braços de combate.
São graduações de saber, de interpretar, de escrever bem como escreve a Mônica, do blog Praças da PMERJ; como escreve o CB Verdade, do mesmo espaço; como escreve e argumenta bem o Praça Mário Taqueus e outros que têm escrito para mim com críticas e sugestões.
Tenho dito, e repetido, que nossa Corporação tem que ser um corpo militar com regras claras que promovam equanimidade e justiça.
Somos uma Polícia Militar com mais de 37.000 valorosos homens e mulheres que quer e deve ser respeitada pelo que fazem e pelo que sabem.
Chega de especialistas “de fora”. Nossos CABOS é que devem ser especialistas em segurança pública. Nossos SARGENTOS é que devem ser reconhecidos como especialistas em segurança pública ainda mais.
Sonho com o dia em que instruídos e bem remunerados, Cabos, Sargentos e Subtenentes da PMERJ possam comparecer aos debates nas universidades e outros espaços democráticos de socialização do saber, para deixarem suas marcas de profissionais conhecedores na clareza das idéias e domínio cognitivo sobre seu universo de trânsito profissional; muito, muito além de meros repetidores ou “operadores do sistema”.
Não me ofendo Mônica, se você diz que mando uma bola fora.
Sua crítica é bem-vinda.
Quer saber, eu também pensaria e diria o mesmo muito provavelmente até conhecer o todo do que se pretende.
Vou mandar muitas bolas fora simplesmente porque estou arriscando acertar; só arriscando o chute podemos acertar.
Já sei, de antemão, que não vou agradar na maior parte do tempo e não anseio isso, mas o que está estragado deve ser consertado.
Outros tentaram e falharam.
Nossa chance agora é maior porque vamos consertar juntos.
Daí a comissão de círculos que vai integrar o estudo.
Vai sugerir, argumentar, se comprometer e fomentar a decisão.
Vai ser um grande trabalho de muitas mãos, de muitas patentes, de muitas graduações.
Vai ser um trabalho lento, gradual, nada será decidido sem muita reflexão e participação de todos.
Toda promoção é meritória, mas em honra à importância da graduação de Cabos, Sargentos e Subtenentes, vamos construir, juntos, uma carreira na qual não haja qualquer dúvida disso.
Somos uma Corporação de Bravos.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Eu queria falar sobre o Enio.

Prezados comentaristas e leitores do meu blog

Essa vai ser uma postagem insossa.

Vai ser sem conteúdo; não vai tratar de qualquer tema polêmico, como me apetece fazer.

Eu uso meu blog com pouca diversificação.

Os temas variam entre nossas dores da família policial militar, o heroísmo dos companheiros (como Jorge Bocanca), as ideologias presentes nos discursos, as falácias do marxismo etc, tudo concernente ao campo da segurança pública.

O meu blog não é um "blog de polícia", mas de segurança pública com abordagem filosófica.

Eu realmente hoje não gostaria de escrever esta coisa sem sabor que estou colocando na tela.

Há alguns motivos para isso, para que aconteça, então, assim.

Primeiro é que estou muito cansado. Eu trabalhando um bocadinho mais do que de costume e já percebo que preciso ter mais de três horas de sono.

Como só tenho tempo para escrever à noite, já bem tarde, as idéias embaralham, não consigo mais concatenar o pensamento de forma lógica.

Eu estou falando isso porque eu queria escrever um belo texto sobre o Cabo Enio.

Eu queria escrever sobre o Enio, meu subordinado e meu amigo, que a Providência Divina chamou para junto de Si.

Eu queria escrever para dizer do que senti quando ouvi na viatura, no deslocamento para o quartel, a notícia de que um policial do BOPE acabara de ser baleado e se chamava Enio.

Mas vou deixar para outro dia.

O Cabo Enio merece de mim uma homenagem à sua altura.

Eu vou fazer isso, preciso fazer isso, é por mim, não é por ele.

A memória do Cabo Enio não será engrandecida com minhas palavras.

Sua memória está inscrita na consciência de cada um que teve o privilégio de conviver com ele.

Ainda vou escrever sobre meu amigo Enio, sobre suas caricaturas, sobre sua lealdade, sobre sua coragem e sobre seu amor pela família: sua mãe, sua mulher e principalmente suas filhas.

Então, na impossibilidade de fazer isso pelos motivos explicitados, aproveito para postar um agradecimento a todos pelas mensagens de força e boa-sorte que tenho recebido.

Não vai ser fácil comandar nossa PM.

Não há nenhuma garantia de que qualquer coisa dará certo, mas é verdade que estou muito seguro de tudo.

Tenho uma grande equipe, uma valorosa equipe de quase quarenta mil homens e mulheres e isso me motiva.

Então, quero agradecer as palavras, as bem-aventuranças, as sugestões e até as cobranças e desconfianças.

Essas coisas me servem de emulação.

Vou repetir o que já disse: NÃO SOU O ATOR PRINCIPAL; SOU APENAS UM COADJUVANTE.

Um dia vou escrever sobre o ponta-de-patrulha Ênio Roberto Santiago dos Santos, o cabo do BOPE que morreu defendendo o que achava justo e direito.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Na ALERJ: sob fogo e sem direito a auto de resistência.

Participei, na útima terça-feira, de uma audiência pública na ALERJ para debater sobre autos de resistência. O convite foi formulado à secretaria de segurança pelo deputado Marcelo Freixo.

Cheguei cedo ao imponente prédio da principal casa legislativa do estado. O evento estava marcado para se iniciar às dez, mas uma hora antes eu já estava por lá, rondando-lhe os corredores, admirando-lhe a beleza e seu acervo artístico mais visível, pensando sua história que se impõe aqui e acolá, em cada quina de corredor, em cada parede acolhedora de ideários e polêmicas.

Vinte minutos antes da sessão, encontrei o deputado Flávio Bolsonaro que me convidou a acompanhá-lo no cafezinho, numa copa improvisada onde já se encontravam os deputados Marcelo Freixo e Paulo Ramos.

Para quem pensa que as disputas políticas promotoras dos acalorados debates da ALERJ, em especial as fomentadas por vigorosas convicções ideológicas de origem em Marx ou Adam Smith, que levam para cantos diferentes da arena democrática o PSOL e o PP, são suficientes para transformarem em “inimigos privados” jovens idealistas como Freixo e Bolsonaro, aconselho a saberem mais sobre esses nossos contemporâneos e importantes parlamentares fluminenses.

Nossos deputados são adversários na maior parte de suas intenções e convicções, mas são cavalheiros, cordiais entre si, e, ainda posso arriscar, talvez amigos na vida privada.

Passei alguns minutos descontraído, ali, com eles.

Paulo Ramos, um major disciplinado, tratou de apresentar-se militarmente a mim (coronel), que, igualmente atento aos protocolos da melhor fidalguia, respondi-lhe: - Apresentado Major! Como vai vossa excelência, deputado?

Verdadeiramente me relaciono muito bem com os três parlamentares e também com o Molon, que não estava no café, mas iria participar da sessão.

Minutos depois eu já estava na sala que serviria de palco (no melhor sentido) para o debate, e a descontração logo se transformou em tensão; nossas fisionomias já não apresentavam a mesma jovialidade, e eu divisava rostos bem conhecidos entre o pessoal que acompanharia a “peleja” na platéia.

Para que meus leitores entendam melhor o motivo daquela sessão pública, é conveniente conhecer acerca dos seus atores-debatedores: o primeiro que relaciono (embora tenha chegado atrasado) é o professor-doutor Jose Ignácio Cano Gestoso, mais conhecido na mídia e nos meios acadêmicos como Ignácio Cano; a segunda pessoa é o desembargador Sérgio Verani, com quem, salvo engano de memória, tive a oportunidade de debater, há alguns anos, a descriminação da maconha no auditório da ACADEPOL; a terceira é a advogada-professora-doutora, (ou doutora-advogada-professora, sempre me enrolo no uso desses títulos) Roberta Duboc Pedrinha, da universidade Candido Mendes e a última a professora (mestra, doutora, pós-doutora, pós-pós etc.) Patrícia Rivero, do IPEA.

Coube ao desembargador Verani iniciar o debate. Embora ele tenha seguido um rumo - digamos - esperado, (com exceção dos representantes do estado ali presentes como: eu, minha equipe, o Bolsonaro, uma delegada e um delegado da PCERJ, qualquer que se encontrasse na sessão iria se colocar em oposição ao nosso trabalho), foi dele a iniciativa, mesmo involuntária, de fazer com que não saíssemos do evento com um sentimento de impertinência geral. Verani, ao anunciar que a questão das mortes de criminosos que confrontam policiais, deveria ser alvo de uma discussão franca, me permitiu decidir que, quando chegasse minha vez de falar, iria começar com tal consideração.

Após, falou Ignácio Cano. Discorreu sobre a violência policial, citou números. Garantiu que há um desequilíbrio entre mortos policiais e marginais no Rio, usando como fundamento do seu discurso um argumentum ad verecundiam fundamentado nas considerações de um especialista americano (não me recordo se policial); teceu comparações, elogiou a polícia militar de Minas Gerais por não promover o assassínio de civis (eufemismo para inocentar bandidos em armas), lançou desconfianças sobre a lisura da polícia civil na análise de ocorrências com mortes pela PM e estendeu suas desconfianças ao ministério público e aos magistrados. Finalizou, o insigne professor espanhol, levantando a bandeira da prisão em qualquer caso para policiais envolvidos em confrontos com morte, mesmo em legítima defesa e em pleno uso do direito da força, nos revezes durante os serviços, quando têm que vencer a resistência armada de facínoras por opção.

Falaram ainda a professora Pedrinha, que manifestou suas desconfianças sobre as ações policiais no Complexo do Alemão e a professora Rivera, acho que uruguaia, não tenho certeza, que apresentou parte do estudo que realizou no IPEA sobre violência e território, abordando a questão dos homicídios numa consideração com a proximidade de moradia entre assassinos e vítimas, além de outros aspectos que seria extenso demais falar aqui.

Bem, então chegou a minha vez.

Eu estava muito à vontade.

O doutor Verani me dera um presente e lá fui eu.

Ele nos concitara a falar francamente e eu comecei por aí.

Ora, falar francamente significava considerar, logo, que parte – a maior parte – do que falaríamos, estaria assentada nas nossas idiossincrasias e ideologias, e não no simulacro científico que antecede os discursos, na apresentação das credenciais de oradores: - Ouviremos agora o doutor disso, a doutora daquilo, a pós-doutora daquiloutro!

Era preciso, de imediato, expor o carnegão ideológico escondido sob a epiderme das nossas intenções, antes que alguém pensasse que toda aquela vermelhidão fosse só exposição demasiada às luzes da ciência.

Peguei três ou quatro expressões recorrentes nos discursos dos professos das lutas de classes como motor da história e explicação do mundo, que haviam sido ditas, para fazer descer os enunciados ao solo das relações “coisa e juízos”, propondo, nisso, a validação de uma regra de debate com fundamento na hipótese de enunciação da verdade.

Havia se passado uma hora de oratória política dissimulada e isso me incomoda mais do que passar pelo maracanã em dia de jogo do flamengo.

Olhei no rosto dos meus interlocutores e pude sentir-lhes certo descontentamento.

Alguns cientistas de humanidades às vezes nos lembram os bêbados. Nunca devemos dizer-lhes de suas condições entorpecidas pelo marxismo viciante.

Não é fácil convencer convencidos.

Não pretendo isso.

Fui àquele local porque era minha missão.

Aquelas pessoas que prestigiavam o debate formam um círculo ideológico.

Lá estavam representantes do Justiça Global, da Rede Contra Violência, do Tortura Nunca Mais etc.

Se é ilusão acreditar que qualquer consideração, mesmo fundamentada na mais pura verdade e assentada em valores universais e absolutos, como o direito de um não agressor à vida, mas em sentido contrário às suas teses, lhes mudará a disposição e o entendimento, não posso, todavia, me furtar de me apresentar na arena das polêmicas dos juízos quando isso me é exigido num contexto de legalidade e legitimidade.

Cano, Pedrinha e Rivera são ideólogos. Nada mais legítimo. Não precisam camuflar o que lhes é direito.

Não é crime, não é vergonha.

E também não cometo crime quando lhes aponto isso; no máximo cometo uma indiscrição.

Eles têm todo direito de se apresentarem ideologicamente, filosoficamente, como eu faço, sem precisar apelar para “quanti” e “quali”, querendo se mostrar isentos.

Chega de balela!

Eles reclamam dos altos números de confrontos e eu também. Que saudades da época em que não havia fuzis nas mãos dos traficantes, e nós, policiais, usávamos revólveres e algemas para prendê-los.

Agora meus amigos, o buraco é mais embaixo.

Agora são milhares de granadas e uma ideologia regulando tudo, a ideologia de facção, com sua subcultura de ódio e dominação se espraiando pelo país.

Não desejamos autos de resistência, senhoras e senhores doutores, desejamos tranqüilidade pública e paz social, para nós, para cada cidadão fluminense e para todos que aqui transitam, como nuestros Hermanos espanhóis e uruguaios que vivem, trabalham e se divertem ao som do nosso samba.
Por isso temos uma política de enfrentamento que não bordeja problemas; do contrário, encara-os e propõe alternativas de paz sem mediação com o crime.

Não podemos aceitar essa tese desproporcional à nossa realidade semelhante aos conflitos armados de baixa intensidade. Encarcerar, de imediato, os policiais que se envolverem em confronto com mortes, numa área conflagrada como a nossa, é uma sandice.

Como mobilizar uma tropa para se meter em meio a uma guerra entre facções inimigas - como aconteceu recentemente na Maré quando pereceram, em combate, um soldado, um sargento e um tenente, para livrar a população da loucura do lumpesinato que os senhores eufemisticamente chamam de “civis” - se eles tiverem que ficar presos após o cumprimento de suas missões legais, legítimas e razoáveis?

Lutar contra os excessos sim; contra autos de resistência forjados sim, contra assassínios premeditados sim. Nisso estamos juntos.

Mas, se curvar às manobras ideológicas travestidas de ciência com simulacro de sentimentos humanistas, não!

Vamos continuar tendo uma discussão franca sobre isso.

Estou à disposição.

Ps: aproveito para agradecer aos deputados Paulo Ramos, Molon, Freixo e Bolsonaro pela acolhida respeitosa e franca. O FairPlay necessário a contendores modernos tem sido a marca de suas disposições políticas. A eles o meu muito obrigado.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

João Buracão

Sou um fã de “João Buracão”.
Ele é meu maior ídolo desde “Plano Cruzado” e sua aparição nos meados da década de oitenta, quando a inflação assaltava nossos bolsos e o indomável “PC” foi implantado pelo presidente Sarney, nos colocando felizes como fiscais da política econômica que vinha garantir manteiga no café da manhã, não tão barata, mas tabelada, numa época que só dava para comer pão com margarina empacotada em tablete.

“Plano Cruzado” não teve vida longa. Por ter nascido com uma saúde debilitada e sofrido alguns acidentes, viveu seus últimos dias com auxílio ortopédico, que garantiu alguma sobrevida com dignidade.

Deixou descendentes um tanto excêntricos, como um que certa feita se apoderou do cofrinho, onde seu dono, Povo, guardava as economias que PC houvera permitido acumular.

Fiquei sem ídolos por muitos anos.

Nem “Capitão Nascimento” ocupou aquele lugar de inspiração, de domínio simbólico de forra, de gozo de justiça e inclusão que Plano Cruzado me proporcionou à época.

Eis que surge João Buracão.

Confesso que não acreditei muito nele no início.

Pelas fotos, a impressão é que está mesmo admirando os buracos, as crateras, os fossos das vias públicas e não querendo fazer um protesto.

Sei lá, protestos são feitos com bandeiras, caminhão de som, faixas, cartazes e muita falação.

Buracão não diz nada!

Ele fica rindo o tempo todo!

Buracão, que me perdoe os mais ortodoxos, às vezes me lembra Jesus, o modelo Dele, Seu estilo.

Está sempre rodeado de crianças que parecem atrapalhá-lo, incomodá-lo, mas que verdadeiramente o deixam feliz.

Ao seu redor se juntam os simples, moradores das periferias, pobres de espírito que trazem as marcas das necessidades na face, escondidas pelos largos sorrisos de esperança e felicidade que a simples presença de João Buracão lhes proporciona.

João Buracão se reúne com os políticos gestores, atesta-lhes das necessidades com as quais se depara, lembra-lhes dos seus compromissos assumidos publicamente e assegura-lhes que não deixará de agradecer quando providenciarem reparos e construções. Mas, quando faz isso, entrega em mãos suas petições, pois crê que é melhor assim do que atirar imprecações na cara, o que o tornaria menor que aqueles que busca interpelar.
Quando os gestores fecham os buracos, Buracão cumpre o que prometeu, agradecendo feliz com o mesmo sorriso jovial.

João Buracão é sereno sem ser frouxo; não se furta à companhia de “tipo” algum, mas não se faz militante de causa que não seja a que elegeu, não por si, mas pelos seus, o que significa que ele não expulsa de sua presença os “desviantes” das estradas sem buracos que terão que ser ajustar, caso queiram segui-lo.

Talvez nem tenhamos prestado atenção em algo mais sutil, e nosso andarilho esteja promovendo mais do que colaborar no fechamento dos buracos da cidade.

Alguns pensadores e estudiosos, como James Q. Wilson e George Kelling, há tempos nos informaram que há uma relação de causalidade entre desordem e criminalidade.

João Buracão talvez seja mais simbólico do que possamos pensar.

Ele pode estar querendo despertar nossa consciência para o entendimento de que a violência, os delitos, as incivilidades que acontecem todos os dias se dão porque não fechamos as crateras materiais e espirituais, individuais e coletivas com as quais convivemos, desbordando-as com indiferença, e que poderíamos sanear e selar, evitando acidentes e suas dores desnecessárias.

João Buracão não faz milagres e talvez nem seja santo, mas estou rezando para que não nos deixe, ainda.

Estou rezando para que ele não seja um extraterrestre disfarçado, como o professor Massau (http://www.youtube.com/watch?v=xJbxG-ddJvE&feature=related), e não retorne à Andrômeda.

Ainda há muito buraco por aqui.

domingo, 19 de abril de 2009

Obridado Susan; Obrigado Deus!

Eu estou escrevendo este texto sob intensa emoção.
Creio que já há algum tempo que eu tenha sido tragado por onda igual, tão expositora de emoções desconcertantes, dessa emotividade visceral que possuímos, mas esquecemo-la escondida no fundo do nosso oceano psíquico, em meio às tripas, posta longe dos “olhos do coração”.

Mas, foi impossível evitá-la ao ver a matéria.

Já a repeti, já a expus aos meus olhos (e meus ouvidos) duas dezenas de vezes.

Distribuí o link para minha mulher, para meus filhos, para amigos.

Muitos esperam a vida toda por uma oportunidade de júbilo, acalentam o sonho de se encontrar no ápice.

Poucos conseguem, e, seguramente, aqueles que não abrem mão dos seus sonhos; os que elevam seus pensamentos na direção de seus objetivos até distantes, por que difíceis e grandiosos, mas com a idéia precedendo a ação; a reflexão precedendo o agir.

Já tem algum tempo (acho que foi quando iniciei a leitura de Os Miseráveis e isso já faz muitos anos) que essa perplexidade ante a grandeza do que se avizinha, que se mostra como pequena ponta de iceberg, não me visitava, não me batia à porta.

Victor Hugo é o maior gênio literário com o qual “travei contato” e "Os Miseráveis" é a sua maior criação.

Para mim, que defendo a existência de “universalidades” na existência humana, acompanhando as “particularidades” dela mesma, o grande escritor francês me reforça a "crença" por meio das tragédias que vai relatando, inventariando, desfilando gêneros, características individuais, sociais e metafísicas, enquanto constrói uma ponte para travessia de outros grandes, universais e atemporais, capazes de emocionar o mundo pela singularidade de suas qualidades que a Providência deixou para exibir no Seu tempo e na Sua hora.

Estou emocionado revendo, agora, neste instante, a matéria sobre a escocesa Susan Boyle. Estou ouvindo-a!

Façam isso vocês!!!

Estou pondo o link aqui:

Não há nada, absolutamente nada mais interessante do que a história de Susan Boyle nos jornais deste fim de semana.

Não percam seu tempo com a política, com as notícias sensacionalistas sobre a economia, sobre a violência, sobre as ideologias, sobre as particularidades da segurança pública.

Vivo reclamando que há um vazio de boas novas, de notícias que me façam emergir do mar de dúvidas que muitas vezes tenho sobre os sinais de Deus quem demonstrem Sua preocupação com Suas criaturas, com Seus filhos.

Deus me deu Susan Boyle neste fim de semana de novas velhas notícias; de novas velhas e desimportantes notícias para me lembrar de Sua existência; para reiterar que a vida tem um fim, sim, e muito maior do que o que conseguimos vislumbrar nas construções efêmeras que realizamos aqui e ali, com muito pouco talento verdadeiro e como displicentes cumprimentos de obrigações.

Ele me deu a história, a simplicidade de Susan Boyle, cantando uma das canções de um musical baseado na obra de Victor Hugo, fazendo com que o meu fim de semana entediante e enfadonho se fizesse radiante.

Repito: - Não há nada, nenhuma notícia, nenhuma novidade, nenhuma informação que possa iluminar a minha ou sua alma neste fim de semana que não a história e a voz de Susan Boyle.

Agora peço licença, pois preciso rever velhos amigos que estão me aguardando na estante da sala:
- E ai!! Como vão vocês: Fantine, Jean Valjean, Bispo Bienvenu, Cosette, Marius Pontmercy, Gravoche ... ??!!

domingo, 5 de abril de 2009

Yes, Sir!

Na semana passada recebi a visita do professor doutor David Murakami Wood , pesquisador inglês que estuda o tema segurança pública comparada e ambientes culturais relacionados.
O objetivo do jovem professor era saber do meu julgamento sobre os sistemas óticos-eletrônicos de vigilância: sua efetividade para a prevenção do delito e suporte para possiveis investigações.
Minha opinião deveria ser, assim, a do profissional de segurança pública e não a diretor-presidente do ISP e, de fato, a entrevista abarcou vários pontos sobre o trabalho policial no Rio de Janeiro.
O professor David revelou-se uma pessoa atualizada com os problemas do nosso Estado, suas perguntas estavam formuladas sobre uma base de conhecimento preliminar e estavam afinadas num profundo respeito pelas instituições que se desdobram na execução das políticas públicas concernentes.
Abaixo, transcrevo o artigo publicado no site do professor http://ubisurv.wordpress.com/ , que no próxinmo dia 07 de abril, às 10:00 h, irá proferir palestra no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ - Salão Moniz de Aragão.Endereço: Av. Pasteur, 250 / 2º andar - Urca - RJ.
by David
Paola and I had a very productive interview with Colonel Mario Sergio de Brito Duarte, the Director President of the Institute for Public Security (ISP) in Rio de Janeiro. The ISP is a state-level organisation with multiple functions including research on public security and the compilation of crime statistics; professional development for the police services (and also more broadly to encourage greater cooperation and coordination between military and civil police); and community involvement and participation in the development of security policy. The Colonel gave us an hour and a half of his time to explain his view on a wide range of issues around crime, security, the problems of the favelas, and the potential for surveillance, social interventions and policing in solving these problems.
As with many senior police (and military) officers with whom I have talked over the years, the Colonel is an educated, thoughtful man who has strong views based in his experiences as a front-line officer with the Policia Militar in Rio (including some years in BOPE, the special operations section) - as detailed in his book, Incursionanda no Inferno (Incursions into the Inferno). Despite how the title may sound, he was far from being gung-ho or authoritarian in his views, emphasising throughout, as with almost everyone I have talked to, that socio-economic solutions will be the only long-term guarantee of public security in Rio. And he certainly had no sympathy for the illegal actions of militias, despite understanding why they emerged and continued to be supported by some sections of the community.
However, it was also clear to him that current policies like Mayor Eduardo Paes’ ‘choque de ordem’ strategy which involves demolitions of illegally-built houses in the favelas, was absolutely necessary as well. He spent some time outlining his view of the history of how drug gangs infiltrated and gained control of many favelas, an in particular the importance of their obtaining high quality small arms - though he was vague on exactly where these arms came from - I have, of course, heard allegations from other interviewees that corrupt soldiers and policemen were one common source of such weapons.
From the point of view of surveillance studies, it was notable how profoundly indifferent the Colonel appeared to be towards he growth of surveillance, and in particular CCTV cameras. He argued that they might be a useful supplement to real policing, but he certainly did not appear to favour a UK-style ’surveillance society’ - of which, at least in Rio, there seems little sign as yet. He was similarly indifferent towards other central state social interventions like the Programa Bolsa Familia (PBF), and initiatives like ID cards - of course they might help in some way, but he certainly made no attempt to ague, as the UK government has done, that such technology will make a big difference to fighting crime and terrorism (indeed it was interesting that ‘terrorism’ was not mentioned at all - I guess that, when you have to deal with the constant reality of poverty, drugs and fighting between police and gangs, there is no need to conjure phantasms of terror). Even so, the Colonel recognised that the media in Rio did create fantasies of fear to shock the middle classes, and that this sensationalism did harm real efforts to create safer communities.
There was a lot more… but that will have to wait until I have had the whole interview transcribed and translated. In the meantime, my thanks to Colonel Mario Sergio Duarte and to the very nice and helpful ISP researcher Vanessa Campagnac, one of the authors of the analysis of the Rio de Janeiro Victimisation Survey, who talked to us about more technical issues around crime statistics.
from → Brazil, CCTV, academic, crime, fear, identity cards, intelligence, media, policing, policy, research, security, social statistics, surveillance, urbanism, videosurveillance

sexta-feira, 20 de março de 2009

Sobre abortos e autos de resistência.

Há pouco mais de duas semanas a imprensa nacional deu grande destaque a uma questão de forte apelo emocional, que mobilizou a opinião pública e proporcionou ásperas discussões entre defensores de pontos de vistas antagônicos.

A questão a que me refiro e que me obrigou a contínuas reflexões, é aquela em que se viu multiplamente vitimada uma menina de nove anos, em Pernambuco, estuprada pelo padrasto do qual engravidou de gêmeos.

Num inventário bem simples do drama encontramos a subjugação física contínua da criança, a violação sexual supressora de um direito natural (a vivência sexual consoante à própria vontade e com atenção à sua prontidão psíquica e somática), o risco de uma gravidez sem a madureza necessária de seu organismo, o risco proveniente da intervenção cirúrgica para sua fertilidade (e até para sua vida), e, também, mas não por fim, pois encontraríamos outros prejuízos, a socialização do drama, o que, não raro potencializa a vitimização pelo desvelamento da identidade da vítima.

Basicamente o caso contrapôs a igreja católica, a ciência e o mundo jurídico.
Essa foi a parte mais visível da polêmica.
Essas foram as perspectivas mais perceptíveis à nossa sensibilidade reflexiva (estou nomeando assim à dimensão psíquica onde a massa de informações sobre o problema impressionou e promoveu reação ).

O problema contrapôs, mais evidentemente, as hipóteses de verdade em nome da crença, da episteme e da norma, todos falando a partir de um topos noetós, lugar privilegiado de conhecimento: ora dogmático, ora positivista e ora legalista-normativo.

A igreja católica invocou o direito canônico, para embasar seus argumentos, acrescendo-lhes um repertório de considerações morais e éticas de sua exegese bíblica.
Sua tese fundamental, salvo engano, era a de que duas vidas seriam sacrificadas no aborto e esta seria uma situação irremediável.
Alegou que os avanços da medicina são de tal ordem que a gravidez, mesmo de risco, não selava a morte da menina grávida e que havia chances dela sobreviver em maior probabilidade do que morrer.
Para a igreja, o aborto seria matar as duas vidas em geração, mas existentes e, o não-aborto, tentar salvar três.

Claro, o catolicismo tinha outros argumentos mais metafísicos, de sua ortodoxia, e foram também invocados, mas que não afligiram o pensamento em oposição.

Para os opositores da Igreja Católica, agrupados nos cientistas e juristas com o apoio de formadores de opinião e vozes da população, a posição das autoridades eclesiásticas lhes pareceram tão deslocadas da idéia de bem e justiça pessoal e individual, que não se acautelaram de “bater de frente” com aqueles, uma estratégia bem diferente da adotada nesses nossos dias de “Brasil da teologia da libertação”, quando marxismo flerta com cristianismo buscando seduzi-lo às idéias de revolução, mais "pragmáticas" que o salvacionismo, e, Ser e não-Ser se tornam uma hipótese única.

Talvez a polêmica não tivesse tomado o contorno emocional que fez desfilar opiniões “abalizadas” se a palavra ex-comunhão não tivesse sido trazida à baila.

Ex-comugado, seja lá o que significa isso, é uma palavra medonha, que arrepia até cabelo do nariz.

Ao asseverar que uma ex-comunhão alcançaria a todos os que direta e indiretamente participaram do aborto produzido na menina, com exceção dela, a autoridade católica provocou uma reação coletiva contrária até na massa católica, o que fez parecer um reconhecimento das contradições existentes entre a amorosa, simples e profunda doutrina moral do Cristo, e a complexidade de fundamentos dogmáticos que sustentam o catolicismo e as atitudes confessionais do protestantismo.

Assim, parece que o paroxismo do caso foi produzido por uma semântica, e não por considerações sobre o infortúnio da menina a partir de diferentes considerações sobre seu destino.

E é exatamente este o ponto que quero exibir, declarando que uma questão presente todo tempo nas discussões, foi escamoteada, intencionalmente ou não.

Estou falando das ideologias que defendem o aborto no país e no mundo.

Os grupos pró-aborto de plantão encontraram na pobre menina pernambucana, um modelo emblemático e palatável para difusão de suas idéias abortivas supra-condicionais.

Esses grupos, como sabemos, são formados por pensadores materialistas que advogam que a vida gerada no seio materno é propriedade da gestante; só à gestante cabe decidir sobre o futuro do ser em gestação, caso tenha plenas condições emocionais de fazê-lo, ou, como em casos semelhantes ao da menina, a justiça e a família.

Tal posição tem sido rebatida não apenas pela igreja, mas por um sem número de pessoas que defendem o entendimento de que a vida começa no ato gerador.

Para esses, um zigoto, um óvulo fecundado sobre o qual se saiba de tal condição já é detentor do direito à vida, posto que é uma criança em potência, numa consideração aristotélica.

Realmente, que critério haverá para o aborto, levando-se em consideração, também, o ser gerado?

Em que mês de gestação, por exemplo, terá direito uma gestante de interromper sua gravidez?

Podemos dizer um embrião como “não humano” até determinado ponto de gestação, ou ele é humano em qualquer momento dela?
Qual seria esse ponto?

Seria absolutamente insensível à dor, num ataque contra sua existência?
Em que condições?

Quando não seria submetido a nenhum tipo de sofrimento?

Seria a forma, mais ou menos definida do embrião, um critério para sua classificação na categoria “pertencente à humanidade”?

Pode uma vida pertencente à categoria “humanidade”, sofrer ocisão sem qualquer direito à defesa, apenas porque não alcançou o status de “saído de dentro de quem lhe gera”?

E a vida, o que é?

É só um conjunto de intercâmbios elétricos e nervosos numa massa orgânica vivente, fadado à inorganicidade por entropia e destinado ao nada?

E se não for assim?

E se houver existência metafísica?

E se houver propósitos para a vida?

E se cada ser carregar consigo, desde a concepção, ou até antes dela, um valor absoluto que não pertence à vontade de outrem?

É verdade que se estes argumentos estiveram presentes no discurso da igreja em qualquer momento, se pertencem ao conjunto de suas considerações e explicitadas ou não integram seu conjunto de juízos sobre o assunto, não me recordo de tê-los ouvido.
O que prevaleceu, por tese, foram os pontos de dogma da igreja católica, repudiados na hipertensividade da palavra ex-comunhão, expressão que só angariou antipatias e foi exposta ao descrédito.

Os defensores pró-aborto contabilizaram pontos na contenda, porque, muitos, inclusive eu que sou contra o aborto, se posicionaram em favor da decisão da família com fundamento na defesa da menina; do seu direito a uma infância tão semelhante àquela que atalhou Jesus sobre as criancinhas.

Os defensores pró-aborto como direito da mulher ao corpo, integram, em regra, e é bom que se diga, o mesmo grupo que investe todo o tempo contra ações policiais que culminam com morte de criminosos agressores.

São aqueles que por "sentimento humanitário" argumentam por vítima, o criminoso cruel, que, de arma em punho, investe contra o policial e contra o transeunte para despertar a opinião pública contra o Estado, incitando, sem cerimônia, os integrantes de sua facção a atirar em morador porque “tiro em morador é bala perdida”.

Para eles, os facínoras que desprezam a lei, a ordem e a idéia de bem universalmente aceita, dê-se a inversão do status, com a alegação de que suas situações sociais são definidoras de seus desajustes.

Outrossim, para os seres inocentes nas barrigas que lhes deviam dar a vida, nenhuma apelação ou direito à fuga, mas a execução chancelada como direito e fundamento humanista.

Tento não teologizar meu discurso, mas quero dizer aqui da minha convicção de que a Providência Divina dará à infortunada menina oportunidades muitas de felicidade.

E dará a cada um que buscou uma solução para seu drama, mesmo o aborto, uma consciência tranqüila, se o fundamento de suas participações não desprezou o direito de cada ser em questão, tendo suas decisões seguido um critério de escolha razoável, fundamentada na singularidade da vida.

O aborto é um crime violento contra a criatura infensa, mas a miséria humana consegue sempre encobrir com pó de argumentos sedutores, as sementes de dor que um dia romperão.
É o hedonismo dissimulando egoísmo; é a irresponsabilidade se passando por liberdade.

terça-feira, 17 de março de 2009

FHC/THC/Leo Jaime

Em razão do comentário do cantor Leo Jaime na postagem FHC/THC, onde pondera que minhas refutações desprezam o conteúdo total de sua publicação no site No.com, reproduzo, na íntegra, seu artigo retirado do endereço http://www2.uol.com.br/leojaime/no3.htm para análise e considerações gerais dos leitores:


Entorpecente Genérico
Por que as drogas ditas alucinógenas são proibidas? Sempre são ouvidas argumentações de especialistas no assunto dizendo o quanto são fracassadas as experiências de legalização e, no entanto, nunca ouvimos uma argumentação razoável, lógica, coerente do porquê da proibição. A razão é única: não há uma retórica sequer que seja capaz de justificar esta proibição. Nem aquele argumento estúpido - que cairia com o primeiro peteleco de um asno - existe.
Nada. Pois se não há embasamento teórico ou legal, para essa proibição, é evidente que interesses econômicos na sua permanência existem. Tanto o jogo do bicho quanto a proibição das drogas interessam exclusivamente aos contraventores. É um benefício fiscal. A única diferença entre a casa lotérica e o bicheiro é que este último não paga os impostos, protegido pelo "benefício da ilegalidade". O mesmo ocorre com o fabricante ou traficante de entorpecentes.Ou melhor, alguns entorpecentes, pois vários remédios encontrados nas drogarias são também entorpecentes. Mas esses não causam dano social aparente e não
ganham páginas nos jornais. Porque são legalizados. Assim só fazem mal a quem os usa mal. Quando citam a Holanda ou a Suíça, ou mesmo a Espanha, alegando que as experiências liberais foram fracassadas, me ocorre o mais simples, óbvio e ululante: a experiência de proibir é que deu errado! Em todos os lugares em que foi instituída a marginalização do uso de entorpecentes o resultado é evidente: corrupção, aumento dos índices de criminalidade, consumo, violência etc. É bom frisar que os dados negativos geralmente associados ao "uso" ou ao "tráfico" das drogas, na verdade são uma decorrência somente da proibição. Um efeito colateral desta decisão infeliz. E é fácil prever: se proibirem o sal ou o cigarro, ou a carne de porco, seja lá o que for, estes mesmos índices negativos aumentarão. Quanto mais crimes, mais criminalidade.
A estas alturas o leitor estará pensando que só um quadrúpede pode comparar carne de porco, sal ou cigarro com cocaína, heroína e afins. E porquê? Ora, a mais estúpida das conclusões a que se chega quando a questão é "o que terá levado a sociedade a banir determinadas substâncias?", a alternativa mais comum, é a de que fazem mal à saúde. Ah, claro! De três em três meses as revistas médicas anunciam um grande inimigo da saúde. Uma hora é o sal, na outra é o açúcar, daqui a pouco são as frituras ou comidas gordurosas e por aí afora. A carne de porco, seguindo esse raciocínio, assim como o sal, ou o cigarro, são também perigosos e danosos à saúde. Tomar sol também é um grande perigo!!!! Aliás, qual é mesmo o bem que o cigarro faz?
O argumento de que as drogas fazem mal à saúde não convencem, portanto, ou criam margem para que se proíba quase tudo o que existe, pois qualquer coisa, se administrada na hora, em quantidades ou de maneira errada pode vir a fazer mal, de uma forma ou outra. Viver, por assim dizer, é fatal. Outro motivo que pode ocorrer, quando tentamos adivinhar o que terá ocasionado essa caçada internacional às "drogas de lazer", será exatamente isso: são de lazer, portanto desnecessárias. Isso se acreditarmos que o sexo, por exemplo, só deve ser praticado "se necessário", assim como ir à praia ,ou jogar bola, ou brincar de boneca, ou cantar. O que é inegável, no entanto, é que a sociedade quer tanto a droga quanto a sua proibição. Esse anacronismo gera milhões. Assim como a sociedade quer engordar e ao mesmo tempo odeia a gordura. Mais milhões. Mas isso não seria a alma do capitalismo? As fantásticas necessidades supérfluas?
No entanto, o que mais incomoda no fato da proibição dos entorpecentes, é que eles não são "de fato" proibidos. É mais fácil achar alguém vendendo cocaína ou maconha no meio da noite do que uma farmácia aberta. Em qualquer lugar, a qualquer hora, é fácil comprar drogas "ilícitas". Esse é o mercado que mais cresce no mundo, e com isso o crime organizado e desorganizado, além da corrupção (o mais hediondo dos crimes, ao meu ver). Se não há benefício aparente para a sociedade, uma vez que os "efeitos indesejáveis" do uso de substâncias entorpecentes aqui mencionados nunca foram historicamente relevantes até que se tornassem crime, é óbvio que alguém se beneficia com sua proibição. Chegaremos lá mais tarde.
Em qualquer país suficientemente organizado há estatísticas apontando as razões pelas quais as pessoas morrem. Nestas estatísticas, em lugar ou tempo algum, os índices de mortes em decorrência do uso de entorpecentes chegou a ser mais expressivo que, por exemplo, os índices de suicídio. Álcool e cigarro juntos, matam mais do que o trânsito, e este mata mais do que as guerras. Vamos proibir o trânsito? Não, óbvio, melhor seria organizá-lo e educar a população para que ele seja suficientemente civilizado, além de equipar os carros com instrumentos que ajudem a evitar as fatalitades quando os acidentes ocorrerem. Mas alguém já morreu, na história deste planeta, em decorrência do uso de maconha?
Já? Quero provas. E posso pressupor, sem muitos dados, que mais pessoas morreram vitimadas por raios, ou mesmo engasgadas. É simples: conquanto não faça nenhum "bem", é impossível se intoxicar fumando maconha. Mas se você fizer uma montanha de maconha da altura de um edifício de dez andares, tocar fogo e ficar por perto, em um ambiente fechado, pode ser que a fumaça te mate, mas em qualquer incêndio de pequenas proporções isso também ocorreria. Claro que se alguém fumar muito e for dirigir um acidente pode acontecer. Mas se ela trabalhar muito ou ficar muito tempo acordada e for dirigir o mesmo pode ocorrer. Cada um deve saber dos seus limites.
Se o cigarro é letal, e o álcool também, não é errado pensar que eles são indesejáveis. Eu mesmo não faço uso de um e nem de outro, e diga-se de passagem, muito menos de drogas ilícitas. Pra dizer a verdade conheço poucas coisas que tornam um indivíduo mais chato que uma cafungada de cocaína. Nada mais cafona, nada mais careta, nada mais burro. Mas não tenho nada com isso. Também detesto fumaça de cigarro e a forma "glamourosa" como os fumantes acham que estão fazendo um bem à humanidade soprando fumaça pelos quatro cantos e jogando as cinzas e as pontas em qualquer lugar. Os fumantes passivos são um número mais expressivo nas estatísticas de mortalidade do que o número de vítimas da cocaína ou heroína. E no entanto os comerciais de cigarro estão por toda parte. A sociedade quer o cigarro. Cabe a mim tolerar e, ainda que o deteste, lutar pelo direito que uns tem de gostar e outros não. A liberdade é um bem maior e anterior à saúde.
Essa argumentação pode soar estapafúrdia, eu sei, mas a liberdade tem que ser anterior pois é mais fundamental do que a saúde, por uma razão bastante simples: o estado não pode me obrigar a ser "saudável". Como não pode me obrigar a ser feliz. Como não pode me obrigar a praticar uma determinada sexualidade que ele ache "natural". No Afeganistão os talibãs andaram proibindo os homens de fazer a barba e as mulheres de mostrar o rosto. A proibição da maconha ou da cocaína é, em essência, da mesma natureza. O Estado não deveria se meter nestas questões. Proibir o suicídio é anacrônico, em última instância. E punir o suicida como? Com a pena de morte? Não seria mais danosa a "pena de vida"? Perdoe se digressiono, mas a indagação dos limites da intervenção do Estado na vida do cidadão é um exercício fundamental para a compreensão deste argumento.
A gripe é indesejável. Proiba-se a gripe. Pronto, acabou?! Está tudo resolvido? É claro que não. É óbvio que o dinheiro que fabricantes de cigarro pagam de impostos ajudam a bancar o sistema de saúde pública, ou seja: o fumante paga, ao comprar o cigarro, pelo hospital que o abrigará adiante. O mesmo deveria ocorrer com quem compra maconha ou heroína. A dependência química pode ocorrer com remédios comprados na farmácia com receita médica. É fato. E também indesejável. Benzina pode causar alucinações, assim como alguns "sprays" domésticos. As "bolinhas" faziam o maior sucesso nos anos 70, e depois foram substituídas pelo "escstasy" que são, em suma, a mesma coisa, só que fabricado na ilegalidade, sem pagar impostos. E aí está a questão chave: se tanta coisa "legalizada" é entorpecente, ou pode ser utilizada como tal, qual a razão de algumas serem tiradas desta lista e transferidas para uma "lista negra".
Segunda questão: por que só as da "lista negra" fazem "sucesso" entre os usuários. Foi-se o tempo em que alguém dizia estar doidão de xarope ou "mandrix" ou "mequalon" ou qualquer outra coisa do gênero. As drogas que circulam pelo planeta são aquelas mesmas, as da "lista negra": maconha, haxixe, heroína, cocaína, crack e ecstasy. O resto não tem "mercado", embora esteja no mercado.
Será coincidência que as regiões onde essas drogas são fabricadas sejam as de pior distribuição de renda e maior índice de criminalidade e injustiça social do planeta? O Brasil, o " Cone sul" e o Oriente Médio não são, ou não deveriam ser tão miseráveis. Mas é exatamente onde se concentram a fabricação e distribuição de drogas que se observará o poder estatal mais perigosamente próximo ao crime. A corrupção é quase um poder paralelo e as injustiças sociais são muito favoráveis para que boa parte da população queira se envolver no negócio e uma outra parte significativa seja induzida ao "consumo" pela grande falta de perspectivas pessoais. Não há muitas possibilidades para alguém que nasce pobre nestes lugares. A saúde pública é um fracasso, a justiça erra com assustadora frequência e a segurança pública é absurdamente ineficaz. Verdade seja dita: a guerra contra o tráfico é um massacre. Nunca, em lugar nenhum, jamais na história, o tráfico perdeu mercado, dinheiro ou poder. A guerra contra o uso de drogas é uma balela.
Não há e nem nunca houve a menor chance. É só desperdício de dinheiro público e "show-off" para a opinião pública.
A proibição das drogas é posterior à "lei-seca" americana, a mais infrutífera das experiências no setor, o que sustenta a afirmação de que a proibição é mais que um erro, é um erro repetido. Quando os americanos proibiram as bebidas alcoólicas, achavam que iam fazer diminuir o alcoolismo. O único resultado palpável e significativo desta tentativa foi o aparecimento da máfia e do crime organizado naquela sociedade. E foi esta mesma máfia quem, no meu entendimento, financiou a "proibição" de alguma outras substâncias que os populares usavam a título de diversão. Óbvio que a proibição de "birita" foi um "negócio da china" para a máfia.
Assim como a proibição destas outras substâncias, assim como a de alguns jogos, é uma maravilha para quem investe no crime. Quanto mais coisas forem proibidas, melhor será a vida do contraventor, ora bolas. O que há, de fato, não é uma proibição real de certas substâncias ou práticas, o que há é o benefício fiscal, a isenção de impostos, para uma certa qualidade de "produtos". E esses produtos fazem o maior sucesso, mesmo sem ter nenhum controle de qualidade, sendo "malhados" à vontade, sem dar o benefício das leis trabalhistas para quem as fabrica ou negocia e sem as facilidades do "Procon" para quem usa, sem as verbas para a saúde e segurança públicas que elas tanto prejudicam.
A experiência de proibição é, em suma, uma idiotice completa, criminosa, e todo o cidadão que a defende deveria ser seriamente questionado pois está, evidentemente, torcendo pelo bandido. Todo o cidadão que compra um bagulho ou um rádio roubado é um corrupto, assim como o é aquele que, mesmo não fazendo uso de produtos ilegais, defende a ilegalidade destes. Repito: o Estado não pode proibir ninguém de ser dependente químico, alcoólico ou diabético. Pode e deve é tratar desses cidadãos, uma vez que eles tenham contribuído com impostos. Mas observamos que muitos países já chegaram a esta conclusão e, todavia, quando tentaram colocar em prática a coisa ficou feia.
Vamos fazer uma analogia. Considerando que o tráfico é tão indesejável para a sociedade como os insetos são para um edifício, vejamos o que acontece quando um edifício é dedetizado por completo: os insetos tendem a procurar um local mais adequado para viver e se mudam dali. Se, nesta hipótese do edifício, excluirmos um ou dois apartamentos da dedetização, o que acontecerá? Todos os insetos irão para aqueles locais próximos e seguros.
O fato é que os poucos países que tentaram resolver localmente um problema global pagaram o preço da covardia ou omissão alheia. Os bandidos e viciados de todos os lugares viram nestes países a sua Meca. E o preço da coragem e pioneirismo foi alto. A questão das drogas e do crime, nos dias atuais, como tudo, é globalizada e globalizante. Por trás da indústria das drogas existem países e fortunas. Há uma multidão de consumidores. Grande parte destes consumidores não gosta, ou não acha sensato e recomendável consumir. Grande parte destes usuários são até contra a legalização. O Estado deveria fabricar e fornecer - com supervisão médica - todas as substâncias que podem colocar a vida em risco, em todos os países. O preço não seria alto, o que evitaria a necessidade de roubar para comprar bagulho, e a qualidade seria boa, o que evitaria certos acidentes. Um entorpecente "genérico", por assim dizer. Essa parece ser a única forma razoável de lidar com o assunto, fazendo com que os males oriundos dessas escolhas pessoais sejam minimizados no âmbito social.
Álcool se compra aonde? Na padaria? Pois é lá que deveria ser vendida a maconha. Os remédios de tarja preta são vendidos aonde? Na farmácia? Pois lá deveriam ser encontradas heroína, cocaína e anfetaminas (algumas são, mas o ecstasy é "patente" criminosa). A sociedade é suficientemente madura para saber quando e quanto deve beber. Ainda assim acidentes acontecem. Mas acidentes são da natureza humana. Assim como a burrice, o mau-caratismo, o mau-humor, a avareza, a intromissão etc. Comportamentos indesejáveis e lamentáveis não são necessariamente crimes.
O Estado não tem o direito de se meter nisso. Todos devem ter o direito à felicidade e também à infelicidade. Ninguém tem o direito de julgar como alguém deve ser feliz ou infeliz. O Estado deveria era cuidar de ser menos dispendioso, corrupto e intrometido.

Bem, aí está.

É um texto com argumentos, não obstante uma ou outra imprecação desnecessária ao pensamento antagônico ( "A estas alturas o leitor estará pensando que só um quadrúpede pode comparar carne de porco, sal ou cigarro com cocaína, heroína e afins - Pra dizer a verdade conheço poucas coisas que tornam um indivíduo mais chato que uma cafungada de cocaína. Nada mais cafona, nada mais careta, nada mais burro - A experiência de proibição é, em suma, uma idiotice completa, criminosa, e todo o cidadão que a defende deveria ser seriamente questionado pois está, evidentemente, torcendo pelo bandido").

Aos leitores passo a palavra.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Ainda sobre a legalização.

A presente postagem também foi escrita durante o tempo em que estive assessorando a SEPDQ, da prefeitura do Rio.

Foi um texto que elaborei e nomeei por: Refutações às teses apresentadas na Revista “Carta Capital” de 04 de Julho de 2001, sob o título NÃO ADIANTA PROIBIR.

Da mesma forma que na postagem anterior não publico aqui a matéria da Carta, mas apenas trechos.
Assim, avançamos um pouco mais na discussão sobre a legalização das drogas.

AFIRMAÇÃO 1: Tanto na terra do Tio Sam quanto no velho mundo, e no mundo todo, o comércio de drogas ilícitas garante empregos legais e ilegais para centenas de milhares de pessoas, incluindo advogados, policiais, traficantes, banqueiros, corretores de valores, fazendeiros.

REFUTAÇÃO: A idéia de ser o tráfico de drogas uma atividade socialmente útil, está implícita de forma sub-reptícia nesse trecho. A utilização do verbo “garantir”, para introduzir a palavra “emprego”, no sentido de ação "laborativa" e sinônimo de trabalho, demonstra a linha de raciocínio que marca a matéria. Não há dimensão ética a se considerar na análise da obtenção de lucros ou ganhos; com isso um policial e um traficante devem ser considerados iguais, pois apenas "vendem sua força de trabalho". Este raciocínio despreza a ruptura implícita da lei, não expondo por criminosos aqueles que não são outra coisa além disso. Garantir significa, assim, a segurança de permanência em atividade de estrutura lucrativa, rentável. É o trecho da matéria insustentável ao pretender defender a tese de que “vale tudo”, eximindo-se, todavia, de fazê-lo explicitamente, introduzindo a confusão por não diferenciar profissão laboriosa de elite criminosa.


AFIRMAÇÃO 2: O homem, vale lembrar, sempre se drogou e até pouco tempo não era punido por isso.

REFUTAÇÃO: Ao defender a tese de que o proibicionismo da atualidade está em desacordo com os princípios da liberdade individual e direitos humanos, reconhecidos na atualidade, Carta Capital busca no paradoxo aparente, justificar a filosofia da liberação e descriminação. Ocorre que a criminalização de certos fatos ao contrário de parecer reacionário é, na realidade, uma evolução, com fartos argumentos humanos e sociais. Basta ver que até pouquíssimo tempo assédio sexual e racismo não eram considerados crimes; mulheres se viam aviltadas, intimidadas e perseguidas no emprego e sofriam conseqüências danosas (como demissão) pela recusa em se curvar ao vexame, sem que lhes fossem oferecidas quaisquer medidas de proteção e segurança; minorias raciais sofriam perseguições covardes sem proteção do Estado.
A liberdade de expressar-se ou de agir conforme a própria vontade, sem os freios da lei, eram, assim, um contra-senso, pois resultava em nocivas conseqüências de ordem moral e material para as vítimas da liberdade insensata. A criminalização não é, desta forma, um retrocesso, pois mais clara é a visão nos nossos dias de que os interesses e direitos coletivos se sobrepõem aos individuais, e descriminar só será sinônimo de progresso quando o objetivo a ser alcançado ultrapassar os limites das idiossincrasias e atingir os legítimos interesses da humanidade.

AFIRMAÇÃO 3: Houve uma tentativa, a partir de 1920, de proibir bebidas alcoólicas nos Estados Unidos. Porém, como ficou provado, mais uma vez, a fruta quando é proibida é ainda mais desejada.

REFUTAÇÃO: A proibição de um fato por lei objetiva dissuadir as pessoas de sua prática. Um exemplo: a subtração de coisa alheia, tipificada como furto, é um delito onde está ausente a violência contra pessoa. Todavia, é uma injustiça para com o subtraído, daí a proibição imposta por lei, com pena de supressão da liberdade individual do criminoso. Na lógica da afirmativa seria essa proibição uma tentação, pois, como fruto proibido, o desejo de furtar impulsionaria o homem à prática. Isso, por axioma, valeria para todo e qualquer fato, os “prazerosos”, como o uso de drogas, ou das pseudonecessidades. Usar a figura bíblica da tentação dos pais da humanidade tem, unicamente, o objetivo de conferir seriedade filosófica a uma idéia contraposta à lógica e ao bom senso, pois induz ao pensamento de que “maior a proibição e suas conseqüências pela transgressão, mais larga experimentação pela humanidade curiosa”.

AFIRMAÇÃO 4: Sendo um adulto e responsável membro da sociedade tenho de ter o direito absoluto de tomar qualquer substância alteradora da mente. Ninguém, muito menos o Estado, pode me dizer ao contrário.

REFUTAÇÃO: Não vivemos numa sociedade de ermitões, homens segregados do mundo, isolados em cavernas sem contato uns com os outros. Por sociedade que somos e cuja essência é a interatividade das ações, trocamos experiências o tempo todo e, assim, influenciamos e somos influenciados, de forma a participar da co-responsabilidade na direção dos caminhos da humanidade. Também, por análise de fatos e acompanhamento histórico somos forçados a reconhecer que certos homens(mulheres) - os chamados líderes, formadores de opinião - exercem forte influência sobre outros e, com palavras que convencem e exemplos (bons ou maus) que arrastam, vão impulsionando alguns tantos ao progresso e a outros aos abismos da autodestruição. Para azar dos grupos pró-drogas, todavia, muitos tiveram fim trágico por conseqüência justamente do uso de estupefacientes, prova maior da irrazoabilidade do seu abuso.

AFIRMAÇÃO 5: Em programas de redução de danos reconhece-se que a abstinência não é uma meta realista nem aceitável para alguns dependentes. Fundamental é não criminalizar o dependente, mas sim tratá-lo de forma humana.

REFUTAÇÃO: A redução de danos é das mais controversas teorias alçadas ao status de filosofia e estratégia de abordagem na questão da dependência química, já surgidas e disseminadas até hoje. Preconiza que o mais importante não é proporcionar o feliz regresso do dependente à liberdade de viver sem drogas, mas de permanecer preso à sua drogadição com a segurança de não transmitir (ou adquirir) algumas doenças, ou ainda, não sofrer “intoxicação secundária”, pelos subprodutos da droga adulterada. Estudiosos da questão das drogas acordam que o dependente não deva ter tratamento de criminoso, até porque, não há crime na dependência química, mas sim na aquisição e porte das drogas para qualquer fim, com suas variáveis de tipicidade; nenhuma pessoa, mesmo confessando publicamente fazer uso de drogas, pode ser atingida pela lei, pois, como se disse, não há delito em ser dependente.
Mas, os defensores dos programas de redução fazem confundir a doença com o delito, quando, na verdade, uma ocorre como conseqüência da outra. Na prática, a redução de danos é uma perversa sedução da escravidão às drogas com roupagem de proteção e humanismo.

AFIRMAÇÃO 6: Leslie Iverson, professor de farmacologia da Universidade de Oxford e conselheiro especial em assuntos de Marijuana no Comitê de Ciência e Tecnologia da Câmara Alta do Parlamento Britânico, ressalta “Não há provas científicas de que a Marijuana provoque, a longo prazo, efeitos nocivos a saúde ou tenha impacto no desempenho de seus usuários no trabalho”. Ainda segundo Iverson, não foi provado cientificamente que a Marijuana é um trampolim para drogas pesadas.

REFUTAÇÃO: A afirmativa do professor Leslie Iverson nos remete a um passado de 30, 40 anos, quando os malefícios da maconha não eram tão conhecidos. Todavia, a ciência dos nossos dias demonstra, com provas muito seguras, a existência de dezenas de seqüelas causadas pelo seu uso.
Como exemplo, os pesquisadores Gabriel G Nahas, Kenneth M. Sutin, David J. Harvy e Stig Agureel, publicaram num livro de 826 páginas, milhares de referências sobre obras de reconhecimento na comunidade científica internacional, relacionando dezenas de milhares de pesquisadores. Intitulada Marijuana and Medicine o livro é vade mecum para qualquer pessoa que se proponha a defender posições pró ou contra as drogas, em nível acadêmico, ou seja, não se aventurando nos discursos retóricos emotivos com base em falácias que podem convencer num momento, mas que se esfacelam diante dos fatos, já que fato e verdade são correlações inexoráveis.
Assim, afirmar a inexistência de provas científicas danosas da maconha, quando os fatos, aos milhares, argumentam contrariamente, faz o professor Iverson despencar para o lugar comum dos irresponsáveis noticiadores de inverdades, ou responsáveis pela desinformação, o que, de certa forma tanto faz, já que suas afirmações mesmo desprovidas de cunho verdadeiro acabam encontrando eco nos invigilantes, se vulgarizando e transformando-se em ideologia de transição.
O objetivo, ao que parece, é a ampla descriminação de todas as drogas, mas, como numa guerra é preciso avançar pelo território adversário palmo a palmo, a descriminação da maconha será o primeiro objetivo a ser conquistado e como ideologia enaltecerá o primado da liberdade como entendem, ideário a ser alcançado, para o que envidarão todos os esforços.

Por: Mário Sérgio de Brito Duarte

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

FHC / THC

Há sete anos, precisamente no dia 07 de fevereiro de 2002, o site No.com.br publicou um interessante artigo do cantor Léo Jaime com o título Entorpecente Genérico, a respeito da legalização da maconha.

Naquela época eu me encontrava trabalhando como assessor para prevenção ao uso de drogas e dependência química, na prefeitura do Rio, e escrevi um texto para o No com refutações às teses pró-legalização das drogas.

Não vou republicar o artigo do Léo Jaime, até porque não o tenho arquivado, mas o leitor que se interessar provavelmente irá encontrá-lo na internet. Como disse, chama-se Entorpecente Genérico.

Mas, d’outra sorte, vou publicar aqui o texto que escrevi para o No.

Achei oportuno fazê-lo porque o tema voltou à baila, e há gente importante defendendo a legalização da maconha, ou mesmo das drogas, de uma maneira geral.

Como penso diferente do grupo “pró”, ou seja, não creio que a inversão do status proibitivo vá promover a redução da violência ou outra vantagem, numa consideração custo-benefício, socializo meu entendimento para discussão. Vejamos:



Por que as drogas ditas alucinógenas são proibidas ?

Com tal indagação, Léo Jaime inicia seu texto introduzindo uma dúvida sobre as substâncias que provocam alucinações, já que o “dito”, como ele proclama, não necessariamente é fato, por axioma.

Ora, a classificação científica moderna chama às drogas que provocam ilusões, delírios e alucinações, de perturbadoras, o que são, já que modificam a percepção do real das pessoas. Se o contraditório produzido pelo verbo parece irrelevante, é, todavia, de extrema importância, a pergunta em si.

Permitiríamos-nos responder que são proibidas porque convém serem proibidas, e antes que Léo Jaime morra de rir, passemos às explicações:

Há três conseqüências básicas do uso de drogas psicoativas, a saber:

A primeira, como já dissemos, é a mudança de percepção das coisas como elas são realmente por mimetizarem um dos mais evidentes sintomas das psicoses que são as alucinações, e não é de hoje que a medicina reconhece isso como nada tendo a haver com aumento da atividade ou capacidade mental, ou, ainda, as classifica como perturbações do perfeito funcionamento do cérebro. Daí, a primeira conseqüência a que nos remete o uso das drogas é o desenvolvimento de uma psicopatologia.

A segunda conseqüência diz respeito às doenças físicas que faz desenvolver. Vejamos o exemplo da maconha, considerada inofensiva pelo autor do artigo e sobre a qual ele questiona haver registros históricos de morte pelo seu uso:

1. Os usuários de três ou quatro baseados de canabis sativa, seu nome científico, sofrem de bronquite crônica com mais freqüência que os fumantes de cigarro que consomem um ou mais maços por dia.

2. Os usuários de maconha, como os tabagistas, mostram alterações na superfície das traquéias, nos tubos dos brônquios, e, as células ciliadas, que removem a poeira dos pulmões, morrem, e são trocadas por células produtoras de muco e outras que se proliferam bem acima do normal, apresentando, eventualmente, uma textura grossa, condição considerada pré-cancerosa.

3. Por possuir muitos dos mesmos agentes cancerígenos do tabaco, um cigarro de maconha, que é enrolado à mão, sem filtro, e a fumaça é presa nos pulmões por muito mais tempo quando tragada, deposita nesses quatro vezes mais alcatrão do que um cigarro comum.

4. Ataca o sistema imunológico.

5. No cérebro, inibe as células com importantes funções reguladoras dos sistemas da complexa rede de checagem e balanços do organismo; atuando no cerebelo, parte do cérebro que controla a coordenação motora, e no hipocampo, que governa a aprendizagem, provocando , da mesma forma, consideráveis danos.

A terceira conseqüência básica do uso da maconha é o desenvolvimento, com o tempo, da dependência química, mais acentuadamente psicológica, remetendo o drogadito à escravidão, quando se alternam crises depressivas e letargia, desmotivação pelos estudos e a compulsão impulsiona, não raro, ao delito, para obtenção dos recursos que permitam obter a droga, tudo com a negação do “vício”, já que um dos mais freqüentes mecanismos de defesa do drogadito é negá-lo.

Outra conseqüência que poderia confundir-se com causa está explícita nas pesquisas realizadas com usuários de cocaína, crack e ectasy, os quais, na maioria, declaram que iniciaram seu consumo de drogas ilícitas na maconha, o que fez surgir a expressão porta de entrada para outras drogas, e que por não ser um termo científico, fomenta, obviamente, toda sorte de contestação filosófica, já que permite inevitavelmente a dúvida.

Na sua defesa do uso livre das drogas declara que o comércio regular iria trazer para consumo droga de boa qualidade, fazendo supor que acabaria com o tráfico. Seguramente ele desconhece que para cada três cigarros vendidos no Brasil um é falsificado e contém tanta impureza quanto tabaco. Mas, será que nunca ouviu falar cigarro e whisky do Paraguai? Será que desconhece que a pureza de uma droga não elimina seu risco primário-direto, mas somente os adjacentes?

Bom, mas, e daí? Já sabemos que as drogas trazem tais conseqüências, as neurociências demonstraram com provas à mão; que 15.000 trabalhos científicos com sobejas evidências de tais resultados foram reconhecidos pela comunidade científica internacional, mas, ainda assim, por que devem ser proibidas ?!?

As drogas lícitas – o álcool e o tabaco – matam muito mais do que as drogas ilícitas. - ele assegura.

Mas é lógico! Com um pouco de esforço podemos concluir que o ilegal, o que provoca perdas, o que impõe pena e prejuízos por sanção, não pode ser o que impulsiona as massas ao consumo. Do contrário, valeria dizer que justamente o freio é que acelera o ponto material, ou que a lei é a principal força motriz do crime, ou, ainda, que o dique, a represa, é que dá maior vazão ao fluido.

Ora, pois aí está a razão de se manter na ilicitude – ou sob controle, no caso dos fármacos – as substâncias psicoativas. À exceção dos aplicados farmacologicamente, nas condições de estrito cumprimento dos receituários de medicação, elas representam grande perigo para a saúde das pessoas. A droga dificultada pela ilicitude tem consumo menor justamente por esse fato. Ninguém ignora que é mais fácil ter acesso a um copo de aguardente do que a uma “carreira de pó”. O álcool e o tabaco estão presentes no dia a dia das pessoas justamente por não serem proibidos.

Seria então o caso de proibir-se as drogas lícitas, também tão perigosas?

Respondemos que progressivamente sim. Se isso fosse feito de chofre a lei, certamente, não seria respeitada, porque as águas do rio das drogas lícitas correm soltas há muito, e reagrupá-las seria tarefa dificílima. A solução, então, é ir dificultando o acesso com leis que limitem a propaganda, que impeçam o consumo em certos locais etc, e isso vem sendo feito com o apoio de setores da direita e da esquerda, não sendo motivo de disputa ideológica.

Mas, Léo Jaime tem outras provocações que deixamos de comentá-las detidamente pela nenhuma contribuição que traria à questão. Sim, afinal como refutar sua assertiva: a sociedade quer tanto a droga quanto a sua proibição?

E afinal, já morreu alguém na história deste planeta em decorrência do uso da maconha? - questiona.

De overdose suspeitamos que não. A maconha não provoca entropia no sistema orgânico por impacto, como já vimos. Todavia, de enfisema, de múltiplas formas de câncer e de toda sorte de doenças pulmonares. Ah! Sim; todos os dias!

É claro que nas estatísticas oficiais isso não aparece, até porque, o que consta nos óbitos como causa mortis já é a conseqüência (doença) do uso. Além do mais, como, com exceções, os fumantes de maconha também usam tabaco, as causas das doenças acabam sendo atribuídas a esse, pois seus usuários preferem revelar o hábito lícito e camuflar o ilícito.

Léo Jaime também conduz o leitor às seguintes indagações: o trânsito mata mais do que as drogas. Deve por isso ser proibido? A gripe é indesejável. Resolve proibir-se a gripe? Medicamentos psicoativos popularmente conhecidos como bolinhas e produtos de uso industrial como “alguns sprays domésticos “causam dependência química. Qual a razão de não estarem na lista negra ?

Arriscaríamos acrescentar às indagações do musicista uma outra, para apimentar a questão: sabemos que em passado recente um método hediondo, mas freqüente, de investigação policial, era interrogar suspeitos com a cabeça afundada numa lata cheia d’água. Devemos por isso proibir o uso indistinto da água e acabar com as latas?

Se mantivermos nosso espírito desprevenido, com o senso crítico relaxado para analisar um argumento não levando em consideração o maior número de hipóteses possíveis, talvez possamos realmente achar que a água, o trânsito, a gordura, os medicamentos, os produtos industriais, etc, são tão dispensáveis quanto a cocaína, o ecstasy e a maconha. Não atentando para que, o que os difere não é o elemento, mas o conjunto, a reunião de cada componente que faça considerar razoável sua utilização (a satisfação das necessidades humanas, a manutenção da saúde física e mental, a melhoria da qualidade de vida, o progresso científico, etc.), talvez realmente julguemos que devam sofrer a mesma reprovação, por serem, indevidamente, objeto de uso digressivo, excessivo e até criminoso.

Conclui, finalmente, Léo Jaime, declarando que: O Estado não tem o direito de se meter na felicidade ou infelicidade das pessoas.

Façamos um trato, então: O estado não se obrigará a atender e tratar os dependentes químicos, ou os quase suicidas, ou os soropositivos que declararam não terem usado preservativos e se contaminaram por isso, ou os acidentados que não usaram equipamentos de segurança no trabalho por opção, ou os afogados que se arriscaram nas praias sinalizadas com bandeira vermelha. Afinal, optaram pelo risco, e o Estado, por reciprocidade, não terá a obrigação de socorrê-los!

Não ! Não é isso ! Claro que não! O Estado tem a obrigação de atender a todos, até aquele criminoso que atirou no policial, na criança, no idoso, no presidente da república, mas que está sob sua custódia necessitando tratamento.

O Estado tem o direito e o dever de prevenir o mal do homem, mesmo de “ente para si" . Vivemos em sociedade. O ser é ser para o mundo.

Acho até que quando deixamos o orgulho e o egoísmo superarem nossos sentimentos mais saudáveis, acabamos permitindo a instalação do ódio na alma, culminando por desejar a infelicidade alheia.

Mas, desejar a própria infelicidade? É preciso estar psiquicamente muito doente para conjeturar de tal coisa!

Que por remorso e arrependimento de atitudes que tenhamos cometido, resignemo-nos com o sofrimento por conseqüência, é compreensível; que nos sacrifiquemos e nos entreguemos em holocausto por uma causa ou uma ideologia é até louvável, mas escolher ser infeliz!? Não é razoável.

Bem, acredito que este não será o único texto que publicarei sobre o assunto. O tema merece considerações muito mais profundas, devido à sua importância em diversos campos, inclusive o da Segurança Pública.

Ah! E THC é Tetrahidrocanabinol, falou?

E FHC é...

Alguém quer comentar?